As mulheres mais ambiciosas do ambiente corporativo ganharam, finalmente, um filme para homenageá-las. Passion recria em parte um dos maiores clássicos do cinema, All About Eve, ao mostrar a conturbada relação entre uma chefe poderosa e uma pupila que aprende rápido sobre os jogos de poder e de sedução. Mas as comparações entre os filmes terminam aí. Porque Passion não tem a qualidade de roteiro ou mesmo uma dupla de protagonistas como o clássico dirigido por Joseph L. Mankiewicz. Ainda assim, esta é uma produção curiosa pela ousadia de Brian De Palma, claramente obcecado com a ideia de levar até os extremos o confronto entre diferentes mulheres – inclusive no quesito sexual.
A HISTÓRIA: Close na maçã da Apple. E a lente vai ampliando o foco. Então vemos a executiva Christine Stanford (Rachel McAdams) ao lado de Isabelle James (Noomi Rapace). Elas estão atentas a um vídeo no computador que mostra o novo smartphone da Panasonic, preparado para resistir inclusive a um mergulho na água. Elas concordam que o vídeo está ótimo e que será um grande desafio para elas, que devem pensar em algo à altura para um novo lançamento de smartphone. Enquanto Christine se esbalda em mais uma noite quente com Dirk Harriman (Paul Anderson), Isabelle vai para casa trabalhar e, durante a noite, ela tem um “insight” decisivo. Ela cria um vídeo inovador junto com a sua ajudante, Dani (Karoline Herfurth), o que dá início a uma disputa pelos holofotes e pelo poder entre Christine e Isabelle.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Passion): Um filme pode ser ganho ou perdido por causa dos atores. E do roteiro, é claro. Por isso mesmo conseguir um filme excepcional é tão difícil. Afinal, todos os elementos que o compõe devem funcionar com perfeição para atingir o objetivo proposto – ou algo totalmente diferente, mas acima da curva.
Passion tem o estilo muito próprio de Brian De Palma, esse diretor norte-americano prestes a completar 73 anos (no dia 11 de setembro) que ajudou a construir o cinema dos Estados Unidos a partir dos anos 1970. Mas, infelizmente, esta nova produção após um hiato de cinco anos do diretor não chega aos pés de suas obras-primas.
Para começar, o filme tem um grande problema: a maioria de seus atores tem um desempenho apenas razoável. Exceto por Rachel McAdams, claramente a mulher que rouba a cena nesta produção. Mas a exemplo do já citado All About Eve, quando a fantástica Bette Davis teve um contraponto importante e à altura em Anne Baxter, em Passion faltou o “outro lado da moeda” para o papel de McAdams. Noomi Rapace se esforça, é verdade, mas não consegue convencer em muitas cenas, quando ela tem apenas uma interpretação maniqueísta – faltando aquele detalhe que faz com que a gente acredite que ela mesma acredita em suas falas e atos como atriz.
O resultado é que a queda de braços entre McAdams e Rapace fica “bamba”. Sem profundidade dramática nas interpretações centrais, o que resta é explorar a tensão sexual. Bem pensado, De Palma. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Neste quesito, Passion é um dos filmes com conotação lésbica mais contundente dos últimos tempos. Afinal, ele não está nem na categoria de pornô, nem na de filmes criados para o segmento LGBT. Esta é uma produção do mainstream que resolveu apostar as suas fichas na tensão sexual e na relação afetiva entre mulheres. E neste filme há gosto para todas, porque há tanto a personagem lésbica assumida, como é o caso de Dani, quanto aquela que parece ter a preferência bissexual (Christine) e a que flerta com mulheres porque é conveniente, mas que é heterossexual (Isabelle).
Normalmente, como vocês sabem, eu não costumo colocar fotos das produções no meio dos textos publicados no blog. Mas neste caso, me vi obrigada. Porque vejam a expressão do diretor De Palma nesta imagem. Ele parece um pouco alucinado, não? 🙂 E me parece que, de fato, De Palma se divertiu muito com estas belas mulheres, não? E estes parecem ser os motes principais de Passion: a obsessão pela beleza, pela tensão/atração sexual e pela disputa pelo poder entre mulheres.
Muita gente vai se divertir com o mise-en-scène cheio de malícia do roteiro de Brian De Palma baseado no trabalho feito no filme Crime d’amour, com roteiro de Natalie Carter e Alain Corneau. Mas eu não tenho dúvidas de que a diversão seria maior se o elenco fosse um pouquinho mais talentoso. Volto a dizer que achei Rapace maniqueísta em muitos momentos, e Karoline Herfurth, assim como Paul Anderson, conseguem ser ainda mais superficiais. Não senti firmeza em nenhum deles, diferente de Rachel McAdams que, sem dúvidas, é o melhor da produção.
Não lembro de ter assistido a um triângulo amoroso feminino e, ao mesmo tempo, a um outro triângulo amoroso, agora com um homem e duas mulheres no meio, em uma mesma produção. E isso acontece em Passion. A criatividade do roteiro com o triângulo feminino (ainda que ele foi apenas sugerido) e a ousadia de tratar de forma tão aberta os perigos de gente extremamente ambiciosa no ambiente corporativo fazem o filme ter o seu valor. Mas, como sempre, faltaram cenas mais abertas do envolvimento entre as mulheres – a provocação fica estrita, quase que totalmente, a alguns beijos. Então a “ousadia” é relativa.
Além do desempenho dos atores, o que me incomodou mesmo na produção foi o desfecho. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). A partir do momento em que Dani descobre que os remédios que Isabelle estavam tomando eram falsos, não passavam de placebo, ficou evidente que o plano estava todo armado. Então a “reviravolta” final só deve surpreender os pouco atentos. E que difícil acreditar naquela história de que Dani filmou toda a ação de Isabelle e que teria escondido o “celular maquiavélico” em local tão óbvio, não? Sem contar que, tendo sido comprado para apenas aquele propósito (de guardar as provas do crime), como aquele aparelho poderia ser “acionado” por alguém? Quem conheceria aquele número? Beeeeeem improvável aquele desfecho e, por isso, para mim, frustrante.
No mais, acho que Passion tem alguns bons momentos. O vídeo criado por Isabelle e Dani foi, realmente, uma grande sacada. Assim como o jogo muito bem dirigido pelo diretor entre as cenas do balé e da casa de Christine. Muitos filmes usaram o recurso de dividir a narrativa em duas telas em que ações simultâneas se desenvolvem. Mas De Palma fez um pouco diferente desta vez, tornando o recurso novamente interessante – e sem parecer repetitivo. Também gostei das cenas provocativas entre as protagonistas, a maioria delas convincente. Apenas por estes fatores e porque o exagero da produção acaba sendo até divertido, é que eu resolvi dar a nota abaixo. Afinal, é preciso manter viva a capacidade de rir dos estereótipos do cinema quando eles são bem explorados, ainda que a produção tenha vários defeitos.
NOTA: 7.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: A autoironia de Passion ficou evidente, para mim, desde os primeiros minutos. Começando pela trilha sonora exagerada de Pino Donaggio. Por algum tempo, seja por essa trilha, seja pelo roteiro dramático, me lembrei do estilo exagerado do diretor espanhol Pedro Almodóvar. Se o filme fosse dele, a nota teria sido maior. Porque a produção teria feito mais sentido dentro da filmografia de Almodóvar.
Não é em todo momento que Noomi Rapace decepciona como atriz. Há cenas em que ela está muito bem. Especialmente quando faz aquele duelo provocativo com Rachel McAdams. Mas toda vez que ela precisa entrar mais nos “sentimentos” da personagem, especialmente quando começa a se decepcionar com o personagem de Paul Anderson, o nível dramático da atriz se mostra comprometido. As cenas de descontrole emocional mesmo… difíceis, beeeem difíceis. Infelizmente ela é uma pessoa muito importante para o filme, o que acaba comprometendo o resultado final. Acredito que ela deve se dar melhor em filmes de ação do que em produções em que o trabalho dramático é maior.
Como eu disse antes, Rachel McAdams carrega o filme. Mas mesmo ela tem momentos difíceis na produção. Por culpa do roteiro, evidentemente. Como na sequência em que ela “surpreende” (mesmo? aquela cilada estava mais que prevista, convenhamos) Isabelle com o vídeo que ela fez com Dirk.
Mas se o roteiro de Passion tem vários defeitinhos cruciais, a direção de Brian De Palma é outro fator importante para esta produção ter a qualidade que tem. Ou, em outras palavras, é o ponto forte do filme junto com McAdams. De Palma sabe valorizar o trabalho dos atores, assim como os cenários e, o que é bacana, os recursos tecnológicos disponíveis em qualquer ambiente corporativo. Ele tem boas sacadas na forma de narrar a história, ajudando o filme a ter o ritmo correto – e a não causar sono nos espectadores.
Quem está mais obcecado pelo outro neste filme? O páreo é duro. O filme me fez lembrar um pouco os versos de Drummond no poema Quadrilha. Só que Passion não chega a ter seis personagens centrais, como na obra do poeta. 🙂
Para funcionar com estilo, além de uma trilha sonora bem temperada, Passion fez uso da competente direção de fotografia de José Luis Alcaine e da edição de François Gédigier, fundamentais para dar ritmo e garantir um bom visual para a produção. Além deles, vale destacar o design de produção de Cornelia Ott, a direção de arte de Astrid Poeschke, a decoração de set de Ute Bergk e os figurinos de Karen Muller Serreau. A boa sintonia entre estes últimos elementos é fundamental para Passion ter um estilo interessante.
Uma curiosidade sobre esta produção: Dominic Cooper tinha topado fazer o papel de Dirk Harriman, mas acabou caindo fora do filme. Acho que ele teria se saído melhor que o fraquinho – mas muito bonito, como manda este filme em que a beleza é fundamental – Paul Anderson.
Este é o sétimo filme dirigido por De Palma com uma trilha sonora do italiano Pino Donaggio. A primeira colaboração entre eles foi feita no clássico Carrie. O filme de 1976 foi o quinto trabalho de Donaggio, que tem impressionantes 193 trilhas compostas até o momento – incluindo longas, curtas e séries de TV.
Passion teria custado US$ 30 milhões. Impressionante, não? Duvido muito que ele consiga lucrar muito, apesar de ter nomes como De Palma e Rachel McAdams à frente.
Esta produção estreou em setembro do ano passado no Festival de Veneza. Depois, passou por outros quatro festivais. Chegou a ser indicada ao Leão de Ouro de Veneza, mas perdeu a disputa para Pieta, do diretor sul-coreano Ki-duk Kim.
Para quem gosta de saber sobre o local em que os filmes foram rodados, Passion foi totalmente dirigido na Alemanha, na cidade de Berlim.
Além dos atores já citados, vale comentar o trabalho de Rainer Bock como o inspetor Bach, a ponta de Benjamin Sadler (mais um belo homem) como o promotor de Justiça, Michael Rotschopf como o advogado de Isabelle, e Dominic Raacke como J.J. Koch, o chefão “da firma” a quem todos querem impressionar. Gostei muito dos bailarinos que aparecem em cena também, por isso vale citá-los: Polina Semionova e Ibrahim Öykü Önal.
Os usuários do site IMDb deram a nota 5,4 para Passion. Uma nota ruim, evidentemente. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes se dividiram: o site traz 10 críticas positivas e 10 negativas, o que garante uma aprovação de 50% para a produção e uma nota média de 5,9. Ninguém conseguiu passar do 6.
Passion é uma coprodução França e Alemanha.
CONCLUSÃO: Tenho quase certeza que a maioria das pessoas que assistirem a este filme vão achá-lo ruim. Eu mesma demorei um tempo para saber o que eu realmente tinha achado de Passion. O tempo todo, enquanto a produção se desenrolava, eu buscava encontrar paralelo no passado do diretor Brian De Palma. E foi difícil ver este filme como uma peça da filmografia deste diretor, normalmente mais acostumado a temáticas sérias ou a resultados melhor trabalhados do que este. A impressão que ficou é que De Palma quis chocar em um filme claramente – e me parece propositalmente – exagerado e que acaba parecendo uma autoironia do gênero que ele mesmo trabalhou bem no passado.
Mas a grande questão, como eu sempre me pergunto quando escrevo uma crítica, é: funciona? A estratégia do diretor de nos envolver ao contar uma história, buscando fazer algo diferente em relação à própria filmografia, surtiu um efeito interessante no espectador? Passion não é um filme chato. Tem atores razoáveis – descontados os casos já citados, faz rir pelo excesso em muitos momentos, mas é previsível demais. Certo que desta vez parece que a preocupação principal do diretor foi outra, a de tirar sarro de si mesmo. Mas ainda assim… O trejeito maniqueísta da atriz que protagoniza esta produção e a previsibilidade do desfecho atrapalham o produto final. Nem de longe este pode ser considerado o filme mais brilhante de De Palma, um diretor que teve o ponto alto de sua carreira nos anos 1970 e 1980. Passion entra apenas no rol de produções medianas, com alguma pitada de estilo, uma ou duas sacadas bem feitas, e só. Nada revolucionário ou que faça pensar além do período da projeção.
2 respostas em “Passion – Paixão”
Republicou isso em O LADO ESCURO DA LUA.
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Foi a melhor critica que li do filme e por isso ja virei seguidora da pagina!
Também achei que o filme só valeu a pena pela Rachel McAdams mesmo, ela levou o filme nas costas! É uma grande atriz e eu sou uma fã assídua dela!
O filme, pra mim,como disse acima, só vale a pena ser assistido por causa da Rachel mesmo,também achei os outros atores muito fraquinhos e o roteiro idem!
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