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Little Men – Melhores Amigos


A diferença marcante entre a vida de quando somos crianças e aquela que temos que assumir na fase adulta. Little Men fala de meninos e de homens, mas poderia, perfeitamente, estar falando de meninas e de mulheres. Claro que há diferenças entre os “papéis” que a sociedade ainda espera que cada um de nós desempenhemos – homens e mulheres -, mas, no geral, as questões apontadas por este filme valem para ambos. Quando a responsabilidade e a noção de sobrevivência entram em jogo, muito do que a gente defendia quando criança pode desaparecer de cena. Infelizmente.

A HISTÓRIA: Em uma sala de aula em que todos estão brincando e jogando papéis, Jake Jardine (Theo Taplitz) é um dos poucos que está sentado e comportado. Ele está fazendo algo que ama: desenhar. Logo aparece em cena o professor Mr. Plummer (John Procaccino) da turma, que perde ordem e que critica o desenho de Jake. Ao sair do colégio, Jake é recepcionado pela empregada da família, Pilar (Ching Valdes-Aran), que recebe um abraço do garoto. Eles vão para casa, e é lá que Jake atende a um telefonema estranho, de alguém que diz ser amigo do avô do garoto. Com esta ligação Jake fica sabendo que o avô morreu, e este fato vai mudar bastante a vida dele e da família.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Little Men): Este é um filme singelo e muito interessante. Justamente por não ter um excesso de texto e por não ter nenhuma grande “surpresa”, Little Men dá o espaço necessário para o espectador refletir sobre o que está assistindo e, talvez, sobre a própria vida enquanto acompanha a história apresentada pelo diretor Ira Sachs – o roteiro é dele e de Mauricio Zacharias.

Certamente muita gente vai se sentir representada nesta produção. Afinal, Little Men trata sobre a “estranheza” da adolescência/pré-adolescência, quando não faltam críticas para os jovens que estão em fase de crescimento e de autodescoberta. De forma inteligente esta produção nos apresenta um garoto mais “deslocado” das pessoas de sua idade e outro que, aparentemente, é mais popular.

E os dois acabam se aproximando e se tornando os “melhores amigos” que vemos no título para o mercado brasileiro – título bem ruim, diga-se, porque este filme trata de um tema muito mais amplo e complexo do que a amizade entre os dois garotos. Aos poucos vamos percebendo que esta é uma produção que discorre sobre como a vida vai cobrando um preço das pessoas conforme ela avança.

A exemplo do filho, Brian Jardine (Greg Kinnear) também era um garoto um tanto “isolado” quando jovem. Conforme a história vai se desenvolvendo e a tensão entre a família Jardine e a inquilina do avô de Jake, a empreendedora Leonor Calvelli (Paulina García) vai aumentando, a amiga do pai de Brian faz questão de ir soltando para ele pequenos dardos de veneno sobre como o pai do ator desaprovava as escolhas do filho.

Desta forma, muito sutil, Ira Sachs vai tratando temas que são bastante comuns nas nossas sociedades modernas. Entre outras questões, ele trata sobre os conflitos familiares, sobre as cobranças sociais dos “papéis” que homem e mulher devem desenvolver dentro de uma casa, sobre amadurecer e deixar crenças e amizades no passado. Porque não gostamos muito de pensar nisso, mas a verdade é que a vida nos faz perder várias pessoas de quem gostávamos muito pelo caminho.

Little Men também tem uma constatação que vamos demorar muito para perceber na nossa vida prática: amizades e boas relações terminam quando o dinheiro (ou a falta dele) entra em cena. E isso não quer dizer que as pessoas são mesquinhas ou “movidas à dinheiro”. Como Little Men bem apresenta, muitas vezes tudo se resume apenas à necessidade e a mais pura sobrevivência. Verdade que às vezes temos outros caminhos, possivelmente mais duros, para escolher. Mas algumas vezes eles não existem.

Especificamente sobre a história contada nesta produção, acho que existe uma reflexão interessante a ser feita sobre um personagem ausente e ao mesmo tempo bem presente na história, o avô de Jake. Ele tinha batalhado muito na vida – pelo que os filhos dele comentam – e tinha, após ter adquirido uma propriedade, a liberdade de cobrar um aluguel muito mais baixo do que o mercado praticava para uma querida amiga – Leonor. Quando ele morre, contudo, a vontade dele é deixada de lado pelo “pragmatismo” de seus filhos, Brian e Audrey (Talia Balsam).

Como Brian mesmo explica para Leonor, tanto ele quanto Audrey tem as suas próprias famílias para sustentar e/ou zelar. O pai dele vivia uma outra condição, mais confortável, digamos assim. Mas aí reside uma questão que acho interessante nesta produção – e na vida real. Não podemos julgar Brian e Audrey, afinal, o argumento deles é válido. Mas será que eles não poderiam também procurar a independência que o pai deles tinha sem levar em conta na equação a herança que ele deixou?

Em outras palavras, se eles encarassem a vida deles como independente do que o pai poderia deixar ou não, eles teriam que se virar sem ter que penalizar Leonor e abrir mão do último desejo do amigo dela. Como o dinheiro acabou falando mais alto, Brian e Audrey abriram mão do último desejo do pai deles e, de quebra, abalaram definitivamente a amizade que Jake tinha com Antônio/Tony (Michael Barbieri).

Desta forma, Little Men reflete sobre os nossos tempos, quando o mais “normal” é “cada um por si”. Não existe mais o apreço pela generosidade e pela preservação de alguns valores importantes, como a palavra que foi dada e/ou a vontade de alguém que morreu. Ora, se o desejo do pai de Brian e Audrey era que a amiga dele, Leonor, ficasse na loja pagando menos que o mercado, mas o quanto ela podia, isso deveria valer algo, ou não? Não julgo Brian e Audrey, mas eles tem filhos e famílias por escolha própria, ninguém lhes obrigou a isso. Então eles não deveriam ser capazes de pagarem as suas próprias contas?

Faço estes comentários porque acho que às vezes buscamos a saída mais “fácil” para os nossos problemas. No caso de Brian e Audrey, claro que o mais fácil era despejar Leonor e cobrar três a quatro vezes mais de aluguel do próximo inquilino. Com isso, cada um teria um dinheiro extra no final do mês. Claro que também Leonor deveria se adequar ao mercado e, se não pode ficar no bairro em que estava, ir para um local mais adequado e/ou mudar a produção que ela tinha.

Tudo isso é verdade, mas sempre é possível se perguntar se não existiria uma saída melhor e mais humana para todos. A grande questão é que sempre temos escolhas na vida. Mas independente delas, Little Men explora muito bem o grande abismo que separa as nossas aspirações e a nossa rotina de quando somos jovens e ainda dependentes dos nossos pais e a realidade de quando temos que lidar com todas as contas e cobranças de uma vida adulta. A diferença é colossal, realmente, e o filme explora muito bem esta questão. A vida real é complicada, e ponto final.

Um filme que conta uma história graciosa, sobre família, amizade e a busca do desenvolvimento dos nossos talentos – esta última questão representada pela busca de Jake pelo desenho e de Tony pela atuação – e que, ainda por cima, nos faz pensar sobre os padrões da sociedade e as escolhas que fazemos, sem dúvida alguma, está bem acima da média. Destaco, em especial, a forma linear e de desenvolvimento “realista” da produção, com um roteiro bastante coerente e que atrai pela franqueza.

NOTA: 9.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Um dos destaques desta produção é o talento do elenco escolhido à dedo pelos realizadores. Todos estão muito bem, mas gostei, em especial, do trabalho dos jovens Theo Taplitz e Michael Barbieri. Os dois fazem um trabalho maravilhoso, bastante coerente com os seus respectivos personagens, e de bastante profundidade. Eles brilham na produção. Pouco a pouco, outros atores também vão ganhando destaque, como Greg Kinnear, Paulina García e Jennifer Ehle (que interpreta Kathy, mãe de Jake). Todos estão muito bem.

O diretor Ira Sachs trabalha muito bem ao valorizar a interpretação dos atores – as relações entre eles é parte fundamental desta produção – e ao buscar uma câmera que está presente, em muitos momentos, enquanto em outros ela está um tanto “ausente” (especialmente nas sequências que envolvem mais adolescentes, como nas escolas dos dois protagonistas). Nestes momentos de “câmera mais ausente” o diretor tenta capturar as interações verdadeiras entre os jovens, o que ajuda no tom “realista” da produção.

A personagem de Leonor é especialmente interessante. Ela sabe jogar muito bem com as pessoas em cena. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Com inteligência, ela sabe tratar especialmente com Brian, tentando pegar nos “pontos fracos” do ator que não era respeitado pelo próprio pai. Há uma cena, em especial, intrigante nesta produção. Quando ela mostra diversas fotos dela com o pai de Brian. Nós não vemos as imagens, algo feito de forma proposital por Ira Sachs. Assim, fica apenas sugerido um possível “caso” e/ou romance entre Leonor e o pai de Brian. Da minha parte, acho sim que havia algo além de uma “bela amizade” entre os dois. O que torna o despejo dela ainda mais delicado.

Além dos atores já citados, vale comentar a super ponta de Alfred Molina como Hernan, amigo de Leonor e advogado dela; e Mauricio Bustamante dando um show como o professor de interpretação da classe de Tony e Jake. Da parte técnica do filme, destaque para a direção de fotografia de Óscar Durán; para a edição de Mollie Goldstein e Affonso Gonçalves; para o design de produção de Alexandra Schaller; para a direção de arte de Ramsey Scott; para a decoração de set detalhista de Emily Deason; para os figurinos coerentes de Eden Miller; e para a trilha sonora pontual de Dickon Hinchliffe.

O diretor americano Ira Sachs, que tem 52 anos e é natural da cidade de Menphis, tem 10 títulos no currículo como diretor antes de Little Men. Ele estreou em 1992 com Vaudeville, fez dois curtas (sendo um deles de documentário) e um segmento do filme Underground Zero antes de rodar Little Men. Nesta trajetória ele acumulou sete prêmios e foi indicado a outros 22. Parece um diretor humanista, que trata de temas de relevância tanto para as esferas social quanto pessoal. Não assisti a mais nenhum filme dele além deste que comentei acima.

Little Men teria custado US$ 2 milhões e faturado, apenas nos Estados Unidos, pouco mais de US$ 702,5 mil. Ou seja, é um filme independente, com orçamento enxuto e com bilheteria magra até o momento. Tem agradado ao público e, especialmente, à crítica, mas ainda sem efeito positivo nas bilheterias. Realmente é uma produção mais de “nicho”.

Este filme foi totalmente rodado em Nova York, em locais como o Sunset Park, a Graham Avenue, o Bay Ridge e o Brooklyn Museum.

Agora, aquelas curiosidades tradicionais sobre cada filme. O ator Michael Barbieri foi aceito na Escola Superior de Música e Arte Fiorello H. LaGuardia depois que as filmagens de Little Men terminaram.

O jovem ator Theo Taplitz participa de curtas desde que estudava na quarta série. Ele recebeu destaque em diversos festivais de cinema que destacam o trabalho de jovens nos Estados Unidos desde então.

Mauricio Bustamante foi o professor de teatro de Michael Barbieri no tradicionalíssimo Lee Strasberg Theatre and Film Institute.

Little Men recebeu um prêmio e foi indicado a outros treze. O único prêmio que recebeu, até o momento, foi o Grande Prêmio Especial para Ira Sachs no Festival de Cinema de Deauville.

Esta é uma coprodução da Grécia, do Brasil e dos Estados Unidos. O capital brasileiro entrou na jogada por causa do roteirista brasileiro Mauricio Zacharias e dos produtores executivos Lourenço Sant’Anna e Rodrigo Teixeira. A lista de produtores, aliás, é bastante grande. Como estão no pacote Brasil e Estados Unidos, este filme entra na lista daqueles que atende a votações feitas aqui no blog há algum tempo.

Os usuários do site IMDb deram a nota 6,8 para esta produção, enquanto que os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 119 críticas positivas e apenas três negativas para a produção, o que lhe garante uma aprovação de 98% e uma nota média 8. Especialmente a ótima avaliação da crítica chama a atenção. Bacana.

CONCLUSÃO: No cômputo geral, Little Men é um filme simples. Ele conta a história sobre a amizade marcante entre dois garotos e como esta amizade é ameaçada pelo conflito de adultos. Apesar desta ser a premissa básica da produção, ela ganha o espectador ao nos fazer refletir sobre questões mais profundas, como nossos valores e sonhos e como vamos mudando eles (ou os perdendo) pelo meio de muitos caminhos. A vida de adulto é muito mais complicada do que gostaríamos, e para muitos isso cobra diversos preços. Este é um filme singelo e interessante sobre o assunto. Recomendo.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

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