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La Sociedad de la Nieve – Society of the Snow – A Sociedade da Neve


Uma das histórias mais impressionantes de todos os tempos contada de uma forma única, especial, irretocável. La Sociedad de la Nieve é um filme imperdível. Sim, ele é duro em muitos momentos. Difícil de ser assistido. Mas muito necessário pelo conjunto da obra. Por ser uma excelente peça de cinema, mas também por nos contar uma história quase inacreditável. Tanto que até hoje ela é lembrada, mesmo passadas mais de cinco décadas. Se você gosta de cinema, de ótimas histórias e consegue suportar cenas duras, eis um filme que você não pode evitar!

A HISTÓRIA

Neve, muita neve. Conforme a câmera se desloca no espaço, vemos a paisagem. Uma cordilheira repleta de neve. O narrador começa a contar a história. Ele diz que no dia 13 de outubro de 1972, um avião uruguaio caiu na Cordilheira dos Andes. Dentro do avião, eles diz que viajavam 40 passageiros e cinco tripulantes. Na forma como ele se expressa, fica evidente que uma destas pessoas era ele. Segundo o narrador, alguns dizem que foi uma tragédia, enquanto outros dizem que foi um milagre. Ele pergunta o que realmente aconteceu? Essa é a história do que aconteceu a partir daquele momento e um pouco antes.

VOLTANDO À CRÍTICA

(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a La Sociedad de la Nieve): Dificilmente alguém pode dizer que nunca ouviu falar sobre a história das pessoas que caíram nas Cordilheiras dos Andes e que sobreviveram apesar de todas as intempéries e por muito tempo, para além do que se considerava viável.

(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Também acho difícil que alguém que já ouviu falar dessa história não saiba sobre o canibalismo praticado pelos sobreviventes. Então parte da história, certamente, você e eu já conhecíamos antes de assistir a La Sociedad de la Nieve. Mas o pouco que sabemos – ou, eventualmente, o muito que você poderia saber a respeito dessa história – não é o suficiente para nos fazer ficar confortáveis diante deste filme.

La Sociedad de la Nieve é um primor de cinema e, sobretudo, de narrativa. Eu sempre quis saber mais sobre a história das pessoas que caíram com um avião nas Cordilheiras dos Andes. Como elas sobreviveram, de fato? Todas tornaram-se canibais? O que elas fizeram para enfrentar o frio e as tempestades de gelo? Como, depois de esperar pelo socorro, sem sucesso, e de passarem por tantas privações, elas conseguiram ser resgatadas?

Essa é apenas uma parte das perguntas que esta história nos desperta. O início do filme já nos apresenta o que veremos com bastante exatidão. Sim, o que veremos pela frente foi, ao mesmo tempo, uma tragédia e um milagre. E foi mais do que isso. Puro suco de busca pela sobrevivência. Mas conforme a história avança, com um roteiro magistral e irretocável de J.A. Bayona, Bernat Vilaplana, Jaime Marques e Nicolás Casariego, a partir do livro homônimo de Pablo Vierci, vamos cada vez mais nos perguntando como foi possível alguém sobreviver a tudo aquilo?

As respostas para diversas dessas perguntas vão vindo aos poucos. Partimos dos momentos que antecederam aquele voo fatídico, para entender um pouco mais sobre quem eram aquelas pessoas e como elas se juntaram para fazer aquela viagem, até mergulhar em toda a narrativa sobre o que aconteceu após o acidente.

As relações entre os sobreviventes e seus mortos, assim como a sucessão de esperas, fatos e ações que fizeram com que uma pequena parte do grupo sobrevivesse sob condições absurdamente inóspitas, preenchem a tela e nos embalam até o final. Em diversos momentos da narrativa, só nos resta nos perguntar como foi possível alguém sobreviver a tudo aquilo. O roteiro nos apresenta algumas respostas, mas outras serão dadas por cada pessoa que assiste a esse filme e pergunta-se algumas questões inerentes a essa história.

Que papel você e eu jogaríamos naquele cenário? Seríamos capazes de fazer quase tudo para sobreviver? (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Como nunca me aprofundei absurdamente nessa história, sabia sobre o que aconteceu apenas de forma superficial, por muito tempo me perguntei se alguém teria sido morto ou alguma morte teria sido “acelerada” para que parte do grupo sobrevivesse. Fica claro, ao assistir La Sociedad de la Nieve, que houve bastante resistência para eles começarem com a prática de comer a carne dos companheiros.

Houve quem resistiu. Ao menos, o máximo que pôde. Houve quem contribuiu para que os demais conseguissem manter-se sãos apesar do absurdo daqueles atos – que, apesar de serem absurdos, como fica evidente no filme, foram necessários para que alguém conseguisse sobreviver.

Alguns fatos novos, contudo, foram trazidos pelo filme. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Por exemplo, eu não sabia que os sobreviventes tinham, em diversos momentos, captado notícias através do rádio, fazendo com que eles soubessem, por exemplo, que as buscas tinham sido suspensas ou que seriam retomadas apenas após o degelo. Imagine o desesperador que é você ter sobrevivido a queda de um avião, lutar diariamente para não morrer de frio ou de fome e sua maior esperança, de acharem os destroços e resgatarem você e os demais sobreviventes, desaparecer de um momento para o outro? O que fazer? Como seguir?

O filme é dividido em diversos momentos importantes. Primeiro, aquela introdução sobre alguns dos passageiros daquele voo. Depois, as cenas impressionantes, impactantes e perfeitas do acidente em si. Impossível não cair o queixo naquelas sequências perfeitamente filmadas pelo diretor J.A. Bayona.

Depois, começa toda a narrativa dos sobreviventes, com a história perfeitamente dividida entre o capítulo em que eles esperavam ser resgatados, o capítulo em que eles sabem que isso não vai acontecer, quando pensam em consertar o rádio e pedir socorro e, finalmente, o capítulo de sobreviverem até passar a época das tempestades de gelo para que então eles fossem atrás de resgate.

Cada capítulo desse é cercado de incertezas, de fatores que jogam muito mais contra do que à favor dos sobreviventes, de superação e de um sentimento que visita o espectador volta e meia: o de que será impossível alguém sobreviver àquilo tudo. Mas sabemos que haverá sobreviventes. Só não sabemos como. E essa busca por entender isso é o que nos prende na narrativa de La Sociedad de la Nieve até o fim.

Para mim, um dos filmes mais sinceros e diretos sobre o impulso humano inevitável da busca pela sobrevivência, por superar todos os desafios, as condições contrárias, e seguir vivendo. E, apesar do filme abordar esse impulso de forma muito objetiva, ele não deixa de mostrar as dúvidas e os questionamentos que surgiram no caminho, não apenas por parte do narrador de boa parte da história, mas por outras pessoas que faziam parte daquele grupo.

Aliás, falemos um pouco sobre o narrador da história. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Achei uma grande sacada de Bayona e colegas trabalhar com Numa Turcatti (Enzo Vogrincic) como o sobrevivente da queda do avião que nos conta essa história. La Sociedad de la Nieve não é o primeiro, mas certamente é um dos poucos filmes que nos apresenta um narrador que, diferente do que é provável de se imaginar, não sobrevive aos fatos narrados. Porque sim, é meio que previsto que se alguém nos conta uma história sob sua perspectiva, essa pessoa sobreviveu até o final, correto? Pois nem sempre é assim. Sermos surpreendidos por isso é algo bastante interessante no roteiro.

Depois daquela breve introdução sobre os passageiros do voo, quem eles eram – ao menos, sabemos sobre a maioria -, La Sociedad de la Nieve mergulha na narrativa praticamente diária do que aconteceu com os sobreviventes após a queda. Claro que o filme não apresenta de forma exata o que aconteceu nos 71 dias que se passaram desde que o avião uruguaio caiu nos Andes e até que eles fossem resgatados após Roberto Canessa (Matías Recalt) e Fernando Parrado, conhecido como Nando (Agustín Pardella) caminharem por 10 dias atrás de ajuda.

Mas os momentos mais importantes desse período, os dias mais angustiantes ou em que aconteceram os fatos mais importantes, estão todos lá. Por causa dessa escolha dos roteiristas, do diretor e de sua equipe, conseguimos nos colocar no lugar daquelas pessoas, sentir ao menos uma parte do que elas sentiram – porque não acredito que realmente consigamos nos colocar no lugar delas de forma satisfatória. Mas conseguimos ter uma ideia, ao menos.

Então os momentos de dúvidas pelos quais eles passaram, assim como as ações corajosas, os questionamentos morais, entre outras questões que surgem naquele período, passam a ser também do público. O trabalho do roteiro, da direção, dos atores e de toda a equipe técnica que nos ajuda a transportar para aquele lugar, aquelas situações e para aquele tempo é perfeito e surte o efeito desejado.

Impossível não envolver-se com a história e com os personagens. Especialmente com o narrador, é claro, que é quem reflete sobre a tragédia e o milagre que aconteceram com eles. É um filme focado em fatos, no resgate das histórias feitas a posteriori e compiladas na narrativa, mas também é uma produção reflexiva, que traz não apenas questionamentos mas, sobretudo, aprendizados.

Particularmente, achei um filme impecável. Apenas após os créditos finais e após alguns dias é que pensei em um ou dois pontos sobre os quais senti falta. Mas nada que tire o brilho e a potência dessa produção. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). No final, além de Nando e Roberto, que conseguiram aquele feito impressionante de caminhar por 10 dias após terem passado por tudo que passaram atrás de socorro, outras 14 pessoas sobreviveram e foram resgatadas do avião nos Andes.

Algo realmente formidável, quase inacreditável. Acreditamos que foi possível apenas porque muito já foi publicado a respeito dessa história. Há fotos dos sobreviventes, há vídeos do resgate, muitas entrevistas e diversos detalhamentos feitos pelos sobreviventes. Apesar deste vasto material, acredito que nenhum filme antes de La Sociedad de la Nieve foi tão fundo e narrou tão bem essa história.

Essa produção nos mostra, de forma bastante visual, mas também com uma excelente narrativa, como o ser humano pode superar quase tudo utilizando a inteligência e juntando forças. No fim, aquele grupo de pessoas sobreviveu porque muitos se doaram, cada um fazendo sua parte ou mais do que era previsto pensando na própria sobrevivência e dos demais. Ninguém foi egoísta. Todos procuraram contribuir de alguma forma para que eles pudessem sair daquela situação angustiante e sem perspectivas.

Muitos foram heróis, ou algo muito perto disso. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Mas mesmo aqueles que aparentemente não fizeram grandes gestos, como caminhar por 10 dias até encontrar alguém para pedir ajuda, como fizeram Nando e Roberto, ou como fizram Adolfo Strauch, conhecido como Fito (Esteban Kukuriczka), e Daniel Fernández Strauch (Francisco Romero), que fizeram o serviço “pesado” e o “trabalho sujo” de cortar os corpos para que os demais não soubessem que amigo ou familiar eles estavam comendo, todos contribuíram de alguma forma ou em algum momento para que o maior número possível de pessoas sobrevivesse.

Aquele espírito, aquela abnegação em prol de todos, poderia realmente resultar em uma sociedade que durasse, não é mesmo? Uma sociedade que não fosse formada por apenas 16 sobreviventes. Como muito bem a narrativa nos apresenta, para além dos fatos e avançando nas reflexões sobre eles, independente da leitura que se faça do que aconteceu, o que cada um dos sobreviventes buscou foi honrar aos demais. Que nada que eles passaram tenha sido em vão. Se encarássemos o que nos acontece dessa forma, certamente teríamos sociedades muito melhores. Essas e outras reflexões preciosas são levantadas por esse filme. Fantástico!

NOTA

10

OBS DE PÉ DE PÁGINA

É isso aí, minha gente. Acelerando aqui as publicações das críticas dos filmes que tem alguma chance no Oscar deste ano. Quem está me acompanhando nas últimas semanas sabe que a minha meta a partir de agora é publicar uma crítica por semana. Pelo menos até o Oscar rolar. Para conseguir publicar essa crítica hoje, vou ter que deixar essa parte aqui do conteúdo para escrever durante a semana, beleza? Conto com a compreensão de vocês. Até breve!

Voltei! Vamos lá, aos comentários adicionais sobre esse filme. O ponto alto desse filme, para mim, é o roteiro. La Sociedad de la Nieve não apenas narra os fatos que aconteceram mas também traz a perspectiva de um dos sobreviventes da queda do avião e, com ela, diversas reflexões interessantes e importantes. Um filme muito bem construído, que tem uma narrativa que não cansa, apenas envolve o espectador do início até o fim. Um belo trabalho do diretor J.A. Bayona juntamente com Bernat Vilaplana, Jaime Marques e Nicolás Casariego.

Achei bacana que os produtores do filme e o diretor mantiveram o título original da obra que inspirou esta produção. Fiquei curiosa para conhecer mais de perto o livro La Sociedad de la Nieve de Pablo Vierci.

Depois do roteiro, o segundo aspecto que mais chama a atenção neste filme são os efeitos visuais, a maquiagem e os demais aspectos técnicos que ajudam a nos transportar para o Uruguai e para o Chile de 1972 – e, principalmente, para os Andes.

Neste sentido, vale começar destacando a ótima direção de Bayona, que sabe conduzir com maestria as cenas de ação e de puro desespero na mesma medida em que consegue aproximar-se bem dos personagens e tornar o filme muitas vezes “intimista”, até reflexivo. Ele faz ótimas escolhas durante a produção, tanto no sentido de nos mostrar a força da natureza e a opressão daquele local belo mas inóspito e até agressivo em alguns momentos quanto de valorizar as relações humanas. Belo trabalho.

Depois da direção de Bayona, vale destacar a direção de fotografia de Pedro Luque; a trilha sonora de Michael Giacchino; a edição de Andrés Gil e Jaume Martí; o excelente trabalho dos 37 profissionais envolvidos com o Departamento de Maquiagem; o design de produção de Alain Bainée; a direção de arte de Serafín González, Carlos Y. Jacques, Hedvig Kiraly, David Temprano e Maite Zugarramurdi; a decoração de set de Angela Nahum; os figurinos de Julio Suárez; o trabalho dos 53 profissionais envolvidos com o Departamento de Arte; os 38 profissionais que trabalharam no Departamento de Som; os 15 profissionais envolvidos com os Efeitos Especiais e o trabalho fundamental dos 153 profissionais responsáveis pelos Efeitos Visuais.

Especialmente esse time gigantesco, responsável pelos efeitos visuais, está de parabéns. O trabalho deles, juntamente com o time da maquiagem, é algo de aplaudir de pé. Impressionante como toda a equipe envolvida no filme consegue reproduzir imagens da época e resgatar essa história com o maior esmero e precisão possíveis.

Antes eu comentei que durante e logo após assistir ao filme, a avaliação que eu tive de La Sociedad de la Nieve é que eu tinha acabado de assistir a um filme perfeito. Passado algum tempo da experiência, contudo, teve uma ou duas questões que me “incomodaram” um pouco. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Primeiro, entendo que Bayona não quis prejudicar a narrativa para explicar o que aconteceu para que o avião uruguaio caísse nos Andes. Mas acho que valia, nem que fosse nos créditos finais do filme, explicar um pouco sobre a causa do acidente. Ficamos sem saber – ao menos assistindo ao filme. Também senti falta de sabermos um pouco mais sobre os 16 sobreviventes… sim, dá para entender que a maioria deles era jovem, diversos jogavam juntos rúgbi, outros eram amigos e familiares deles, mas sabemos pouco mais do que isso de alguns personagens que “duram” até o final. Acho que poderíamos mergulhar um pouco mais em suas histórias, nem que fosse nos créditos finais. Sim, esses são apenas detalhes, mas acho que essa contextualização teria feito bem ao filme.

Além dos aspectos técnicos da produção que chamam a atenção por sua qualidade, claro que precisamos falar sobre o elenco de La Sociedad de la Nieve. O narrador e um dos protagonistas, Numa Turcatti, é interpretado com muito talento, carisma e entrega por Enzo Vogrincic. Sem dúvidas, ele é o principal nome da produção. Mas, além dele, temos outros ótimos atores em cena.

Vale citar, nesse sentido, o trabalho dos atores Agustín Pardella como Fernando Parrado, conhecido como Nando, que ganha mais destaque na reta final da produção; Matías Recalt como Roberto Canessa, que também ganha protagonismo no final, mas que tem diversas cenas importantes no decorrer da história – como Pardella; Diego Vegezzi como Marcelo Pérez del Castillo, líder do grupo por uma parte do tempo; Esteban Kukuriczka interpreta Adolfo Strauch, conhecido como Fito, um personagem importante nessa história especialmente pelo trabalho que ele faz pela sobrevivência de todos; Blas Polidori como Gustavo Nicolich, conhecido como Coco; Esteban Bigliardi como Javier Methol; Fernando Contingiani como Arturo Nogueira; Rafael Federman como Eduardo Strauch, que ajuda Fito a tentar amenizar o problema da falta de comida; entre outros.

Há muitos personagens que tem seus nomes citados e que tem sua relevância na história mas que eu achei mais difíceis de listar e de citar. Mas considero que todo o elenco foi bem escolhido, com alguns personagens ficando em uma posição bastante secundária, sem desmerecer a entrega dos atores que os interpretam. Todos estão bem, a meu ver. Ninguém destoa do grupo ou faz um trabalho ruim.

La Sociedad de la Nieve estreou em setembro de 2023 no Festival de Cinema de Veneza. Depois, até novembro, o filme participaria, ainda, de outros sete festivais e mostras de cinema, incluindo o Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. Na internet, na Netflix, a produção estreou em janeiro de 2024.

Até o momento, La Sociedad de la Nieve ganhou 10 prêmios e foi indicado a outros 49. Entre os prêmios que recebeu, destaque para o de Melhor Filme segundo o prêmio do público do City of Donostia Audience Award do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián.

No Globo de Ouro 2024, La Sociedad de la Nieve foi indicado na categoria Melhor Filme em Língua Não-Inglesa. Ele perdeu na disputa para Anotomie d’une Chute (Anatomy of a Fall). O filme francês dirigido por Justine Triet é o grande filme internacional na disputa pelos principais prêmios deste ano. La Sociedad de la Nieve também figura na “lista curta” dos 15 filmes que avançaram na disputa por uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar 2024.

Vale citar algumas curiosidades sobre essa produção. O ator Carlitos Paez interpreta no filme seu próprio pai, Carlos Paéz Villaró, que foi um dos sobreviventes da queda do avião.

Segundo os produtores do filme, o local do acidente virou um “ponto turístico” que pode ser visitado através de um tour anual. Todos os anos, esse tour é realizado em fevereiro e conta com um dos sobreviventes do desastre, Eduardo Strauch. Meu queixo caiu com essa informação, devo dizer.

La Sociedad de la Nieve marca a estreia nos cinemas do ator Blas Polidori, que interpreta Gustavo Nicolich, conhecido como Coco.

Agora, algumas curiosidades da produção com SPOILER – então recomendo que você pule esse e os próximos parágrafos para não estragar nenhuma surpresa do filme, caso ainda não tenha visto. Ainda que não seja explicado isso no filme, os cigarros que os sobreviventes encontram na bagagem de um passageiro pertenciam a Pancho Abal (interpretado por Jerónimo Bosia), uma das pessoas que morre na queda do avião. Ele era representante da empresa de tabaco que pertencia a família dele, Abal Hermanos, o que explica o suprimento que parece não ter fim e que abastece os sobreviventes fumantes durante o filme.

Alguns filmes abordaram essa história antes. As produções de ficção mais conhecidas, baseadas nessa história real, são Alive, lançada em 1993, dirigida por Frank Marshall e estrelada por Ethan Hawke; e Supervivientes de los Andes, lançado em 1976, dirigido por René Cardona e estrelado por Pablo Ferrel. Também temos os documentários Stranded: I’ve Come from a Plane that Crashed on the Mountains, dirigido por Gonzalo Arijon e lançado em 2007; e I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash, dirigido por Brad Osborne e lançado em 2010.

La Sociedad de la Nieve revela mais detalhes do resgate dos sobreviventes do que o filme Alive, de 1993. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Mas uma das questões que o filme de Bayona não traz é a reação do público sobre as notícias envolvendo o canibalismo praticado pelos sobreviventes do desastre. Os sobreviventes tentaram manter esse segredo pelo máximo de tempo que puderam. No início, eles contaram esse fato apenas para familiares. Na versão oficial, eles teriam sobrevivido comendo as provisões do avião e matérias vegetais que eles encontraram nas montanhas. Quando a notícia do canibalismo espalhou-se, eles fizeram uma coletiva de imprensa para falar sobre o assunto. Muitas pessoas do público então ficaram horrorizadas com a história, o que levantou discussões sobre o tema da moral em situações de busca por sobrevivência em ambientes extremos.

Diferente do que é mostrado no filme Alive, de 1993, quando os sobreviventes descobrem que estão sendo resgatados pelo som dos helicópteros chegando, La Sociedad de la Nieve aproxima-se mais da realidade ao mostrar que os sobreviventes ficaram sabendo através das notícias no rádio que seus colegas tinham sido resgatados. Com isso, eles conseguiram se preparar para o resgate. Mas, diferente do que o filme mostra, os 14 sobreviventes que ficaram perto de uma parte da aeronave não foram resgatados todos de uma vez. Como não havia espaço suficiente para todos eles nos helicópteros, parte foi resgatado em um dia e parte apenas no dia seguinte. Uma parte da equipe de resgate ficou com eles nos destroços do avião, enquanto uma outra parte preferiu acampar em uma barraca do lado de fora.

Algo interessante sobre essa história e que não fica tão evidente quando assistimos La Sociedad de la Nieve. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Fica claro, assistindo ao filme, que os sobreviventes do desastre aéreo não tinham ideia onde eles estavam, onde tinham caído. Ok. Mas algo interessante e que não sabemos ao ver ao filme é que os sobreviventes primeiro viajaram para a direção oeste porque eles acreditavam que tinham caído no Chile. O problema é que eles ainda estavam na Argentina. Ou seja, se eles tivessem caminhado para a direção leste, em uma distância muito menor eles teriam chegado até um hotel abandonado que teria oferecido um abrigo melhor do que eles tinham nos destroços da aeronave. Além disso, o hotel levava até uma estrada que corria ao lado de um rio e que teria facilitado para eles chegarem na cidade mais próxima. Hoje, esse mesmo hotel serve como um ponto de transição para quem vai de carro ou à pé até o local do acidente e os monumentos relacionados com ele.

Um outro ponto interessante do filme envolve algumas participações especiais na produção. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Três dos sobreviventes do desastre aéreo fazem aparições rápidas no filme. Fernando Parrado aparece bem no início do filme, abrindo uma porta no aeroporto. Roberto Canessa aparece no final da produção como um médico que recebe os sobreviventes. Carlos Perez interpreta seu pai, o conhecido artista Carlos Paez Vilaro, que já morreu. Ele anuncia a lista de sobreviventes para a rádio por telefone. Muito bacanas essas participações especiais.

La Sociedad de la Nieve não deixa claro, na verdade, o que aconteceu para que aquele voo terminasse em tragédia. Pois bem, as notas de produção explicam isso. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Quem conduziu o voo foi o copiloto, que estava meio que fazendo um treinamento sob a orientação do piloto. Pois bem, esse copiloto acreditava que tinha cruzado com a aeronave uma determinada passagem na montanha que funciona como um tipo de ponto que determina que, a partir dali, o avião pode começar a descer em direção à próxima cidade chilena. O problema é que o copiloto e o piloto não conseguiram confirmar esse posicionamento com os instrumentos que eles tinham e não conseguiram fazer isso de forma visual por causa das cobertura de nuvens que estavam presentes no local naquele dia. Foi desta forma que eles perderam o controle e, estando em local que eles não imaginavam estar, acabaram colidindo a aeronave. Por isso também que os sobreviventes erraram ao achar que eles já estavam no Chile quando, na verdade, eles ainda estavam na Argentina.

La Sociedad de la Nieve recebeu a nota 7,9 no site IMDb. Uma nota interessante para o padrão do site. No site Rotten Tomatoes, o filme aparece com um nível de aprovação de 90%, fruto de 117 críticas positivas e de 13 críticas negativas. Além disso, o filme apresenta a nota média 7,8 no mesmo site. No site Metacritic o filme não foi tão bem. Ele apresenta o “metascore” 71, fruto de 23 críticas positivas e de oito críticas medianas.

La Sociedad de la Nieve é uma coprodução da Espanha com o Chile, o Uruguai e os Estados Unidos.

O diretor espanhol J.A. Bayona, nascido em Barcelona, na Espanha, tem 49 anos e 23 produções no currículo como diretor. Ele estreou na direção com o curta Mis Vacaciones em 1999. Desde então, ele rodou cinco longas, incluindo o mais que interessante El Orfanato, de 2007, comentado aqui no blog. Além desses longas, ele dirigiu sete vídeos musicais, cinco curtas, quatro vídeos e duas séries de TV. Considero Bayona um dos grandes diretores da “nova geração” do cinema espanhol. Fico feliz por ele ganhar essa evidência e, francamente, estou torcendo por ele.

Para quem achou, como eu, que faltou um pouco de contextualização sobre o que causou o acidente em La Sociedad de la Nieve, vale dar uma conferida neste conteúdo da National Geographic que não apenas aborda o que causou o acidente como outros fatos marcantes dessa história. Para quem quer saber um pouco mais sobre o trabalho de preparação de Bayona, vale dar uma olhada neste conteúdo da BBC.

CONCLUSÃO

Um filme potente, emocionante, que resgata uma história formidável. Essa história já foi contada de diversas maneiras e em diferentes formatos, mas nunca com a potência que vemos em La Sociedad de la Nieve. Uma produção que dá um show de técnica, que mostra o que de melhor o cinema pode apresentar em termos visuais, sonoros e de narrativa, e que nos entrega também um roteiro excelente, com atuações condizentes e convincentes. Achei o resultado, simplesmente, irretocável. Além de ser envolvente e competente, esse filme nos faz pensar e admirar. Um dos grandes títulos dessa temporada, sem dúvidas.

PALPITES PARA O OSCAR 2024

Quando a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood divulgou, no dia 21 dezembro, os filmes que avançaram em 10 categorias da premiação de 2024, vimos que La Sociedad de la Nieve pode surpreender sendo indicado algumas vezes. Isso não é muito comum quando estamos falando de filmes que não são falados na língua inglesa.

Sim, verdade que desde Parasite (comentado por aqui) temos uma mudança importante no histórico do Oscar neste quesito mas, ainda assim, são poucos os filmes estrangeiros que emplacam em várias categorias do Oscar. E isso pode acontecer com La Sociedad de la Nieve neste ano – assim espero e estou na torcida desde já.

Das 10 “listas curtas” divulgadas pela Academia, La Sociedad de la Nieve aparece em quatro das seis listas possíveis – as outras categorias estavam relacionadas com curtas ou documentários. O filme espanhol avançou entre os semifinalistas nas categorias Melhor Filme Internacional, Melhor Maquiagem e Cabelo, Melhor Trilha Sonora e Melhores Efeitos Visuais.

Claro que o filme ter aparecido nestas listas curtas não quer dizer que ele realmente vai emplacar uma indicação nestas quatro categorias. Mas ele avançar entre os semifinalistas já é um bom sinal. Quando observamos como andam as bolsas de apostas, La Sociedad de la Nieve aparece entre os possíveis finalistas apenas nas categorias Melhor Maquiagem e Cabelo e Melhor Filme Internacional, aparecendo na sexta posição entre os possíveis indicados em Melhores Efeitos Visuais.

Aparentemente, segundo os apostadores e as listas de semifinalistas divulgadas pela Academia, La Sociedad de la Nieve terá como seu grande concorrente no ano The Zone of Interest. Os dois estão disputando vagas entre os finalistas e são as produções mais cotadas na categoria Melhor Filme Internacional.

Ainda não assisti a The Zone of Interest mas, desde já, devo dizer, estou na torcida por La Sociedad de la Nieve. Se não para ele ganhar todos os prêmios possíveis, para ser indicado na maior parte das categorias possíveis. Honestamente, acho que o filme deveria não apenas ser indicado na categoria Melhor Filme Internacional, mas também figurar entre as 10 produções indicadas como Melhor Filme, assim como ser indicado em Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direção, Melhor Maquiagem e Cabelo, Melhor Trilha Sonora, Melhores Efeitos Visuais e o que mais quiserem inventar para ele.

Tenho que assistir aos outros filmes que chegam com força no Oscar deste ano mas, desde já, estou na torcida por La Sociedad de la Nieve. Não apenas pela qualidade da produção, mas por ser o representante da Espanha, meu segundo país do coração, no Oscar. Espero que diversas indicações para o filme deem ainda mais visibilidade para esta produção, para que mais pessoas confiram essa história muito bem narrada, impactante, emocionante e que ainda nos faz pensar sobre como nos portaríamos e o que faríamos no lugar daquelas pessoas. Espero que o Oscar dê uma boa visibilidade para esta produção, porque ela merece.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

3 respostas em “La Sociedad de la Nieve – Society of the Snow – A Sociedade da Neve”

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