O que é ser ou ter um pai? O que é ter uma família? Perguntas que parecem simples, mas que, na prática, nem sempre o são. An Cailín Ciúin (The Quiet Girl, na versão para o mercado internacional) nos faz refletir sobre estas questões, assim como nos faz pensar sobre como uma família desestruturada pode ter impactos profundos no desenvolvimento de uma pessoa. E como uma realidade diferente pode significar exatamente o oposto. Filme simples, mas muito bem conduzido e com algumas interpretações marcantes – principalmente da protagonista.
A HISTÓRIA
Vemos um campo e, nos fundos, um morro com algumas árvore. Alguém chama Cáit (Catherine Clinch). A voz está um pouco distante. Estão procurando a garota. A câmera desliza para baixo e vemos um corpo no chão. Alguém comenta que a mãe está procurando por ela. Aos poucos, a garota se mexe. Depois, vemos ela levantando. Ela caminha, sem pressa. A mãe, Máthair Cháit (Kate Nic Chonaonaigh) pergunta se as filhas encontraram a irmã. Alguém responde que não. Cáit chega em casa e fica parada na frente do colchão, que tem uma mancha. Ela ouve um barulho e se esconde embaixo da cama. A mãe diz que ela tem lama nos sapatos. Em breve, Cáit vai mudar de casa e aprender novas palavras.
VOLTANDO À CRÍTICA
(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a An Cailín Ciúin): A primeira questão que salta aos olhos nesta produção é a beleza da história, as escolhas do diretor e o ritmo mais lento e contemplativo da narrativa. An Cailín Ciúin é um filme com forte DNA europeu – levando em conta toda a diversidade do rico cinema daquele continente.
A forma de contar a história é diferenciada, com um viés artístico, mais lento e contemplativo, como comentei antes, especialmente quando comparamos com o “cinemão” de Hollywood. Isso geralmente é positivo – ao menos, a meu ver, de quem admira, gosta e respeita outras formas de narrativa que não aquelas “feijão com arroz” e já bem batidas do cinemão norte-americano.
Então a questão visual é o primeiro ponto que chama a atenção em An Cailín Ciúin. O segundo elemento que revela-se importante é a trilha sonora, muito sensível e que vira quase um outro personagem no filme. Depois, chama a atenção as interpretações dos atores e atrizes que dão vida para esta história. Falarei mais detalhadamente sobre eles depois.
Vamos falar sobre a história propriamente dita. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Logo desde o primeiro minuto desta produção, para mim ficou ressaltado aos olhos um certo tom de “estranheza” em cena. Não sei vocês, mas para mim pareceu muito esquisita aquela sequência inicial. A forma como Cáit está deitada no campo, pareceu que ela estava morta… por alguns segundos, fiquei pensando se, de fato, teria levantado de lá a garota ou seu espírito…
Essa sensação de estranheza segue por algum tempo. Em alguns momentos, quando a protagonista caminha, a minha sensação é que algo estava fora da ordem, como se a menina estivesse com algum problema de proporcionalidade. Em algumas cenas, parece que ela é menor do que deveria, ou até que a imagem está um pouco distorcida. Não sei se essa impressão foi apenas minha, mas tive essa leitura na parte inicial da produção.
Pois bem, a sensação de estranheza dura por um bom tempo na história. Não sei vocês, mas eu fiquei por boa parte do filme esperando que algo de ruim acontecesse. Não apenas algumas interações de Cáit com o pai, mas também duas frases ditas por Eibhlín Cinnsealach (Carrie Crowley, simplesmente maravilhosa a cada cena), pareciam sugerir que algo de ruim estava para acontecer ou que já tinha acontecido e que em algum momento saberíamos a respeito.
O clima tenso que parecia surgir cada vez que o pai da protagonista, Athair Cháit (Michael Patric), entrava em cena, assim como algumas trocas de olhares entre ele e Cáit e aquela frase infeliz dele para a mulher que ele dá carona, dizendo que a filha era “a bonita” da casa, trouxe uma desconfiança. Depois, quando na casa de Eibhlín, Cáit pergunta se a ida delas ao poço seria um segredo, e Eibhlín diz que naquela casa não deve haver segredo algum, porque uma casa com segredos é um lugar com vergonha, e que eles não querem vergonha ali, a desconfiança só aumentou.
Afinal, sobre que segredo Cáit estaria se referindo? Esta é uma questão que o filme não responde, ao menos não com todas as letras, então fica em aberto – ou talvez sugerido – o que o tal segredo queria dizer. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Francamente, o meu primeiro pensamento foi que Athair poderia ser um abusador. Isso não apenas pela forma “travada” como Cáit e as irmãs se comportavam, especialmente quando o pai delas aparecia, mas pelo comentário cretino – ou, no mínimo, estranho – dele de que Cáit era a filha bonita. Me pareceu muito, muito estranho.
Então, sim, não acho absurda a desconfiança nesta direção. Mas a maior desconfiança parece ser o fato de Athair ser um galinha. Ou seja, um cara que tem uma ou mais amantes fora de casa. A mulher para quem ele dá carona, claramente, é uma de suas amantes – ou “a amante”, no singular. Talvez esse seja o segredo que Cáit deve guardar. Entre outros envolvendo a jogatina do pai e as dívidas da família. Com o desenrolar da história, essas desconfianças e pensamentos vão se resolvendo.
Enquanto isso, outra desconfiança surge. É muito estranho aquele gesto de Eibhlín na primeira noite de Cáit na casa dela e do marido. Por que ela comenta que, se Cáit fosse filha dela, ela não deixaria a menina dormir na casa de estranhos? Apesar de parecer super amorosa e muito simpática, algo estaria sendo escondido pelo casal? Algo que colocaria Cáit em risco?
Claramente Seán Cinnsealach (Andrew Bennett, também ótimo em seu papel) não está confortável ou mesmo feliz com a presença de Cáit em casa. Ele parece aquele típico homem que tem que “aguentar” a familiar da esposa. Inicialmente, dá a impressão que ele não gosta de crianças. Ou que está apenas muito incomodado de ter a rotina modificada por uma garota.
Conforme a história se desenvolve, verificamos como Seán vai reduzindo a resistência, vai baixando a guarda e começa a interagir mais com Cáit. No final, ele está mais aberto e suscetível à ela do que a esposa – ou eles conseguem empatar no quesito atenção e ternura. Mas então por que aquela frase de Eibhlín na primeira noite e algumas sequências em que parecia que algo de estranho estava rondando aquele casal?
É uma vizinha fofoqueira que tira essas dúvidas. Antes, a observação de Cáit sobre os papéis de parede do quarto no qual ela estava dormindo já dão alguns sinais importantes sobre a razão daquela estranheza inicial. O casal tinha sim questões mal resolvidas para administrar. Mas tudo superado com maestria pela presença da encantadora Cáit. O mistério é desvendado, e não há nada de errado com a questão que foi escondida – afinal, o luto é vivido de forma diferenciada por cada um.
Mas o importante mesmo desta história não são esses momentos de estranheza, de certo suspense e de expectativa. O mais bacana de An Cailín Ciúin é acompanharmos a protagonista de perto em todas as suas descobertas. E o que ela descobre de mais importante? Que não existe uma única maneira de viver a vida e de ser família.
Por isso as questões que eu levantei no início deste conteúdo. O que é ser e ter um pai? O que é ter uma família? Francamente, essas questões podem significar tudo. São definidoras ou, se não tanto, guardam um peso importante na vida de qualquer pessoa. Ter ou não um bom pai. Ser ou não ser um bom pai. Ter ou não ter uma boa família. Fazer parte ou não de uma boa família. Isso pode ser determinante para uma pessoa. Ou, se não for determinante, ao menos vai exigir muito esforço para deixar de ser – como muitos anos de terapia ou outro tipo de investimento.
An Cailín Ciúin é sobre isso. Sobre quanto uma família e, em específico nesta história, um pai, são relevantes para a história de uma menina. Mas o filme também trata de outra questão: sobre o pré-julgamento que a sociedade – ou uma comunidade – fazem sobre o que significa ser uma boa família ou duas pessoas serem bons pais.
Porque, depois de assistirmos ao filme, fica evidente uma certa leitura “externa”, dos personagens que fazem parte de An Cailín Ciúin, sobre quem seriam bons pais e uma família “tradicional”. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Quando a vizinha/conhecida do casal, Úna (Joan Sheehy) se oferece para levar Cáit para casa enquanto Eibhlín e Seán seguem no funeral de um amigo, fica evidente o lado mais podre – e comum – das pessoas em geral (em sua maioria, ao menos), que é a de “meter-se” na vida alheia, querendo saber os mais mínimos e ridículos detalhes, apenas para julgar o próximo.
A forma como Úna se refere ao casal que está cuidando de Cáit deixa clara também a leitura que ela – e que Athair, pai de Cáit – faz dos dois: de que eles não foram bons pais. Se assim o fossem, não teriam perdido o próprio filho em um acidente. Eles “falharam” em proteger o filho e Seán não foi nem capaz de matar o cachorro que teria auxiliado no acidente, segundo a ótica da vizinha enxerida – ou maldosa, apenas?
Pior que esta ideia e leitura cruel dos fatos é compartilhada pela maioria – ou por muita gente. Acidentes acontecem, e isso não tem nada a ver com pais amorosos ou atenciosos. Ter muitos filhos também não quer dizer que um casal forma uma família melhor. Vide os pais de Cáit. Máthair Cháit (Kate Nic Chonaonaigh), mãe de Cáit, está grávida do sexto filho quando manda a filha para ser cuidada por seus familiares.
A garota vive em uma casa em que a mãe tem que se desdobrar para fazer tudo enquanto o marido vive na rua. Ela não tem tempo para quase nada, muito menos para dar carinho e atenção para cada filha e filho individualmente. Mas para o tribunal social que olha para aquela família, eles devem ser modelo para muita gente, afinal, estão tendo filhos, cuidando para que o mundo não termine por falta de crianças – afinal, somos 8 bilhões de pessoas, mas precisamos seguir aumentando esse número até não restar mais espaço pra gente no planeta.
Enfim, é a velha história entre a visão que alguns tem de fora e o que realmente acontece na casa das pessoas. An Cailín Ciúin nos faz refletir sobre isso também – ou deveria fazer, ao menos. Que as pessoas deveriam julgar menos os outros sob seus próprios critérios e lógica, procurar conhecer sem tantos filtros – até porque alguns deles apenas distorcem a realidade – o que acontece antes de sair concluindo sobre realidades alheias ou colocando as pessoas e as famílias em algumas “caixas”.
A realidade é que a protagonista desta produção sai de uma casa um tanto disfuncional, na qual ela convive com quatro irmãos, uma mãe sempre na correria, um pai um bocado ausente, e com um novo irmão vindo por aí, e vai para uma outra casa em que vive apenas um casal, que tem muitos afazeres mas que inserem a protagonista na sua vida de forma completa. Cáit participa de tudo. Ajuda sim, mas aprende ao fazer e se envolve naquela realidade. Além disso, é cuidada, recebe afeto e atenção. Tanto que é incentivada a ler, algo que ela ainda tem dificuldade, cena que nunca vimos acontecer na sua casa original.
Faz toda a diferença quando a criança e o jovem recebem essa atenção, afeto, quando realmente se sentem parte da família. Muito diferente deles serem vistos como um “peso”, como alguém que apenas “dá despesa” – um pouco a visão que o pai da garota parece sugerir o tempo todo. Então, qual é a definição de família e de um bom pai e de uma boa mãe? Família deveria ser o lugar no qual a pessoa se sente segura, amada, incentivada. Um bom pai e uma boa mãe deveriam ser as pessoas a garantirem isso. Ser um bom pai, para começar, é não ser um sujeito autoritário, castrador, mesquinho, que vê nos filhos apenas um fardo, um peso para carregar.
O amor e o cuidado deveriam ser o princípio e a base de tudo. An Cailín Ciúin trata um pouco sobre isso. Por isso chega a doer quando as duas luzes, que se tornaram três, novamente tem que se separar. As perspectivas da garota, ficando no novo lar, seriam muito diferentes e melhores. Mas aquelas famílias, aquelas comunidades e possivelmente nossas sociedades não estão preparadas para discutir sobre isso.
An Cailín Ciúin trata sobre todas estas questões e sobre como uma garota “quieta” aprende a falar pouco, no início, para guardar segredos e, depois, para guardar o que realmente pensa e sente. Apesar disso, Cáit tem muito a dizer e a sentir, mas ela aprendeu a externalizar tudo isso quando for propício ou quando ela achar que deve. Assim, esta produção é também sobre amadurecimento, e sobre como percebemos melhor o que temos quando vemos tudo com certo distanciamento e conhecendo realidades diferentes para poder comparar. Algumas vezes, acredito, o que falta para as pessoas é justamente isso: perspectiva.
NOTA
8,7.
OBS DE PÉ DE PÁGINA
Então, minha gente, bóra acelerar essas análises de filmes pré-Oscar? A minha intenção é essa. Começar a acelerar a busca das produções que faltam para fecharmos a lista dos principais indicados e comentar sobre estes filmes por aqui. Espero conseguir esse intento. 😉
Um dos grandes méritos do filme, além da direção de Colm Bairéad, é o roteiro escrito por ele a partir do conto de Claire Keegan chamado “Foster”. Fiquei bem curiosa em saber sobre o texto original. Sei que ele foi publicado no formato livro, mas ele também foi publicado em 2010 pela The New Yorker. Quem quiser conhecer o conto que inspirou o filme, ele pode ser acessado através deste link. Lendo o conto, é possível perceber como Bairéad foi fiel ao original. Muito interessante.
Por falar em Bairéad, considero ele, assim como parte do elenco, sobre o qual vou comentar em seguida, o grande responsável pelo sucesso e pela beleza desse filme. O diretor tem um olhar diferenciado sobre a história, sempre próximo dos atores mas, ao mesmo tempo, com algumas escolhas interessantes do que focar, do que dar evidência em diversos momentos da história. Muitas vezes, a câmera acompanha o olhar da protagonista, fixando a nossa atenção em algum detalhe do cenário ou do que está acontecendo. Em outros momentos, ele tem um gosto específico pelo drama, por cenas dramáticas ou que parecem pinturas. Um olhar diferenciado do diretor que faz toda a diferença para a narrativa.
Vale lembrar também que Bairéad é o responsável pela adaptação do conto de Claire Keegan para o cinema. Ele faz um belo trabalho nesta adaptação, cuidando de ser bastante fiel ao texto da autora ao mesmo tempo que ele preenche as lacunas com alguns pontos interessantes. Sem dúvidas, o roteiro é um dos pontos de destaque da produção. Verdade que a história parece, inicialmente, bastante simples. Até demais. Mas quando observamos com um pouco mais de atenção e carinho, percebemos que ela não é simplória. O filme é carregado de significados.
O diretor Colm Bairéad tem 13 filmes no currículo, sendo três curtas e seis séries ou minisséries para a TV. A estreia dele na direção de longas ocorreu em 2012 com o documentário Lorg na gCos: Súil Siar ar Mise Éire. Depois, em 2016, ele dirigiu outro documentário, Frank O’Connor: Idir Dhá Shruth. Dois anos depois, ele dirigiu um filme para a televisão chamado Murdair Mhám Trasna. Até que, em 2022, o diretor estrou nos longas ficcionais com An Cailín Ciúin. Um nome que vale ser acompanhado. Podem vir frutos interessantes dele por aí.
Além do diretor de An Cailín Ciúin, sem dúvida alguma o elenco é o grande trunfo desta produção. Destaque para a encantadora e magnética Catherine Clinch como Cáit. Ela traz delicadeza, sensibilidade, fragilidade e, finalmente, força para a personagem central desta história. Uma interpretação marcante, sem dúvidas, e o ponto alto do filme.
Além dela, vale ressaltar o ótimo trabalho dos atores Carrie Crowley e Andrew Bennett, que vivem o casal Eibhlín e Seán, que acolhem Cáit em sua casa durante o verão. Eles fazem um trabalho profundo, com diversas camadas e que vai se desenvolvendo em um ritmo convincente e coerente, trazendo profundidade para a narrativa no contato de seus personagens com a protagonista. Tudo feito de forma muito natural, convincente, sem nenhuma forçada de barra. Para mim, esse trio é o que vale o filme.
Além deles, claro, temos o núcleo familiar original de Cáit. Eles aparecem bem menos e tem menos relevância para a história, mas especialmente os pais dela merecem ser citados. Michael Patric e Kate Nic Chonaonaigh interpretam o casal Athair e Máthair, chamados pela protagonista de Da e Mam, ou “pai” e “mãe”. Eles fazem o contrapeso preciso e necessário para o outro casal que aparece mais e brilha em cena.
Como este filme é intimista e bastante centrado na história da protagonista, Colm Bairéad acerta em deixar a história centrada em poucos personagens. No conto de Claire Keegan, a narradora é Cáit e vemos tudo sob sua ótica. O filme reproduz essa dinâmica e, a exemplo do conto, foca a atenção nos dois casais que são (foram) pais. Para além disso, Bairéad amplia o foco com algumas cenas envolvendo as irmãs da protagonista, assim como o ambiente escolar, mas nada muito determinante na história, apenas um complemento que ajuda a nos situar na realidade de Cáit.
Antes de falar sobre outros coadjuvantes do filme, que tem papéis ainda menores que os já citados, vale fazer uma reflexão. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). A exemplo do recém comentado Close (com crítica neste link), chama muito a atenção neste filme a falta de diálogo. Cáit é enviada para o casal de pessoas que ela não conhece sem grandes explicações. Ela ouve uma conversa entre os pais, que falam sobre enviar ela para lá, mas não vemos uma conversa com calma deles explicando para ela para onde ela vai, quem são as pessoas que vão recebê-la e por quanto tempo exatamente ela ficará lá – ou as razões de apenas ela ir. Impressiona como a falta de diálogo parece ser uma chaga em diversas partes…
Povo, vou publicar a crítica sobre este filme agora. Mas amanhã, prometo, vou complementar essa seção com mais informações e comentários, beleza? Até lá!
Voltei! Além dos atores citados, vale trazer os nomes do elenco que figuram na produção em papéis secundários. Citei, anteriormente, a atriz Joan Sheehy. Ela aparece em uma sequência como a vizinha/conhecida do casal Eibhlín e Seán e que representa o perfil mediano da comunidade. Curiosa, para dizer o mínimo, fofoqueira ou enxerida, para ser mais exata, ela aproveita a caminhada com Cáit para tentar tirar o máximo de informações da garota. Algo relativamente comum e que acho um bocado injusto, afinal, adultos conseguem se aproveitar da inocência de crianças para obterem informações e tirarem algum proveito disso. Algo nada ético, a meu ver, e uma boa deixa para as crianças perderem sua inocência e aprenderem a mentir ou desconversar para tentar proteger-se.
Além de Joan Sheehy, eu queria citar as três atrizes que interpretam as irmãs mais velhas de Cáit, mas eu não consegui confirmar o nome delas. Então vou apenas comentar que elas são três figuras que ganham dois episódios de certa relevância na história, na parte inicial e final de An Cailín Ciúin, quando Cáit está na casa dos pais.
Entre os aspectos técnicos da produção, além da direção e do roteiro de Colm Bairéad, vale destacar a direção de fotografia de Kate McCullough, um dos pontos fortes do filme. An Cailín Ciúin tem uma fotografia muito bonita, que valoriza os cenários rurais e os ambientes nos quais a protagonista passa e vivencia. Outro ponto de destaque do filme é a trilha sonora de Stephen Rennicks, bastante presente na história.
Para quem gosta de acompanhar e/ou conhecer os nomes envolvidos nos principais aspectos de um filme, vale registrar o trabalho de John Murphy na edição; Emma Lowney no design de produção; Neill Treacy na direção de arte; Dara Hand e Jackson Todd na decoração de set; e de Louise Stanton nos figurinos.
An Cailín Ciúin estreou em fevereiro de 2022 no Festival Internacional de Cinema de Berlim. Depois, até fevereiro de 2023, o filme participou de outros 23 festivais de cinema em diversos países, incluindo os festivais de Dublin, Sydney, Melbourne, Helsinki, Estocolmo e do Rio de Janeiro.
Em sua trajetória, An Cailín Ciúin conquistou 25 prêmios e foi indicado a outros 30 – incluindo a indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional. Entre os prêmios que o filme recebeu, até o momento, destaque para o Grand Prix of the Generation Kplus International Jury e para a Menção Especial no Children’s Jury conferidos pelo Festival Internacional de Cinema de Berlim; para o Audience Award e para o prêmio de Melhor Diretor do Discovery Award dados pelo Festival Internacional de Cinema de Dublin; para os sete prêmios conferidos pelo Prêmio de Cinema e Televisão Irlandês, incluindo os de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Atriz para Catherine Clinch; e para os prêmios de Melhor Filme pela escolha do público, Melhor Filme no Prêmio FIPRESCI e o Silver Spike na concorrência por Melhor Filme conferidos pelo Festival Internacional de Cinema de Valladolid.
Agora, vale citar duas curiosidades sobre esta produção. A história de An Cailín Ciúin está ambientada na Irlanda de 1981. Na parte inicial e final do filme, podemos ouvir o barulho de um cuco. Ele tem dois significados para esta história. Primeiro, ao aparecer no início do filme, ele sinaliza para o fato da história estar ambientada a partir de maio – isso porque existe uma rima irlandesa popular que afirma que “O cuco vem em abril/ ele canta sua música em maio”. Depois, o cuco faz referência ao pássaro que é conhecido por colocar seus ovos nos ninhos de outras aves para que seus filhotes sejam criados por outros pássaros. Claramente esta é uma referência à própria história narrada pelo filme.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,7 para esta produção. Uma boa nota, levando em conta a média do site. Os críticos que tem os seus textos linkados no site Rotten Tomatoes dedicaram 70 críticas positivas e duas negativas para a produção, o que garante para An Cailín Ciúin um nível de aprovação de 97% e a nota média de 8,8. Níveis bem altos de aprovação.
De acordo com o site Box Office Mojo, An Cailín Ciúin teria faturado cerca de US$ 1,5 milhão nos cinemas em que estreou pelo mundo. Não há informações sobre o resultado nas bilheterias dos Estados Unidos. O local onde o filme conseguiu a melhor bilheteria, até o momento, seria o Reino Unido, onde ele faturou US$ 733 mil.
An Cailín Ciúin é um filme com produção 100% da Irlanda. É raro encontrarmos um filme com produção totalmente irlandesa. Acredito que este seja o primeiro filme comentado aqui no blog com esse perfil. Os idiomas falados no filme são o gaélico irlandês e o inglês.
Entre diversas críticas interessantes sobre este filme, recomendo esta aqui de Robert Abele publicada pelo Los Angeles Times. Ele comenta sobre o desconforto vivenciado pela protagonista de An Cailín Ciúin, comenta sobre como ela se sente bem apenas sozinha, junto à Natureza, até que percebe que é possível ter uma outra realidade banhada em bondade. Interessante.
CONCLUSÃO
Um filme singelo, mas sensível, bonito e que faz refletir. An Cailín Ciúin não nos conta uma história surpreendente, não apresenta uma narrativa inovadora, mas dentro da sua simplicidade, o filme nos envolve, emociona e provoca reflexão. Aquilo que esperamos de um bom filme. Esta produção pode ser colocada neste patamar. An Cailín Ciúin não vai marcar sua vida, provavelmente não vai durar anos na sua memória, mas ele consegue ser relevante no horizonte a curto prazo. Um bom filme, mas nada muito além da média.
PALPITE PARA O OSCAR 2023
Então, minha gente, como comentei acima, An Cailín Ciúin foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional. A produção fez um longo caminho até chegar aos cinco finalistas ao prêmio. Mesmo vendo muitas qualidades nesta produção, sou franca em dizer que eu não acho que o filme deveria ter ficado entre os cinco melhores do ano.
Tenho muitos filmes da lista inicial, com 92 produções indicadas por seus países para disputar uma vaga na categoria Melhor Filme Internacional do Oscar, para assistir ainda. Mas dos 15 filmes que avançaram para a “lista curta” de produções que tinham tornado a disputa mais acirrada, lista esta divulgada no dia 21 de dezembro de 2022 pela Academia, posso dizer que An Cailín Ciúin não está entre os meus favoritos.
Quem acompanha o blog sabe que eu comentei, desta lista de 15 filmes, até o momento, as produções Close (com crítica neste link), Im Westen Nichts Neues (comentado por aqui, favoritíssimo deste ano), Holy Spider (com crítica neste link) e Argentina, 1985 (comentado por aqui). Três destes quatro estão entre os finalistas ao prêmio. O filme que ficou de fora da lista, Holy Spider, considero melhor que An Cailín Ciúin.
Assim sendo, nem preciso dizer, An Cailín Ciúin conseguiu marcar a história de seu país de origem – já que este é o primeiro filme indicado pela Irlanda a chegar na lista final de indicados ao Oscar. Mas isso será tudo. O filme tem zero chances de ganhar a estatueta dourada. Seja porque temos um grande favorito neste ano – o alemão Im Westen Nichts Neues -, seja porque, realmente, An Cailín Ciúin está alguns degraus abaixo dos concorrentes.
Uma resposta em “An Cailín Ciúin – The Quiet Girl”
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