Qual é a nossa relação com os animais? Eles são “úteis” apenas quando nos servem para algo ou eles têm importância por si mesmos? EO revela-se um filme diferenciado por contar uma história cheia de aventuras a partir da ótica de um burro. Sim, o protagonista deste filme é um animal pouco valorizado – ou o certo seria dizer que valorizado apenas enquanto apresenta alguma utilidade para quem o possui? Um filme curioso, especialmente por levantar alguns questionamentos sobre a perspectiva dos animais e a forma como nos relacionamos com eles.
A HISTÓRIA
Uma luz vermelha intermitente ilumina uma garota e um burro. EO está deitado no chão, enquanto Kasandra (Sandra Drzymalska), em pé, tenta fazer EO levantar. Ela chama pelo nome do animal, faz alguns movimentos, como se fossem massagens cardíacas, até que EO se levanta. Kasandra está usando um vestido vermelho, e EO veste uma saia da mesma cor. Kasandra cumprimenta o público que, de forma um tanto tímida, aplaude o espetáculo. Eles estão em um picadeiro, do Circo Orion, onde logo uma nova atração vai se apresentar.
VOLTANDO À CRÍTICA
(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes de EO, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu ao filme): Eis um filme interessante. Pela temática, pelo foco da narrativa e pela homenagem que ele faz para um estilo de filme que marcou a história do cinema há um século. Sim, estou falando sobre o expressionismo alemão, marcado por filmes como Nosferatu (1922), Das Cabinet des Dr. Caligari (1920) e Metropolis (1927, com crítica neste link).
Essa homenagem vemos em diversos momentos da produção, começando pela sequência inicial do filme. Vale citar dois sites em que o expressionismo alemão é explicado: sugiro, para quem quiser saber mais a respeito, este texto do site Cinema Em Foco e este outro conteúdo, mais básico, do site InfoEscola. Entre outras características “renovadas” e atualizadas do expressionismo alemão que podemos ver em EO, temos “a maneira exagerada na representação dos atores, mundo idílico”, o “duelo entre as trevas e a luz, representado pelo contraste e a fotografia recortada” e, em uma referência mais direta ao expressionismo das artes plásticas, “a utilização intensa de cores na representação dos sentimentos (amor, ódio, medo, raiva)”. No caso de EO, o vermelho para representar esses momentos de forte sentimento do protagonista.
Apenas essa escolha do diretor e roteirista Jerzy Skolimowski, que escreveu esta história juntamente com Ewa Piaskowska, de homenagear uma forma de expressão e uma parte da escola cinematográfica há tempos “esquecida”, já torna este filme diferenciado. Logo no início do filme, percebemos que teremos pela frente uma produção diferenciada.
De fato, não é todo dia – e dá para contar nos dedos, acredito – que vemos um filme que não seja de animação narrado a partir da perspectiva de um animal. EO conta a história de um burro que passa por diversas aventuras sempre a partir da perspectiva de pessoas que acham que sabem o que é melhor para ele. Infelizmente, não falamos a língua de EO para saber o que ele deseja expressar em cada momento, mas é evidente que ele não está feliz com as escolhas que são feitas para ele.
(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Para mim, a grande sacada de EO é nos fazer refletir sobre a “finalidade” que damos para os animais nas nossas sociedades. Geralmente, para a maioria das pessoas, os animais existem para servir ao homem, em uma visão retrógrada e que já deveria ter sido ultrapassada de que o Universo gira ao redor do nosso umbigo. Segundo essa visão, tudo foi criado para o bel-prazer humano, e os animais são seres irracionais e sem sentimentos que vivem apenas para nos servir.
Nem preciso falar o quanto esta visão e forma de pensar é absurda, não é mesmo? Nós que somos limitados por falar diversos idiomas e línguas entre nós e não conseguirmos nos comunicar de forma satisfatória com os diferentes animais e espécies que vivem neste planeta. A ciência, que ainda engatinha nestes estudos, já entendeu que animais, árvores, entre outros seres vivos sabem se comunicar, tem diferentes níveis de inteligência e sentimentos.
Pois bem, EO trata sobre estas questões. De forma muito inteligente, Skolimowski e Piaskowska escolhem como protagonista desta história um animal que historicamente é tratado como serviçal de humanos. É fácil vermos pessoas amando e até idolatrando animais de estimação – especialmente cães e gatos. Encontramos também várias pessoas apaixonadas por cavalos – e já abertas a entender que eles têm inteligência e sentimentos. Mas burros, porcos e afins são vistos apenas como animais que existem para trabalhar para nós ou servir de alimento.
O que EO nos apresenta é uma visão muito diferente daquele burro. EO tem sentimentos, inteligência e busca viver da melhor forma possível conforme as circunstâncias se apresentam – e as pessoas escolhem, em boa medida, para onde ele deve ir. De forma sutil, o roteiro desta produção questiona até os defensores dos animais, que acabam protestando e conseguindo tirar EO do circo para que, exatamente?
Primeiro, ele é levado para uma espécie de centro de recuperação de animais no qual ele não é o foco da atenção de quem trabalha lá. No fundo, ele acaba sendo utilizado, mais uma vez, como um animal de carga – desta vez, sem levar as chicotadas do dono do circo, mas igualmente sendo visto apenas como um animal útil para o trabalho. Enquanto isso, as estrelas do local são os cavalos.
Depois de criar um banzé no local, EO acaba sendo levado para o interior, em uma fazenda onde, finalmente, ele convive com iguais. Inicialmente, aquele parece ser um local bacana para o protagonista. Afinal, além de estar próximo de animais da mesma espécie, ele também parece ser bem tratado. Mas não demora muito para percebermos que ali também os animais são vistos como peças úteis para propósitos humanos.
EO e seus companheiros fazem parte de um projeto de apoio e de terapia para crianças e jovens com necessidades especiais. Bacana. Aparentemente, EO pode ser feliz ali – será mesmo? (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Enquanto vivia no circo, EO tinha uma relação de muito afeto com Kasandra. O sentimento genuíno, que surgiu em uma relação de proximidade e de companheirismo entre os dois, foi repentinamente interrompido com o “resgate” que fizeram de EO e de outros animais que viviam no circo.
Mas, segundo essa história nos apresenta, esse sentimento e as memórias do relacionamento entre EO e Kasandra não desapareceram como em um passe de mágica. Tudo segue lá, tanto para um, quanto para o outro. Tanto que Kasandra acha EO na fazenda e vai até lá fazer uma visita surpresa para ele. Mas Dude (Tomasz Organek) não tem paciência para aquela relação, aparentemente é contra “sentimentalismos” e logo coloca pilha para eles irem embora.
EO fica desesperado com o reencontro relâmpago e acaba fugindo. Aparentemente, a ideia dele é ir atrás de Kasandra. Mas dá tudo errado e, a partir daí, ele vive uma série de aventuras – mais do que pessoas que eu conheci e que nunca saíram de sua cidade (ou, ainda pior, nunca saíram da Ilha de Santa Catarina, ou seja, se orgulham de nunca ter pisado para além das pontes da cidade, nunca chegaram até o continente).
EO primeiro se perde, entra em uma mata densa, percebe-se sozinho e em risco, e começa a vaguear até chegar a uma cidade estranhamente deserta. Ele é capturado, não é cuidado, acaba interferindo em um jogo local e vira mascote da equipe vencedora. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Depois de ser festejado, EO é linchado. Ou seja, primeiro ele é tratado quase como um amuleto, depois, é visto como um animal que pode ser eliminado facilmente, com violência e truculência, por causa de uma partida de futebol – quem são os animais, afinal?
A parada seguinte de EO é um centro de reabilitação de animais machucados. Local bastante estranho, devo dizer, porque depois de recuperarem EO, ele vira, novamente, burro de carga, usado para transporte de outros animais. O local, aparentemente para reabilitação dos animais, acaba tendo parte dos bichos mortos – não sabemos bem ao certo para que. Depois de se cansar de tantos abusos e de interromper a matança de animais menores, EO é levado, junto com diversos cavalos, para uma fábrica de salame. Sério mesmo?
Achei inacreditável essa “saída” do roteiro. Até fui pesquisar a respeito. Segundo essa reportagem da revista Superinteressante, essa história de que carne de cavalo seria utilizada para fazer embutidos é lenda. Ainda que no Brasil a carne de cavalo não seja vendida, na Itália, segundo a matéria, ela pode ser encontrada em “açougues especiais”.
Outra reportagem, desta vez do G1, explica que existe o abate de equídeos no Brasil para consumo – e que essas carnes são exportadas, especialmente para Hong Kong, China e Rússia. Segundo a mesma reportagem, a carne de cavalo “é muito consumida por franceses, belgas, italianos e japoneses, na forma, por exemplo, de embutidos e misturada a carnes de porco e outros tipos”. Ou seja, por incrível que pareça, sim, aquele transporte aparentemente absurdo que vemos em EO poderia ser real.
No fim, EO acaba escapando do abate, e é levado para um italiano para uma nova viagem. Daí o filme entra em uma rápida história paralela que me pareceu muito retirada de contexto. Para mim, esta é a parte frágil da produção, quando EO entra em um capítulo à parte que não faz muito sentido. Me pareceu apenas uma desculpa para vermos a grande Isabelle Huppert em cena – interpretando A Condessa. Ou seja, dispensável.
Mais uma vez, EO se vê sozinho. Novamente, ele vagueia por paisagens desconhecidas até que ele cai em outra fazenda. Desta vez, um local que cria gado para abate. Assim, EO não está mais sozinho, mas ele é visto como mais um animal dispensável. E assim, termina essa história.
O que o filme nos traz, com toda essa narrativa? Uma boa reflexão sobre como tratamos os animais e como nossas sociedades encaram esses seres. Especialmente os que são vistos como “utilitários” – exemplo de burros, em especial, assim como cavalos, bois e vacas, entre outros. Infelizmente, uma parte considerável das pessoas foge do conhecimento científico como o Diabo foge da Cruz. Pena. Porque se acompanhassem os avanços das diferentes áreas que compõem o campo científico, saberiam que animais, não importa se vistos como “utilitários” ou não, tem sim inteligência, sentimentos, sabem se comunicar, tem memórias e muito mais.
Sabendo de tudo isso, deveríamos olhar para todas as vidas, e não apenas as humanas, com respeito, buscando entendê-las da melhor forma possível, procurando defender essas vidas ou, no caso dos animais serem abatidos para nossa alimentação, ao menos que a vida deles seja digna até o momento final. Não acredito que nossas sociedades estejam preparadas para eliminar a morte de animais para alimentação de forma massiva. Mas poderíamos ao menos cuidar para que estes animais sejam tratados com dignidade, respeito e, dentro do possível, que parte deles pudesse ter uma vida com ao menos certo nível de afeto.
EO coloca um burro como protagonista de um filme. Não imagino um outro filme fazendo o mesmo. Não deve ser nada fácil conseguir uma “interpretação” desejada de um bichinho tão fofo, que tem seu perfil valorizado pelas lentes do diretor, mas que, convenhamos, não foi forjado para decorar a dinâmica do roteiro de um filme. Mas Skolimowski consegue conduzir nosso herói a cada cena, nos apresentando um filme que é relativamente simples na história, mas complexo na dinâmica narrativa, especialmente por ter um animal como protagonista.
NOTA
8,4.
OBS DE PÉ DE PÁGINA
Em termos de história, não vou mentir, acho EO o filme mais “fraco” na disputa do Oscar de Melhor Filme Internacional neste ano. Gosto mais de outro tipo de roteiro e de história, mas devo admitir que o diretor e roteirista Jerzy Skolimowski consegue fazer mágica com esta produção, levando um animal que é pouco (ou nada) valorizado para a posição de estrela de um filme que levanta algumas questões interessantes. Além disso, EO aventura-se em uma forma de narrativa diferenciada, revisitando a linguagem do expressionismo alemão para nos relembrar que é possível fazer cinema de diferentes maneiras e não apenas a partir do convencional “feijão com arroz” que Hollywood costuma nos apresentar.
Sei que muita gente não vai curtir esse filme por diversas razões… muitas das quais eu já citei anteriormente. Sei que muitas pessoas curtem sim o “feijão com o arroz”, no melhor estilo “para que complicar?”. Filmes artísticos ou com uma pegada diferenciada, nem pensar. Sim, sei que nem todo “filme artístico” é bom. Não sou da turma que acha que todo filme com esta pegada é genial ou deve ser aplaudido. Mas considero que EO é um filme artístico acessível. Ele não complica demais a história, como outras produções do estilo que eu já vi. Não força nenhuma barra. Assim, fora aquela parte que eu já citei e que envolve a reta final da produção, que eu achei um tanto deslocada da narrativa, acho EO bem coerente e com uma pegada interessante.
Entre os aspectos técnicos desta produção, sem dúvida alguma o maior mérito do filme é a direção de Jerzy Skolimowski. O diretor, veterano, faz um trabalho incrível ao transformar um burro em protagonista da história. Só fico imaginando o trabalho de conseguir fazer o animal “interpretar” o personagem. Não deve ter sido nada fácil… com isso, não quero desmerecer o desempenho de EO. Não tem como não achar ele lindo e querer adotá-lo. Mas que foi uma trabalheira filmar com ele, só posso imaginar… Skolimowski nasceu em 1938 na cidade de Lódz, na Polônia, e tem 29 filmes no currículo como diretor.
Skolimowski estreou na direção com o curta Hamles, em 1960 – ou seja, ele está há seis décadas criando e lançando suas obras nos cinemas. Ele seguiu dirigindo curtas até que em 1965 dirigiu seu primeiro longa, Walkover. Skolimowski tem 40 prêmios no currículo. Entre seus filmes mais premiados, estão Essential Killing, de 2010, e 11 Minut, de 2015. Pesquisei sobre ele aqui no blog mas, parece, não vi outra produção do diretor além desta mais recente, EO.
O roteiro de EO tem diversos acertos, mas um e outro tropeço. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). O que mais me incomodou no filme foram algumas pontas soltas e/ou trechos sem muita explicação ou sentido. Vou citar dois. Primeiro, a cidade meio que deserta em que EO perambula antes de ser “captura” por dois bombeiros. No início, até achei que iriam aparecer pessoas com máscara e que estaríamos com a cidade deserta daquele jeito por causa da pandemia de Covid-19. Mas não. Aparentemente, uma das razões poderia ser o jogo entre os times amadores da cidade… mas nem havia tanta torcida ali para justificar aquele deserto no centro. Então, honestamente, é algo meio sem explicação. Mas isso não foi o tão grave na história porque ok, ainda tínhamos EO como protagonista e “cabeça” das ações. Agora, todo o trecho envolvendo o encontro de Vito (Lorenzo Zurzolo) com A Condessa (Isabelle Huppert) achei meio que ridículo. Primeiro, porque aquela narrativa não tinha relação nenhuma com EO. Segundo, porque nada daquilo teve importância para a história. Achei uma desculpa para termos a atriz no filme.
Falando em elenco, claro que o principal mérito da produção é do burro que “interpreta” EO. O diretor consegue conduzir ele de uma forma incrível e capturar tudo que ele precisa para a história. Dá vontade de cuidar de EO e de trazê-lo para perto porque a direção valoriza demais cada característica do animal. Ficamos encantados com ele. Depois, temos alguns atores que ganham certa relevância na história – ainda que todos, no fim das contas, acabem sendo secundários.
Entre os atores com papéis secundários, vale citar Sandra Drzymalska como Kasandra, a única amiga do protagonista; a sempre divina Isabelle Huppert em um papel besta e descolado do restante da narrativa como A Condessa, madrasta de Vito, interpretado por Lorenzo Zurzolo, que volta para a casa que era do pai levando EO com ele; Mateusz Kosciukiewicz como Mateo, o motorista de caminhão que transporta EO e diversos cavalos para um abatedouro e que acaba sendo abatido antes deles; e Tomasz Organek como Dude, o namorado de Kasandra que só aparece, basicamente, conduzindo uma moto daqui para lá. Temos outros atores em cenas, mas em papéis ainda menores e que não vale citar por aqui.
Voltando para os aspectos técnicos da produção, além da direção de Jerzy Skolimowski e do roteiro provocador e diferentão escrito por ele em parceria com Ewa Piaskowska, acabam sendo fundamentais para a produção a direção de fotografia de Michal Dymek e a trilha sonora marcante, envolvente e que quase vira uma personagem da história de Pawel Mykietyn. Estes dois aspectos, fotografia e trilha sonora, são vitais para a condução da história.
Outros aspectos que valem ser citados: a edição super precisa e bem feita de Agnieszka Glinska; o design de produção de Miroslaw Koncewicz; a decoração de set de Robert Dyrcz e Kamila Grzybowska-Sosnowska; os figurinos de Katarzyna Lewinska; os seis profissionais que atuaram como assistentes do diretor ou como diretores secundários e os sete profissionais que atuaram no Departamento de Câmera e Elétrica, ou seja, que operaram câmeras e drones, auxiliando o diretor nas filmagens.
EO estreou em maio de 2022 no Festival de Cinema de Cannes. Depois, até março de 2023, o filme participaria de outros 40 festivais e mostras de cinema em diversos países. Entre outros eventos, ele participou dos festivais de cinema de Hong Kong, Toronto, Hamburgo, Rio de Janeiro, Valladolid, Viena, Belfast e Torino. O último da lista, que vai começar no dia 23 de março de 2023, é o Festival de Cinema de Stockfish.
Até o momento, EO ganhou 20 prêmios e foi indicado a outros 53 – incluindo a surpreendente indicação do filme para o Oscar de Melhor Filme Internacional. Entre os prêmios que recebeu, destaque para o Prêmio do Júri e para o prêmio de Melhor Compositor para Pawel Mykietyn dados pelo Festival de Cinema de Cannes; e para o de Melhor Diretor no Ribera de Duero Award do Festival Internacional de Cinema de Valladolid. Vale comentar também que o filme figura na lista Top Five International Films da National Board of Review (juntamente como Argentina, 1985, comentado neste link, Saint Omer, Decision to Leave e Im Westen Nichts Neues, com crítica por aqui).
Agora, vale citar algumas curiosidades sobre esta produção. O diretor Jerzy Skolimowski disse que a única vez que ele chorou vendo um filme foi quando assistiu a Au Hasard Balthazar, filme de 1966 dirigido por Robert Bresson. Durante o filme, um burro é maltratado. A história influenciou o diretor a criar EO. Faz sentido. Uma experiência que marcou tanto o imaginário do realizador que ele decidiu fazer uma produção provocadora a respeito – que repete mas também amplia muito essa questão da violência contra um burro.
O diretor disse que conseguiu filmar EO trabalhando de forma muito especial com os burros que “interpretaram” o protagonista. Para conseguir conduzir a narrativa como ele desejava, Skolimowski disse que teve que ser muito gentil com os burros que interpretam EO, acariciando eles e sussurrando em seus ouvidos. De acordo com o diretor, o comportamento dos burros foi surpreendente, porque em cenas que a produção considerava complicadas de filmar, como as que o animal teria que caminhar próximo de uma cachoeira barulhenta, tudo transcorria bem, sem sobressaltos, enquanto outras cenas, relativamente simples, acabavam sendo complicadas por causa de detalhes como um cabo no chão, que parecia algo intransponível para o burro que estava participando da rodagem naquele momento. Assim, muitas vezes, a equipe trabalhava para resolver o bloqueio de cada cena ao invés de convencer o animal a fazer o que o diretor queria.
O protagonista, ou seja, EO, foi interpretado por seis burros diferentes. Assim, temos como protagonistas desta história os burros Tako, Hola, Marietta, Ettore, Rocco e Mela. Entre estes, Tako era o burro principal, e os outros eram seus substitutos e/ou apoios.
Segundo o diretor, 70% a 80% das cenas foram feitas com Tako ou Hola, sendo que Tako era o principal “ator de ação”, enquanto Hola foi utilizado em todos os closes de EO. Na cena de abertura do filme, no qual vemos EO no circo, o burro que vemos é Marietta, que está acostumado a fazer a cena de “ressuscitação” em apresentações pela Europa.
Para quem ficou interessado em saber um pouco mais sobre o que o diretor quis apresentar com EO, sugiro a leitura desta matéria de Leo Barraclough para a Variety. Nela, sabemos um pouco mais sobre Jerzy Skolimowski e sobre a roteirista e esposa dele, Ewa Piaskowska, assim como a reflexão que eles fazem sobre “a jornada da felicidade ao inferno” de EO e sobre o caminho que revela a “estupidez e a crueldade” humana. Perfeito resumo, eu diria. Na visão de Skolimowski, diferente do que as pessoas pensam, que os burros “são estúpidos”, eles são, na verdade, “muito sensíveis, muito inteligentes e também extremamente humildes”. Ao refletir sobre eles, o próprio diretor disse que tornou-se mais humilde e que aceitou mais, ao fazer EO, as sugestões de seus colaboradores.
Os usuários do site IMDb deram a nota 6,8 para EO. Os críticos que tem os seus textos linkados no site Rotten Tomatoes dedicaram 123 textos positivos e cinco negativos para a produção, o que garante para EO o nível de aprovação de 96% e a nota média de 8,1. Enquanto isso, o site Metacritic apresenta um “metascore” de 85 para o filme, fruto de 29 críticas positivas e de uma crítica mediana, além do selo “Metacritic Must-see”. De acordo com o site Box Office Mojo, EO faturou cerca de US$ 2 milhões nas bilheterias – sendo metade disso nos Estados Unidos.
EO é uma produção da Polônia com coprodução da Itália.
CONCLUSÃO
Um filme diferentão, com uma boa pegada artística, e um bocado provocador. Provavelmente, não vai cair no gosto da maioria. Até porque EO não tem uma narrativa clássica, com uma história com propósito muito bem definido. Ele se sustenta na proposta de contar a história de um animal a partir da ótica dele – ao menos na maior parte do tempo. EO apresenta muitas desventuras de seu protagonista. Enquanto acompanhamos ele nestes locais, vivenciando mais do que muita gente por aí, refletimos sobre alguns conceitos importantes, como liberdade, cuidado e respeito. Está em cena a nossa relação com os animais e o espaço que eles têm, atualmente, para serem o que desejam ser. Interessante, um tanto desafiador, EO apresenta diversas qualidades. Mas fica na média.
PALPITES PARA O OSCAR 2023
Vou ser repetitiva por aqui – especialmente para quem tem o costume de acompanhar o blog a cada nova publicação. EO chega ao Oscar deste ano como azarão na disputa da categoria Melhor Filme Internacional. O favoritíssimo é o alemão Im Westen Nichts Neues (comentado neste link). Depois dele, segundo as bolsas de apostas, viria Argentina, 1985 (com crítica por aqui).
Da minha parte, a minha lista de preferidos, entre os indicados neste ano, seria formada desta maneira – do preferido para o menos interessante da lista: Close (com crítica neste link); Im Westen Nichts Neues; Argentina, 1985; An Cailín Ciúin (comentado por aqui) e, por último, este EO. Não que o filme não seja bom, ou interessante. Ele traz uma narrativa diferenciada e merece ser visto. Mas daí a ser um filme realmente marcante ou inovador… temos alguns quilômetros de distância entre um ponto e outro.
Assim, analisando todo o contexto, eu diria que tanto EO quanto An Cailín Ciúin devem sentir-se premiados apenas por terem conseguido avançar na disputa e deixar vários filmes bem cotados para trás. Ainda tenho outras produções para assistir, neste sentido, mas entre os filmes que eu vi e que estavam naquela “lista curta” de 15 filmes que avançaram entre os concorrentes por uma vaga, Holy Spider (com crítica neste link) me parece um filme mais interessante e com substância do que as produções que representaram a Irlanda e a Polônia.
Para resumir, EO não tem chances no Oscar 2023. Os realizadores da produção devem ficar já bastante felizes dele ter chegado tão longe e de ter emplacado uma indicação ao Oscar.
Uma resposta em “EO”
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