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Poor Things – Pobres Criaturas


Uma menina em busca de si mesma, de conhecer a si mesma e ao mundo. Através de uma história fantasiosa, Poor Things nos apresenta reflexões sobre liberdade, aprendizado, oportunidades, entre outras questões inerentes à trajetória de qualquer pessoa. Aqui, a história se revela especialmente interessante por termos pela frente uma protagonista sem as bases morais e o tipo de educação tradicional com os quais estamos acostumados. Um filme interessante, provocador em alguma medida e muito bem feito. Tecnicamente, impecável.

A HISTÓRIA

Começa com uma trilha dramática e nenhuma imagem nos primeiros acordes. Então vemos uma mulher com um belo vestido azul. Ela está de costas olhando para baixo. O vento balança seus cabelos, que estão presos. Ela pula em direção à água. Desaparece antes de tocar na matéria abaixo da ponte. Corta. Vemos uma mulher com os cabelos soltos em frente a um piano. Ela bate nas teclas com força. Ela segue tocando de maneira desconexa, enquanto um home desce as escadas de uma casa. Ele caminha até o local em que ela está, e eles se olham.

O rosto dele está todo remendado, mas apesar da pouca maleabilidade de sua pele, conseguimos ver que ele está sorrindo. Godwin Baxter (Willem Dafoe) gosta do que vê. No piano, tocando com as mãos e os pés, está Bella Baxter (Emma Stone), que parece experimentar a cada gesto. Esta é a história sobre a criação e a evolução dela.

VOLTANDO À CRÍTICA

(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte deste texto contém fatos importantes relacionados ao filme, por isso recomendo que só continue a ler esta seção quem já assistiu a Poor Things): A primeira ideia que eu tive ao assistir a esse filme foi: “Nossa, a atriz Emma Stone deve ter se divertido muito ao fazer Poor Things”. Sim, porque toda aquela sequência final da produção mostra uma atriz podendo fazer as maiores sandices possíveis para uma mulher adulta e, convenhamos, isso deve ser divertido – especialmente quando você ganha um ótimo salário para isso.

Como gosto de fazer, cheguei até Poor Things sem saber nada sobre a produção. E esta é a melhor forma de chegar até um filme – ao menos, para o meu gosto. Claro, eu tinha um certo nível de expectativa sobre a produção por ela ter sido tão indicada ao Oscar. Mas isso não prejudicou a minha experiência com o filme. Ainda bem!

Depois de pensar sobre a diversão que deve ter sido para Emma Stone fazer a protagonista desta história, fiquei fascinada com todos os aspectos técnicos desta produção. Toda a construção imagética e sonora desta produção é um verdadeiro espetáculo. Mérito da visão do diretor Yorgos Lanthimos e de toda sua equipe – sobre a qual falarei mais abaixo, citando os principais nomes responsáveis pela qualidade técnica de Poor Things.

Se tem algo que podemos falar sobre este filme é que ele enche os nossos olhos e nossos ouvidos. Um espetáculo de direção de fotografia, direção de arte, design de produção, figurinos – esses, então, impecáveis e maravilhosos! -, maquiagem, decoração de set, efeitos visuais, trilha sonora e som. Não consegui encontrar um defeito, analisando apenas a parte técnica, em Poor Things. Filme visualmente impecável, sem dúvidas.

Agora, se Poor Things é tecnicamente impecável, podemos dizer o mesmo sobre sua narrativa? Aí entramos em um campo cheio de interpretações, não tenho dúvidas. Como sempre, não vou trazer aqui um compêndio de impressões de críticos e de outras pessoas, mas a minha visão sobre o filme. Para mim, Poor Things tem muitas qualidades, em termos de narrativa, e um ou dois problemas. Falarei sobre eles a seguir.

Essa produção não é a primeira e provavelmente não será a última a trabalhar com alguns conceitos do clássico da literatura Frankenstein. Desde que Mary Shelley lançou seu livro em 1818, acredito que não exista história que verse sobre o desejo humano de fazer-se passar por Deus que não nos faça pensar no “cientista ambicioso e solitário” que decide dar vida para um ser que acaba tornando-se um monstro.

Uma alegoria interessante e eterna sobre o próprio ser humano, não é mesmo? Fomos criados, dependendo da crença de cada um, para sermos perfeitos mas, na prática, muitas vezes nos parecemos mais com monstros do que com seres próximos de qualquer ideia de perfeição. Enfim, não vou entrar nesse tema filosófico. E nem é esse o propósito de Poor Things. Ainda que seja impossível não fazer um paralelo entre a obra clássica e a produção dirigida por Lanthimos, sabemos que Poor Things apenas trabalha com algumas ideias de Mary Shelley mas que “subverte” boa parte de sua narrativa.

Para começo de história, não temos em Poor Things uma criatura masculina. Temos uma mulher assumindo a posição da criatura que surpreender o criador. E isso faz toda a diferença. Ouso dizer que essa é boa parte da graça de Poor Things. Afinal, este filme, baseado no livro de Alasdair Gray sobre o qual eu não sei nada, admito, e que teve a obra adaptada para o cinema pelo roteirista Tony McNamara, questiona justamente diversos conceitos e expectativas que a sociedade – majoritariamente os homens, mas não apenas eles – tem das mulheres.

Faz toda a diferença do mundo a criatura criada por Godwin Baxter ser uma mulher. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Aliás, até a noção de “criada”, a partir de Poor Things, pode ser questionada. Em última análise, Godwin apenas “salvou” o bebê que estava no ventre de Victoria (também Emma Stone) e utilizou o corpo da mãe para garantir a sobrevida da criança. Para isso, ele pegou o cérebro do bebê e colocou na caixa craniana da mãe.

(SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Daí a graça daquele início do filme. Ainda não sabemos, mas também não demoramos muito para saber – o que eu achei bom, McNamara não se enrolar muito para fazer essa revelação -, que toda aquela atitude estranha da personagem vivenciada por Emma Stone tem uma razão de ser. Imaginem uma criança, que deveria estar aprendendo a alimentar-se de forma independente, a mover-se e a tudo o mais, fazendo tudo isso no corpo de uma adulta? Por isso aquele “descompasso” entre mente e corpo citado por Godwin logo no início. De fato, um experimento interessante.

Quando sabemos a verdade sobre a origem de Bella Baxter, tudo passa a fazer sentido. Não apenas o “descompasso” entre evolução mental e o corpo já formado, mas também tudo que ela vai fazendo a partir daí. Dá para entender a evolução pelo qual ela passa. Mas pensando a respeito da origem dela, veio o meu primeiro incômodo com o roteiro. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Ora, se Godwin simplesmente pegou o cérebro do bebê que estava no ventre materno e colocou na caixa craniana da mãe, quem poderia garantir que o bebê seria uma menina? E se fosse um menino, conforme ele foi evoluindo em sua jornada de autoconhecimento, não haveria um desconforto com sua própria identidade e relação com o próprio corpo?

Alguém pode dizer que este é um dos aspectos “disruptivos” de Poor Things. Que, no fim das contas, o gênero pouco importa. Que essa é uma construção mais social do que biológica e que não importa se Victoria iria gerar um menino ou uma menina. Que tanto um como outro poderia se sentir perfeitamente bem no corpo feminino da mãe. Bem, eu não vou entrar nesse debate, mas não acredito que esta questão se resolva de forma tão simples. Então sim, esse foi um aspecto do roteiro que não ficou bem encaixado para mim.

Algo interessante desta produção é que ela nos mostra como seria libertador, provocativo e um pouco perigoso até, se todos nós pudéssemos crescer com liberdade extrema, sem a influência de praticamente nenhum freio moral ou ensinamento dos “bons costumes”. Bella “cresce” de forma acelerada assim, sendo cuidada por um homem apaixonado pela ciência e que desejava realmente ver como seria o desenvolvimento de uma pessoa sem amarras, culpa e afins.

Poucas vezes Godwin diz para Bella não fazer algo. Pouquíssimas vezes, na verdade. Ele está mais interessado em dar liberdade para a garota para ver como ela se desenvolve tendo um corpo adulto para acelerar todo esse processo. Ele parece sempre fascinado com sua criação. E quando ela toma uma decisão arriscada e perigosa, inicialmente ele tenta contê-las mas, depois, deixa ela ir. Bem diferente de um pai “tradicional”, certamente.

Poor Things não tem muitos personagens. E isso é um grande trunfo do filme. Justamente por ter uma grande protagonista e poucos personagens que orbitam ao redor dela, este filme consegue nos fazer mergulhar em cada um destes personagens. E, especialmente, claro, em Bella. Como ela se desenvolve de uma forma totalmente diferente do que uma garota normalmente cresceria, Emma Stone tem uma possibilidade quase infinita de criar e de “brincar” com sua personagem. Para mim, se este não é, até aqui, o trabalho da vida da atriz, ele é um dos melhores.

Emma Stone faz um trabalho esplêndido em Poor Things. Ela tem uma personagem perfeita para isso, evidentemente. O filme, no fundo, nos conta a história de uma evolução acelerada de uma mulher que tem a chance única de crescer sem amarras e restrições, praticamente sem contato com conceitos morais, culpa ou aulas de bons costumes. Como seríamos se não tivéssemos nada disso? Se pudéssemos, de fato, fazermos tudo que desejamos? Estas são algumas provocações que este filme nos traz.

No início de Poor Things, devo admitir, eu temia um pouco por Bella. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Como ela estava descobrindo suas capacidades físicas e seu corpo, além de explorar o ambiente inicialmente restrito à casa de Godwin, Bella tinha contato com tudo que tinha a ver com o universo de Godwin. Por ser um cientista e um médico, ela tinha acesso a diversos cadáveres e experimentos. Sim, todos sabemos que somos fascinados pelo belo e pela destruição, pela vida e pela morte. Claro que uma garota que está evoluindo rápido em seu crescimento teria fascínio por tudo isso.

Mas, inicialmente, devo admitir, me pareceu que Bella tinha um fascínio um pouco maior que o desejado pela violência e pela morte. Daí mais uma reflexão interessante do filme: o ambiente no qual ela estava inserido, disponibilizado por Godwin, era o fator que desencadeava esse fascínio dela ou isso seria inerente a qualquer pessoa? Independente da resposta para esta pergunta, devo admitir que fiquei um pouco aliviada por ver que a personagem não descambou para o caminho “fácil” de torná-la um monstro – à la Frankenstein. Se ela tinha algum fascínio pela violência e pela morte no início, isso ficou em segundo plano depois.

O que achei muito positivo, devo admitir. No lugar da morte, Bella ficou fascinada pela descoberta de sua própria sexualidade e do prazer. O sexo entrou em cena de uma forma muito interessante após a aparição do advogado Duncan Wedderburn (o ótimo Mark Ruffalo, possivelmente em um dos melhores trabalhos de sua vida), chamado por Godwin para redigir um contrato nupcial para Bella que garantisse para ele e para seu noivo, o cientista Max McCandles (Ramy Youssef, também ótimo), o máximo de controle sobre a garota no futuro.

Inicialmente, Duncan quis se dar bem. Afinal, para um homem – vide alguns conceitos da nossa sociedade machista -, quão fascinante é encontrar uma garota “virgem e pura”, sem malícia, pela frente para poder corrompê-la e usá-la como ele desejar? Fascinante, não? E aí Poor Things novamente vem subverter conceitos já bem desenvolvidos. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Desde o princípio, Bella é a senhora do seu próprio destino. Mesmo alertada por Godwin e por Max, ela quer descobrir tudo que ela puder para além da “prisão” da casa de seu criador e não se importa em fazer isso com um cara bastante suspeito, no caso, Duncan.

Ela não tem noção, evidentemente, de tudo que pode dar errado. Ela não tem medo, não tem base para comparação. Duncan pode ser um mau caráter, pode ser machista, um “Dom Juan” pegador, destes que usa as mulheres pelo tempo que deseja e depois “joga fora”. Mas ela não se importa. Ela quer conhecer o mundo, quer transar, descobrir todas as formas de prazer e lançar-se para o desconhecido.

Claro que ela tem sorte no processo. Todas nós, mulheres, sabemos que ela poderia ter se dado muito mal. Os 1.463 feminicídios registrados apenas no Brasil em 2023 são uma pequena amostra disso – quantas mulheres são mortas por namorados, maridos e ex-companheiros pelo mundo a cada ano? Não tenho ideia, mas certamente são milhares de mortes. Então sim, Bella poderia não apenas ter sofrido com as crises de ciúme e afins de Duncan mas poderia ter sido vítima dele.

Para o bem da narrativa de Poor Things, nem Bella e nem Duncan recorrem ao crime. Se houve esboços de violência no início da produção, isso fica pelo caminho. Sai de cena thanatos e passa a dominar a narrativa eros. A jornada de autoconhecimento de Bella – afinal, é sobre isso que este filme trata – acaba levando ela a ficar fascinada pela beleza, pelo sexo e pela literatura. Esse último fascínio surge a posteriori, quando ela conhece no navio Martha von Kurtzroc (Hanna Schygulla) e Harry Astley (Jerrod Carmichael).

Aliás, muito interessantes esses personagens secundários. Tanto Martha quanto Harry trazem visões diferentes sobre a vida para Bella. A garota fica fascinada com as discussões que eles têm, incluindo a visão um tanto cínica de Harry sobre a humanidade. Com ele é que Bella tem, pela primeira vez, um pouco de contato com a realidade para além da bolha na qual ela tinha estado imersa até então.

Mas o que uma garota sem as amarras sociais e de criação que normalmente nós temos faz com uma curva de aprendizado tão grande e em tão pouco tempo? Poor Things é, no final das contas, uma narrativa de autoconhecimento de uma mulher com níveis de liberdade pouco vistos – ou quase impossíveis de serem alcançados por uma menina com desenvolvimento normal. Bella tem o prazer de explorar tudo que deseja, especialmente o sexo, de forma livre, sem alguém que lhe diga o que fazer ou que lhe obrigue a algo.

Alguns até tentam. Especialmente Duncan procura frear a garota – sem perceber que é justamente a liberdade e a falta de amarras dela que o tornam refém de Bella. Ele luta contra o que sente, mas é tarde demais para ele conseguir se livrar do “vício” daquela relação. Ele se perde no caminho, o que é bastante comum de acontecer com certos homens… menos mal que o final desta história não foi trágico – para nosso bem e da narrativa, volto a dizer.

No fim das contas, Poor Things é um belo e esperançoso conto sobre a evolução de uma garota em sua jornada de autoconhecimento e de exploração do mundo. Bella viaja para lugares que nunca tinha imaginado, conhece pessoas fascinantes no caminho, consegue explorar ao máximo suas capacidades e, ao voltar para “casa”, ainda tem a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre suas origens e decidir o que quer fazer a seguir sem que alguém lhe obrigue a nada.

Convenhamos que ela consegue o que 99% das mulheres reais não conseguem. Quem pode, mesmo sendo privilegiada, dizer que tem tanta liberdade e tantas oportunidades quanto a protagonista desta história? Por isso mesmo esse filme é tão positivo. Ao menos para as mulheres. É bom ver uma mulher ao menos com uma trajetória tão espetacular. Bella surpreende não apenas seu “criador” mas também todas as pessoas com as quais ela cruza o caminho. E, de quebra, a todos nós.

No geral, achei um filme muito bem acabado em todos os seus aspectos. Na parte técnica, como comentei antes, existe apenas perfeição. Um trabalho exemplar de todos os profissionais envolvidos. Na parte da narrativa, em geral, o filme é muito bem conduzido, com episódios bem delimitados, o que ajuda a dividirmos o filme em “capítulos”, com um bom ritmo e com um desenvolvimento linear e interessante da história.

Para não dizer que o filme é perfeito na narrativa, além do aspecto que eu comentei antes, envolvendo a “origem” de Bella, há um outro ponto que me incomodou um pouco no roteiro. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Não me pareceu fazer muito sentido Duncan esforçar-se tanto para resgatar o marido de Victoria, Alfie Blessington (Christopher Abbott). Ok, ao fazer isso, ele “melou” o casamento de Bella com Max. Mas, mesmo que o plano dele desse certo e isso acontecesse, ele não ficaria com Bella. Ele perderia ela para Alfie.

Então não me pareceu fazer muito sentido ele estar naquela cena. Caso o casamento de Bella e Max tivesse ganho alguma publicidade em jornais da época e Alfie surgisse para impedir a cerimônia após descobrir isso, beleza. Faria mais sentido. Alguém pode dizer que Duncan queria apenas ferrar com Max, Bella ou com Godwin, por puro despeito, procurando não fazer com que a vontade deles prevalecesse… mas quem poderia garantir para ele que ela não seria feliz com Alfie? Então onde estaria a “vingança” de Duncan nessa história?

Enfim, achei essa outra questão um outro ponto pouco convincente do roteiro. Mas, obviamente, esses são apenas detalhes que não tiram em nada os diversos méritos da produção. Além disso, achei algumas sequências um tanto exageradas, especialmente as cenas de descontrole um tanto rocambolescas de Duncan quando ele percebe que Bella pegou o dinheiro dele para dar para os pobres, ainda no navio, ou quando ele percebe que ela não se interessa apenas por ele, quando chegam em Paris. Não é culpa do ator, mas acho que o roteiro pesou um pouco a mão em algumas daquelas sequências.

Mas, no geral, gostei muito de Poor Things. Acho que o filme equilibra na medida certa drama e humor e utiliza boas doses de provocação, aqui e ali, seja nas cenas de descoberta sexual da protagonista, seja nas rápidas reflexões filosóficas que ela tem em algumas trocas com os amigos do transatlântico, para nos fazer “sair da casinha” e do lugar-comum. Sempre que um filme nos apresenta velhas ideias e histórias de uma forma diferente, buscando novos ângulos, procurando subverter alguns padrões, ganhamos com isso. O cinema ganha com isso.

No fim das contas, apesar de um pouco longo, Poor Things é um filme envolvente e que não pesa. Quando percebemos, ele já está perto do fim, nos trazendo algumas reflexões sobre diversos sentimentos e sobre nosso desenvolvimento enquanto indivíduos que não estamos acostumados a ver com frequência nos cinemas. E que bom! Sem dúvidas, este é um dos filmes mais diferentes e interessantes desta temporada. Não é perfeito, mas ele nem precisa ser.

NOTA

9,7.

OBS DE PÉ DE PÁGINA

Respeitadas todas as pessoas que contribuíram muito para Poor Things ter a qualidade que o filme tem, me arrisco a dizer que os dois grandes nomes desta produção são o diretor Yorgos Lanthimos e a atriz e uma das produtoras do filme, Emma Stone. Sem eles, esse filme não teria metade da potência que ele tem.

Olha, se tem uma pessoa que mereceu a indicado ao Oscar de Melhor Direção neste ano, essa pessoa é Yorgos Lanthimos. Que trabalho fenomenal que o diretor grego, nascido em Atenas em 1973, faz neste filme! Ele é o grande maestro da produção, a pessoa que tem a visão artística do filme e que consegue colocar toda a ousadia visual e sonora desta produção em cena. Apesar de ser um dos grandes responsáveis pela qualidade de Poor Things, Lanthimos deve perder o Oscar para Christopher Nolan, que dirigiu o filme que sairá consagrado da cerimônia do Oscar, neste próximo domingo, como o mais premiado do ano. Enfim, será o ano de Oppenheimer e teremos que aceitar isso.

Antes de ser indicado na categoria Melhor Direção por Poor Things, Lanthimos já tinha sido indicado nesta categoria do Oscar por The Favourite (filme com crítica neste link). Mas a primeira indicação dele no Oscar ocorreu em 2017, pelo roteiro de The Lobster (comentado por aqui no blog), que ele escreveu juntamente com Efthimis Filippou. Lembrando destas duas produções, algo fica evidente: Lanthimos é um diretor com uma visão única, bastante diferenciada. E isso é importante nos dias atuais – e sempre, na verdade.

Acho que vale falarmos um pouquinho mais sobre Yorgos Lanthimos. Com Poor Things, o diretor chega ao seu 25º título como diretor. Ele estreou na direção em 1995 com o curta O Viasmos tis Hlois. Depois, vieram 10 vídeos musicais dirigidos por ele, até que no ano 2000 ele estreou seu primeiro longa, o filme Sakis Rouvas: Antexa. O primeiro filme dirigido por ele que eu assisti foi Kynodontas, que foi indicado ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira em 2011 (comentei sobre o filme neste link). Enfim, desde sempre Lanthimos é um diretor com uma visão muito particular e interessante. Merece ser acompanhado, sem dúvidas.

O outro nome de destaque de Poor Things, sem dúvida alguma, é o da atriz e produtora Emma Stone. Vencedora do Oscar de Melhor Atriz por La La Land (com crítica por aqui no blog), Emma Stone tem nada menos que 53 títulos no currículo como atriz. Nascida em 1988 na cidade de Scottsdale, no estado do Arizona, nos Estados Unidos, Emma Stone elevou seu patamar de atuação para um outro nível com Poor Things, a meu ver. Sim, eu admito que não assisti a todos os trabalhos da atriz até aqui. Mas ela parece infinitamente mais madura com seu papel neste filme do que em La La Land, por exemplo.

Claro que a complexidade – e a liberdade – dos dois trabalhos é muito diferente mas, ainda assim, acho que Emma Stone revela uma capacidade interpretativa bem diferente neste novo filme. Talvez o fato de visualizar isso desde o princípio fez com que a atriz fosse uma das produtoras de Poor Things. Para mim, o trabalho dela nesta produção é irretocável. Mesmo quando ela parece “exagerada”, no fundo, entendemos que sua interpretação é condizente com cada fase de aprendizado e de amadurecimento da personagem. Ela faz cada cena de forma convincente, sem ser caricata. Para mim, trabalho impecável.

Como vocês sabem, procuro não saber nada sobre os filmes antes de assisti-los. Sobre Poor Things, eu sabia, antes de mergulhar nesta história, sobre a avalanche de indicações que o filme tinha recebido no Oscar e soube, bem por cima, que a produção tinha “chocado” muitas pessoas pelas cenas de sexo. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Sério mesmo que alguém se chocou com as cenas de sexo deste filme? Nossa, em pleno 2024 ainda estamos muito atrasados na compreensão da sexualidade, não é mesmo? Para mim, nada choca neste filme neste quesito. Sim, a protagonista desta história explorou todas suas possibilidades sexuais. Bom pra ela! Toda e qualquer cena de sexo nesse filme, para mim, é mais do que justificada e explicada pelo roteiro e pela narrativa. Diferente de uma certa cena que comentei em Oppenheimer, que me pareceu bem deslocada (e que comentei na crítica do filme). Em Poor Things, tudo está em seu lugar e não deveria chocar ninguém. Francamente!

Gostei do roteiro de Tony McNamara, descontados aqueles detalhes que comentei anteriormente. Mas digo com franqueza que eu não li o livro que inspirou o filme, escrito por Alasdair Gray, então não posso falar sobre o quanto o filme foi fiel ao original ou inovou/mudou a história.

Como comentei anteriormente também, gostei do fato de Poor Things não ter um elenco enorme e cheio de personagens secundários com certa relevância para nos roubar a atenção. Gosto que o filme tem uma protagonista muito evidente e que existe um pequeno número de personagens que orbitam ao redor dela com uma maior relevância.

Além de Emma Stone, alguns outros atores fazem um trabalho excepcional em Poor Things. Entre eles, os principais destaques são Willem Dafoe como Godwin Baxter, o “pai e criador” de Bella, muitas vezes chamado por ela apenas como God (referência óbvia a Deus); e Mark Ruffalo em um dos melhores trabalhos de sua carreira como Duncan Wedderburn, um personagem que aparece de uma certa forma e que depois vai mudando seu comportamento conforme a narrativa avança. O personagem de Duncan é muito mais complexo do que o de Godwin, mas ambos são muito interessantes nas suas diferenças. Personagens ricos e instigantes que, por si só, renderiam uma crítica quase à parte. Se eu fosse falar de cada um deles em profundidade, esse texto praticamente não terminaria.

Além dos dois atores que eu citei e que fazem papéis de coadjuvantes, vale citar o trabalho de alguns outros atores que tem destaque na produção: Ramy Youssef está ótimo como Max McCandles, aprendiz, pupilo e o cientista que dará continuidade ao trabalho de Godwin, além de um dos parceiros fiéis de Bella; Vicki Pepperdine está muito bem como a empregada da mansão de Godwin, Mrs. Prim; Hanna Schygulla está ótima em cada cena como Martha von Kurtzroc, a mulher do transatlântico que apresenta um novo mundo de reflexões para Bella; Jerrod Carmichael está muito bem como o companheiro instigante de Martha, Harry Astley, que sempre leva algumas ponderações e reflexões interessantes para Bella; Kathryn Hunter faz um papel muito interessante e diferente como Swiney, a dona do bordel onde Bella vai encontrar sua maneira de viver em Paris; Suzy Bemba está muito bem como Toinette, companheira de Bella no bordel e que acaba tendo uma importância cada vez maior na vida da protagonista; e Christopher Abbott faz um bom trabalho como Alfie Blessington, marido da falecida Victoria e, de certa forma, “vilão” do filme.

Aliás, ao voltar a falar sobre Alfie, lembrei de outra questão que fez este filme perder alguns pontos comigo. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Não tive nenhum problema com as cenas que mostraram as experiências sexuais da protagonista deste filme, mas a escolha do roteiro de fazer com que Bella decidisse partir com Alfie para a casa dele, passando-se pela mãe dela, me incomodou. Ok, até entendo a motivação da personagem. Não foi algo totalmente descabido. Ela viu na intimação de Alfie uma oportunidade para saber mais sobre suas origens, conhecer melhor seu pai e saber da história da mãe morta. Mas ela não chegou a pensar, nem por um segundo, que aquilo era uma armadilha e que talvez ela tivesse que deitar com o próprio pai? Sim, a ideia de incesto me desperta repugnância. Me desculpem as mentes mais abertas, mas aquilo me incomodou demais. Quando Bella parte com Alfie para a casa dele, fiquei esperando pelo pior. Menos mal que ela soube dar a volta por cima, mas aquela foi a parte mais complicada do filme para mim, sem dúvidas.

Entre os produtores deste filme, estão, além da atriz Emma Stone, o diretor Yorgos Lanthimos e os produtores Ed Guiney e Andrew Lowe, além dos produtores executivos Daniel Battsek e Ollie Madden e outros nomes como coprodutores.

Agora sim, falemos sobre os nomes envolvidos nos aspectos técnicos desta produção, algo fundamental para o sucesso de Poor Things. Os primeiros que eu quero citar são o diretor de fotografia Robbie Ryan; os responsáveis pelo Design de Produção, Shona Heath e James Price; os 10 profissionais envolvidos na Direção de Arte, a saber: Renátó Cseh, Judit Csák, Jonathan Houlding, Bence Kalmár, Géza Kerti, Zsófia Kóthay, James Lewis, Adam A. Makin, Krisztina Szilágyi e Peter Várdai; o responsável pela decoração de set, Zsuzsa Mihalek; a responsável pelos figurinos, que são simplesmente maravilhosos, Holly Waddington; os 29 profissionais envolvidos com o Departamento de Maquiagem; os 81 profissionais responsáveis pelo Departamento de Arte, outro aspecto fundamental da produção; os 26 profissionais envolvidos com o Departamento de Som, mais um item bem importante para o filme; os 69 profissionais envolvidos os Efeitos Visuais; a trilha sonora de Jerskin Fendrix, bem importante em diversos momentos do filme e que ajuda demais na evolução da narrativa; os 19 profissionais envolvidos com o Departamento de Música; e o editor Yorgos Mavropsaridis.

Poor Things estreou em setembro de 2023 no Festival de Cinema de Veneza. Depois, até dezembro do mesmo ano, o filme participou, ainda, de outros 22 festivais e mostras de cinema em diversos países, incluindo os festivais de Telluride, Helsinki, Zurique, Hamburgo, Nova York, Tóquio, Mar del Plata e Estocolmo.

Em sua trajetória até aqui, Poor Things ganhou 97 prêmios e foi indicado a outros 420 – isso mesmo, 420 prêmios! Uau! Que número simplesmente impressionante de indicações! No total, portanto, Poor Things já ganhou ou foi indicado a mais de 500 prêmios. De cair o queixo! Entre os prêmios que o filme recebeu, vale citar cinco prêmios BAFTA, incluindo o de Melhor Atriz para Emma Stone; os Globos de Ouro de Melhor Atriz – Filme Comédia ou Musical para Emma Stone e o de Melhor Filme – Comédia ou Musical; os prêmios de Melhor Ator Coadjuvante para Mark Ruffalo e o de Melhor Roteiro Adaptado conferidos pelo National Board of Review; e os prêmios de Melhor Filme (Leão de Ouro) e o Prêmio UNIMED para Yorgos Lanthimos no Festival de Cinema de Veneza.

Agora, chegou o momento da gente citar algumas curiosidades sobre a produção. O diretor Yorgos Lanthimos queria, com Poor Things, “evocar uma sensação da velha Hollywood”. Para isso, ele decidiu usar vários cenários pintados. A maior parte do filme foi filmada no ambiente de um estúdio, mas a cena do salão de baile foi realmente rodada neste local.

O ator Mark Ruffalo ficou várias vezes inseguros sobre seu papel e sobre seu desempenho como Duncan Wedderburn. A primeira vez que ele leu o roteiro do filme, ele disse para o diretor Yorgos Lanthimos que ele não achava que ele era adequado para o papel. Segundo o ator, o diretor apenas riu e disse que sim, era ele a pessoa para fazer Duncan. Durante as gravações do filme, Mark disse várias vezes que ele seria substituído pelo ator e amigo Oscar Isaac, que estava filmando em um estúdio próximo. Até que, em um certo dia, Willem Dafoe e Oscar Isaac combinaram de pregar uma peça em Mark. Eles chamaram o ator para uma sala onde Oscar estava esperando e disseram que Mark havia sido demitido e substituído por Oscar. Vejam como Mark Ruffalo é modesto. Ele fez um trabalho excepcional neste filme e se sentia muitas vezes inseguro sobre seu desempenho…

O diretor Yorgos Lanthimos deu para o roteirista Tony McNamara três filmes como referência para o tom e a sensação que ele gostaria de exprimir com Poor Things: E La Nave Va, clássico de 1983 do grande Federico Fellini; Belle de Jour, outro filme excepcional, de 1967, de Luis Buñuel; e Young Frankenstein, filme de 1974 dirigido por Mel Brooks.

O design da personagem Bella foi parcialmente inspirado na pintura de 1911 de Egon Schiele intitulada “Nude Girl Standing with Long Black Hair & Blue-Black Drape”.

Os designers de produção do filme construíram cenários enormes e imersivos em palcos na cidade de Budapeste para representar a casa de Godwin em Londres, a praça de Paris no inverno, o navio de cruzeiro e as ruas de Lisboa. Por causa da escala do cenário das ruas de Lisboa, aliás, a equipe teve que usar parte dos estúdios Korda, nas proximidades, para dar conta do recado.

O diretor Yorgos Lanthimos foi aplaudido de pé por oito minutos na estreia mundial do filme no Festival de Cinema de Veneza.

Uma outra inspiração do diretor Yorgos Lanthimos para fazer Poor Things, especialmente no que se refere ao movimento de câmeras e ao uso de alguns recursos como zooms em diversas cenas, foi o trabalho do diretor Rainer Werner Fassbinder.

O uso das cores – ou a ausência delas – no filme merece um comentário à parte. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme ainda). A cor é utilizada no filme para marcar a evolução e o amadurecimento da protagonista. O começo é preto-e-branco porque os bebês não sabem identificar cores até os quatro meses de idade. Então essa fase marcaria o cérebro subdesenvolvido da personagem. Além disso, a fase preto-e-branco de Bella também simboliza a falta de liberdade que a personagem tem quando está sob a tutela de Godwin. Quando a cor começa a ser utilizada, ela progride das cores vibrantes utilizadas em Lisboa para o céu dramático da fase do cruzeiro, chegando até uma Paris no inverno com cores menos saturadas. Finalmente, quando a protagonista retorna para Londres, vemos cores mais realistas. Essas mudanças refletem como a personagem evolui nas suas percepções saindo da visão de criança até chegar a uma fase mais madura.

Agora, um rápido comentário sobre um ponto que eu li ao pesquisar sobre o filme para escrever essas curiosidades sobre a produção. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Li que o filme despertou certa “controvérsia” porque algumas pessoas consideraram que quando a protagonista sai de casa para viver sua aventura com Duncan, ela ainda seria uma criança e não teria realmente o poder de decidir ou de escolher porque, afinal de contas, ela não sabia o que realmente iria acontecer ou o que significava ela fazer sexo com ele. Gente, mas alguém tem alguma dúvida que Poor Things é pura fantasia? Temos que embarcar na história fantasiosa, não dá para exigir realismo dessa história. Evidentemente que o experimento de Godwin não daria certo na vida real. Mas caso desse, e o filme deixa isso muito claro, a evolução de Bella no corpo de Victoria não se deu na “velocidade normal”, ou seja, a questão temporal não deve ser levada muito à sério. Fica evidente, vendo o filme, que a evolução intelectual de Bella se dá em um espaço temporal muito, mas muito menor do que seria na vida real. Então dá para dizermos que, no mínimo, ela seria uma pré-adolescente, adolescente ou até jovem adulta quando decide sair de casa. Antigamente, devemos lembrar, mulheres tinham casamentos arranjados e se casavam, de fato, com 12 ou 14 anos de idade – hoje em dia, em alguns lugares, isso ainda acontece. Claro que acho isso absurdo e nunca concordaria com algo assim, mas se formos trabalhar com a narrativa deste filme, provavelmente Bella teria essa idade mental e evolução, ou seja, pelo menos 12 ou 14 anos de idade, para mais, quando sai para viajar com Duncan e começa a explorar sua sexualidade. Nunca, e não sei como alguém pensou isso, ela seria uma criança – levando em conta a narrativa fantasiosa do filme.

Os usuários do site IMDb deram a nota 8,2 para Poor Things, enquanto que os críticos que tem os seus textos linkados no site Rotten Tomatoes dedicaram 329 críticas positivas e 29 negativas para a produção, o que garante para Poor Things um nível de aprovação de 93% e uma nota média de 8,5. Tantos as notas dos sites quanto o nível de aprovação no Rotten Tomatoes chamam a atenção. Bastante altos e acima da média.

O site Metacritic apresenta o “metascore” 88 para Poor Things, fruto de 57 críticas positivas, duas medianas e três negativas. Além disso, o site apresenta o selo “Metacritic Must-see” para o filme.

Segundo o site IMDb, Poor Things teria custado cerca de US$ 35 milhões. Achei um orçamento “baixo” para o nível de perfeição e de complexidade do filme. Conforme o site Box Office Mojo, Poor Things faturou US$ 104,9 milhões nas bilheterias dos cinemas mundo afora, sendo US$ 33,7 milhões faturados apenas nos Estados Unidos. Depois dos Estados Unidos, os países onde o filme se saiu melhor foram, quase empatados, o Reino Unido e a Itália.

Poor Things é uma coprodução da Irlanda com o Reino Unido, os Estados Unidos e a Hungria. Durante o filme, são falados os idiomas inglês, francês e português.

Então, minha gente, nem acredito que consegui assistir a alguns dos principais filmes indicados ao Oscar deste ano. Minha vida tem sido tão complicada desde o início de fevereiro que, honestamente, há poucas semanas, eu estava totalmente sem perspectivas de conseguir avançar como eu avancei… fico feliz que consegui ver aos últimos filmes comentados aqui no Oscar. Acredito que vou conseguir assistir e comentar sobre a premiação neste próximo domingo. Torçam por mim! Espero conseguir, até para seguir com essa tradição aqui no blog.

E depois, se tudo der certo, vou avançando pouco a pouco na lista de outros filmes indicados ao Oscar sobre os quais eu tenho muita, muita curiosidade. Acredito, assim, que o tema dos filmes indicados ao Oscar 2024 não vai sumir tão cedo aqui do blog. Assim espero. Porque se isso acontecer, quer dizer que tive tempo de voltar a assistir aos filmes, algo que eu amo e que eu sinto muita falta quando não consigo fazer. 😉 Então espero que nos “encontremos” por aqui mais vezes, e em breve.

CONCLUSÃO

Difícil dar uma nota ou chegar a apenas uma leitura sobre este Poor Things. Um filme inteligente, que subverte ou ao menos questiona vários “padrões” sociais, mas que também deixa uma ou duas questões incomodando os espectadores mais chatos e exigentes sobre a lógica de cada detalhe da história. Apesar disso, é uma das ótimas produções desta safra do Oscar.

Sem dúvida, mereceu a avalanche de indicações que recebeu, especialmente nas categorias técnicas, já que esta é uma produção tecnicamente impecável. Com uma atuação fantástica especialmente de Emma Stone, mesmo um tanto longo, este filme não se mostra cansativo. Pelo contrário. Ele tem ótimos momentos e, certamente, foi muito divertido de ser feito. Visualmente belíssimo, merece ser visto pelo seu conceito, por sua inventividade e por suas pequenas provocações. Além do elenco enxuto e muito competente.

PALPITES PARA O OSCAR 2024

Poor Things surpreendeu muita gente – especialmente quem não tinha assistido ao filme ainda, como foi o meu caso – quando a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood divulgou sua lista de filmes indicados ao Oscar deste ano. Todo mundo esperava e, no fundo, sabia que Oppenheimer (com crítica neste link) seria o filme mais indicado do ano. E o grande vencedor do Oscar também. Mas daí surgiu Poor Things para marcar presença forte entre os indicados deste ano.

Enquanto Oppenheimer emplacou 13 indicações ao Oscar 2024, Poor Things veio logo atrás com 11 indicações ao prêmio máximo do cinema norte-americano. A produção dirigida por Yorgos Lanthimos conseguiu uma indicação a mais que outro filme muito cotado nesta temporada, Killers of the Flower Moon (com crítica por aqui), indicado 10 vezes.

Mas então, Poor Things mereceu tantas indicações? Francamente, acho que sim. Este é, provavelmente, um dos filmes mais criativos e inventivos desta temporada. Visualmente falando, ao menos, ele é o mais criativo e o mais impactante. Em termos de roteiro, Poor Things também é um ponto fora da curva, apresentando uma história nada previsível ou conhecida. Temos bastante inventividade em cena.

Pelo conjunto da obra, acredito sim que Poor Things mereceu essas 11 indicações. Mas, de fato, em que categorias o filme tem chance de ganhar no Oscar? Francamente, com Oppenheimer tão badalado, não vejo espaço para Poor Things vencer como Melhor Filme. Particularmente, eu preferia ele vencendo que Oppenheimer. Achei que pelo conjunto da obra o filme de Lanthimos é melhor. Mas isso não vai acontecer.

Então, de todas as categorias nas quais Poor Things tem alguma chance de vencer, em quais ele deve realmente levar a estatueta dourada para casa? Segundo as bolsas de apostas, Poor Things seria o favorito para ganhar apenas na categoria de Melhor Design de Produção. Isso mesmo que você leu. Um filme indicado em 11 categorias no Oscar pode sair da premiação com apenas uma estatueta dourada. Será uma grande injustiça? Talvez. Para falar a verdade, preciso assistir a outros filmes cotados para vencer na categoria desta produção para realmente opinar.

Vou analisar, contudo, nas categorias em que eu já assisti aos filmes apontados como favoritos para desbancar Poor Things. Em Melhor Filme, como comentei antes, tudo indica que Oppenheimer sairá como o vencedor. Já falei aqui e em outros posts que não considero este o melhor filme do ano. Antes dele, prefiro esse Poor Things, assim como The Zone of Interest (com crítica neste link) e Killers of the Flower Moon. Sem contar os outros da lista que eu ainda não vi… mas, como vocês sabem, minha opinião pouco importa. O Oscar ama consagrar um determinado filme a cada ano, e 2024 será o ano de Oppenheimer.

Em Melhor Direção, a problemática é ainda maior. Não assisti ainda ao filme dirigido por Justine Triet – estou bem curiosa a respeito dele, devo dizer, mas devo assistir a Anatomy of a Fall apenas após o Oscar ter sido entregue -, mas o trabalho dos outros diretores são todos ótimos e complexos de diferentes maneiras. Difícil dizer quem faz o melhor trabalho… Christopher Nolan, Yorgos Lanthimos, Jonathan Glazer ou Martin Scorsese?

Particularmente, se fosse escolher entre um deles, provavelmente eu ficaria entre Jonathan Glazer e Yorgos Lanthimos. Acho o trabalho dos dois mais inventivo e cuidadoso, detalhista, até mais do que Nolan e Scorsese. Mas tudo aponta para Nolan como vencedor – eu não daria ao Oscar para ele, mas ok.

Na categoria Melhor Atriz, todos apontam para uma vitória de Lily Gladstone. Ela está excelente em Killers of the Flower Moon e realmente a representatividade dela merece ser reconhecida e ganhar os holofotes. Mas ela faz um trabalho melhor do que Emma Stone em Poor Things? Olha, eu ouso dizer que não. Ambas estão ótimas – e ainda preciso ver ao trabalho das outras três atrizes que concorrem nesta categoria -, mas eu ainda prefiro o trabalho de Emma Stone, mais complexo, mais inventivo, mais maluco e interessante.

Depois, na categoria Melhor Ator Coadjuvante, todos apontam para uma vitória tranquila de Robert Downey Jr. Adoro o ator, mas não acho nunca nesta vida que ele merece o Oscar mais do que Mark Ruffalo. Francamente. Mark Ruffalo mata a pau em Poor Things, com uma interpretação impecável, cheia de nuances e com uma entrega exemplar. Não vejo isso tudo no trabalho de Downey Jr. Amo Robert De Niro, mas não acho que ele está melhor que Ruffalo. E ainda nem vi aos outros concorrentes… mas enfim, eu votaria em Ruffalo.

Na categoria Melhor Roteiro Adaptado, o favorito na disputa é o filme American Fiction, seguido com uma certa distância por Oppenheimer. Não posso opinar sobre American Fiction, porque ainda não assisti ao filme, mas considero o roteiro de Poor Things, apesar de algumas questões que citei no decorrer da crítica que fiz neste post, melhor acabado e com menos buracos do que o roteiro de Oppenheimer. Mas, como este será o ano de Oppenheimer… vai saber. Talvez ele surpreenda nesta categoria também…

Concorre junto com estes filmes o roteiro de The Zone of Interest. Pessoalmente, acho o roteiro do filme inglês mais bem acabado e redondo do que os concorrentes Oppenheimer e Poor Things. Mas ele está correndo muito por fora, não deve ganhar nesta categoria. American Fiction, como comentei antes, preciso assistir ainda, então não sei, caso ele realmente ganhar, se terá sido justo ou não.

Em Melhor Fotografia, o favoritíssimo na disputa é Oppenheimer. Complicado, hein? Sim, a fotografia de Oppenheimer é um dos trunfos do filme. Muito bem feita. Mas como concorrer com a fotografia simplesmente estonteante de Poor Things? Honestamente, acho que Poor Things não deveria nem ter concorrente neste quesito. Achei este aspecto do filme fantástico. Mas o filme não deve ganhar nesta categoria.

Depois, temos Melhor Figurino. As bolsas de apostas apontam para uma vitória de Barbie nesta categoria. Não posso opinar a respeito porque ainda não vi ao filme, mas sei que os figurinos de Barbie são um dos trunfos da produção… só que os figurinos de Poor Things, o segundo colocado na disputa, também são de deixar qualquer pessoa com os queixos caídos. Achei um trabalho fenomenal. Então quem premiar? Não sei, porque não assisti a Barbie, mas acho que a disputa deve ser acirradíssima entre os dois filmes.

Em Melhor Edição, todos apontam para Oppenheimer como o vencedor na categoria. Então, complicado falar, porque a edição de Oppenheimer, de fato, é algo fundamental para o filme, mas este mesmo aspecto é muito bem feito em Killers of the Flower Moon e em Poor Things. Ainda assim, de fato, acredito que Oppenheimer seja um pouco melhor que os concorrentes neste quesito.

Na categoria Melhor Maquiagem e Cabelo, o favorito, segundo as bolsas de apostas, é o filme Maestro. Novamente, não posso opinar sobre se este favoritismo se justifica ou não. Cabelo e maquiagem são aspectos que se destacam também em Poor Things. Acho que realmente a disputa está entre essas duas produções – Oppenheimer, também concorrendo nesta categoria, não é tão bom nestes aspectos, e La Sociedad de la Nieve (comentado por aqui no blog), que capricha mais nestes quesitos, não tem tanta força para desbancar os favoritos.

Em Melhor Design de Produção, por muito tempo Barbie apareceu como o franco favorito. Agora, os apostadores estão colocando mais fichas em Poor Things. Sei que a disputa é boa entre estas duas produções – não assisti ainda a Barbie, mas as imagens que já vi do filme mostram que este aspecto, assim com os figurinos, são pontos realmente de destaque da produção. Então veremos quem se sairá melhor… caso Barbie ganhe nesta categoria, Poor Things pode sair de mãos abanando do Oscar. Algo que seria espantoso – e injusto.

Ainda que Oppenheimer e Killers of the Flower Moon também estejam concorrendo em Melhor Design de Produção, acho que por justiça o Oscar deveria realmente ficar entre Poor Things e Barbie. Como assisti apenas a Poor Things até agora, acho sim que o filme merece esse Oscar. Afinal, o Design de Produção do filme é algo estonteante, de fazer nosso queixo cair também.

Em Melhor Trilha Sonora, Oppenheimer aparece como o grande favorito. De fato, acredito que a trilha sonora de Oppenheimer seja mais relevante e marcante para a história do que as trilhas de Killers of the Flower Moon e Poor Things, que aparecem em segundo e terceiro lugares nas bolsas de apostas.

E assim termino a análise de todas as categorias nas quais Poor Things tem alguma chance de levar um Oscar para casa. Listei os favoritos em cada categoria e a minha opinião sobre essas disputas. Francamente, acho que Poor Things sair do Oscar com apenas um prêmio é injusto. Mas, como sabemos, o Oscar não é exatamente conhecido por fazer os melhores filmes serem premiados a cada ano. A cada ano temos algumas injustiças. E isso faz parte da graça e dos debates sobre a premiação. É parte do jogo.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

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