O fascínio provocado pelo cinema é capaz de libertar as pessoas. Argo mostra como isto é possível, literalmente. Uma história que impressiona, especialmente por ser baseada em fatos reais. Uma bela reconstituição de uma época que ficou para trás, apenas em parte. Sem dúvida alguma este filme já é uma das apostas para o próximo Globo de Ouro e Oscar, especialmente na categoria roteiro. Um belo trabalho de Ben Affleck na direção e como protagonista. Ele tem amadurecido, e promete trazer muitas outras histórias interessantes pra gente no futuro.
A HISTÓRIA: Animações ao estilo de storyboard contam a história do Irã, desde que o país fazia parte do Império Persa, administrado por uma série de reis, conhecidos como Xás, até que esta história entrou em uma nova fase em 1950. Naquele ano, o povo do Irã elegeu um democrata como Primeiro Ministro, que desagradou os Estados Unidos. Como ocorreu com tantos outros países, o Irã sofreu um golpe incentivado pelo governo dos EUA (e do Reino Unido, neste caso), que acabou colocando um Xá novamente no poder. Como ocorreu na América Latina e em outras partes, este ditador provocou terror e, na vida pessoal, esbanjou o que não podia. Quando ele foi derrubado do poder, em 1979, acabou exilado nos EUA. E o povo do Irã não aceitou este exílio. Daí que surge o mote do filme, quando um grupo grande de pessoas revoltadas invade a embaixada dos EUA e faz os funcionários do local como reféns, exigindo o retorno do Xá, para que ele pudesse ser julgado. Argo conta a história da operação criada para resgatar seis funcionários da embaixada que conseguiram escapar e se refugiarem na embaixada do Canadá.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso só recomendo que continue a ler quem já assistiu a Argo): Eis um filme que cuida dos detalhes. Desde o primeiro minuto, ao contar a história de uma nação convulsionada e que pede por mudanças através de storyboards, até o final, com o clássico “retorno para casa”, Argo está atento a manter uma unidade narrativa que destaca espionagem, política e Hollywood.
O roteiro de Chris Terrio, baseado na reportagem Escape from Tehran, de Joshuah Bearman, é inteligente ao explorar os bastidores de duas fontes de fascínio mundo afora: CIA e Hollywood. E o mais interessante de tudo é que esta história foi baseada em fatos reais. O roteiro ganha pontos quando, logo no início, coloca frases sem papas na língua de figuras como Hamilton Jordan (interpretado por Kyle Chandler), o Chefe de Gabinete do Presidente Jimmy Carter.
Quando sabe que seis estadunidenses que estavam na embaixada invadida no Teerã conseguiram escapar e foram para a residência do embaixador canadense Ken Taylor (Victor Garber), ele solta a pérola de que não pode ser chamada de “inteligência” a função dos agentes da CIA que não anteciparam a invasão da embaixada dos EUA. Em seguida, quando uma das pessoas de sua equipe sugere que o Xá seja despachado, ele diz que isso não vai acontecer, porque ele está quase morto, com câncer, e é um aliado dos EUA – que protegem os seus aliados.
Uma vantagem deste filme é que ele não tem meias palavras. Especialmente interessante a parte inicial de Argo, quando o governo dos EUA demora para agir, e quando, 69 dias depois da embaixada no Teerã ter sido invadida, especialistas da CIA e de outras áreas discutem soluções absurdas para o problema – como a de entregar bicicletas para os refugiados na casa do embaixador canadense para que eles consigam fugir, em uma época em que nevava pelo caminho.
Depois desta rápida e um tanto cínica imersão no ambiente “inteligente” da espionagem dos EUA, o filme acompanha o protagonista Tony Mendez (Ben Affleck) em seu esforço para concretizar uma ideia maluca que ele próprio sugeriu: montar um projeto de filme de ficção científica que justificaria uma equipe de norte-americanos “visitando” o Teerã em uma fase conturbada do país. Acompanhamos ele nos bastidores de Hollywood, onde ele vai pedir ajuda para John Chambers (John Goodman), um premiado maquiador que trabalhou por muito tempo no cinema e na televisão.
A ironia desta parte também é ótima. Quando Chambers afirma que um novato como Mendez pode chegar em Hollywood bancando o bom, mesmo sem ter feito nada, porque isso é normal, temos uma palhinha da ironia que vai acompanhar o filme até o final. Tão ou mais difícil que fazer o resgate dar certo, segundo Chambers, é encontrar um produtor respeitável que pudesse embarcar nesta ideia de graça. 🙂 E aí que Lester Siegel (interpretado por Alan Arkin) entra na história. Este sim, um personagem que não tem paralelo, exato, na vida real. Nesta entrevista, Arkin explica que o Siegel de Argo foi baseado na junção de umas três pessoas, mas que ele não seria o Siegel Lester que existiu e que teve certo envolvimento com espionagem na Segunda Guerra Mundial.
Fora a ironia dos dois mergulhos nos bastidores da CIA e de Hollywood, Argo consegue um bom ritmo para mostrar como foi o resgate daqueles seis refugiados da embaixada na casa do representante do governo canadense após 69 dias de letargia do governo dos EUA. A narrativa sempre faz o movimento de vai e volta entre o que acontece em Teerã e nos EUA. Até que as duas frentes se juntam com a chegada de Mendez no Irã. Todo o teatro ao redor de Argo, o interesse e repúdio incontidos dos iranianos com o cinema dos EUA e tudo que ele representava, e a resistência compreensível do grupo que espera ser resgatado a encenar a farsa.
Havia muito em risco. Não apenas a vida daquelas pessoas, mas a descoberta de um plano de resgate que poderia virar motivo de gozação mundial. Não por acaso demorou tanto tempo para que esta operação da CIA viesse à tona. Mas a história é fascinante. E bem contada, especialmente pelo roteiro. Affleck também se sai bem, especialmente na direção. Para o bem de seu filme, ele fez uma interpretação condizente, sem rompantes. Assim como os outros atores. Todos estão muito bem, mas ninguém se destaca, em especial.
NOTA: 9,3.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: O resgate de época é impressionante. Não apenas pela inserção precisa de imagens de TV e pela reconstituição de cenas, mas pelo figurino e pela escolha dos tons da direção de fotografia. Tudo ajuda o espectador a reviver aqueles dias no final de 1979 e no início dos anos 1980.
Merecem aplausos, por isto, o trabalho do diretor de fotografia Rodrigo Prieto, o design de produção de Sharon Seymour, os figurinos de Jacqueline West, a decoração de set de Jan Pascale e a direção de arte de Peter Borck e Deniz Göktürk. Muito importante, para esta produção, também a edição de William Goldenberg.
Além dos atores já citados, vale citar o trabalho de Bryan Cranston como Jack O’Donnell, chefe de Mendez na CIA. Adoro o Bryan Cranston por causa de Breaking Bad. Bom vê-lo mais vezes no cinema, como aqui. Entre os resgatados, estão os personagens vividos pelos atores Clea DuVall (que interpreta Cora Lijek), Scoot McNairy como Joe Stafford, Rory Cochrane como Lee Schatz, Christopher Denham como Mark Lijek, Kerry Bishé como Kathy Stafford e Tate Donovan como Bob Anders. Além deles, há ótimos atores que fazem pontas, como Chris Messina, Zelijko Ivanek e Titus Welliver, todos envolvidos com a operação de resgate nos bastidores.
De todos os atores citados, sem dúvida alguma os que ganham maior evidência pelo desempenho são Affleck, Alan Arkin e John Goodman. Especialmente os últimos dois, que roubam a cena quando aparecem e ganham evidência mesmo com tantos personagens aparecendo em cena.
Ben Affleck acreditou tanto neste projeto que ajudou a produzí-lo. Ao lado dele, na produção, o também ator e diretor George Clooney e o ator, diretor, produtor e roteirista Grant Heslov.
A trilha sonora neste filme tem menos impacto do que em outras produções porque o som ambiente e o de gravações (sejam elas históricas ou reproduzindo cenas da época) predominam. Mas nunca é demais citar o autor do trabalho, o excelente Alexandre Desplat.
Argo estrou no Festival de Telluride em agosto. Depois, o filme passou por outros 10 festivais. Em seu trajeto, até o momento, ele conquistou 12 prêmios e foi nomeado a outros 27, incluindo cinco indicações ao Globo de Ouro. O que apenas nos indica que o filme será bem cotado no Oscar 2013.
Entre os prêmios que recebeu, o de melhor filme no AFI Awards e três premiações do National Board of Review. No Globo de Ouro ele está concorrendo como Melhor Diretor para Ben Affleck, Melhor Filme – Drama, Melhor Trilha Sonora, Melhor Ator Coadjuvante para Alan Arkin e Melhor Roteiro.
Argo teria custado aproximadamente US$ 44,5 milhões. E tem lucrado bem. Apenas nos Estados Unidos o filme já passou a fronteira do US$ 103,1 milhões até o dia 9 de dezembro.
Além de bem avaliado pelas premiações e pelo público, Argo está indo bem de crítica. Os usuários do site IMDb deram a nota 8,2 para a produção. E os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 231 críticas positivas e apenas 11 negativas para a produção, o que lhe garante uma aprovação importante de 95% e uma nota 8,4.
CONCLUSÃO: Argo é surpreendente. Nem tanto porque está cheio de reviravoltas no enredo. Mas porque ele revela uma história que era secreta, até não muito tempo atrás. E também porque nos faz refletir sobre política, conflitos, espionagem e o cinema. Elementos que tornam qualquer produção fascinante. Além de ter uma história que funciona bem, Argo tem uma reconstituição de época muito precisa, e um ritmo bem equilibrado entre o drama dos personagens principais e os bastidores da CIA e do cinema de Hollywood. O filme não se aprofunda em nada, deixando um “gostinho” de quero mais no espectador. Um trunfo do roteiro, assim como da direção de Ben Affleck. Vale a imersão. E pensar em como nunca sabemos, no final das contas, separar muito bem o que é ficção e o que é realidade. Talvez porque ambas estejam muito contaminadas uma com a outra.
PALPITE PARA O OSCAR 2013: Esta semana saiu a lista do Globo de Ouro. A crítica deste filme eu comecei a escrever antes dele ser indicado para o Globo de Ouro mas, pelo estilo da produção, já estava colocando ele na tag Oscar 2013. Porque me parece evidente que ele estará entre os indicados. Resta saber em que categorias e quais as chances dele ganhar, realmente, alguma das estatuetas douradas.
Ben Affleck é um cara que, a exemplo de George Clooney, é bem visto pela indústria hollywoodiana. Primeiro, pelo resultado que estes nomes trazem nas bilheterias. Depois, por suas visões múltiplas como artistas – eles não são apenas ótimos atores, mas também gostam de investir em diversificação e atuarem como diretores e produtores. Sendo assim, acho sim que Argo vai chegar bem no Oscar. Affleck tem moral.
Acredito que o filme deverá repetir no Oscar quase todas ou mesmo todas as indicações recebidas no Globo de Ouro. Talvez a trilha sonora de Desplat pode ficar de fora. Mas Argo deve figurar como Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e, possivelmente, Melhor Ator Coadjuvante. Se a Academia for muito querida com Affleck, até poderá indicá-lo como Melhor Ator. Agora, o filme pode ganhar o que? Ainda preciso assistir às outras produções que estão bem cotadas, mas acho difícil ele ganhar algo. Talvez Roteiro. Mas seria só isso.
2 respostas em “Argo”
[…] tem se saído bem na opinião da crítica. Mas não tão bem quanto Argo, por exemplo (comentado aqui no blog), que também está na disputa pelo Oscar. Os usuários do site IMDb deram a nota 8 para […]
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Eu acho que é a melhor produção de Ben Affleck, vale a pena ver Argo é um filme contou com inteligência, bom ritmo e um elenco muito atraente.
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