Finalizo a sequência de três posts sobre os curtas-metragens que estão concorrendo ao Oscar 2017 com este texto sobre os curtas de documentário que estão na disputa de uma estatueta dourada neste ano.
Agora falta pouco para a grande premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Devo começar a cobertura sobre a premiação acompanhando o tapete vermelho da premiação neste domingo, dia 26 de fevereiro, a partir das 20h.
Diferente dos dois últimos anos, quando cobri a entrega do prêmio pelo jornal em que eu trabalho, o Notícias do Dia, neste ano volto a fazer a cobertura exclusivamente pelo blog. Sem querer, será um presente bacana para todos nós, que estamos juntos por aqui há quase 10 anos – em agosto o blog celebra uma década de publicações.
Como vocês bem sabem, eu defendo a produção de curtas. Apesar das três categorias de curtas do Oscar serem as menos badaladas e conhecidas da premiação, sempre vale acompanhar este tipo de produção porque elas não apenas apresentam histórias interessante como também introduzem grandes nomes que vamos acompanhar depois como “novos diretores” de longas.
Após comentar sobre os curtas de animação e sobre os curtas de ficção que vão concorrer ao Oscar deste ano, chegou a hora de falar dos curtas de documentário na disputa. Confiram:
1. Extremis
O diretor Dan Krauss chega à sua segunda indicação ao Oscar com o curta Extremis, uma produção americana que se aprofunda na dor e nas outras emoções que acompanham cada decisão de colocar o fim na vida de um familiar ou amigo no hospital.
A produção acompanha a rotina de médicos, pacientes e de seus familiares em uma UTI hospitalar na fase final da vida de diversas pessoas. Assistindo ao trailer do curta, que está logo abaixo, percebi o quanto o tema é importante e forte. A produção da Netflix está ambientada no Highland Hospital e mostra a realidade complicada que envolve a morte.
É fato que todos nós vamos morrer. Esta é a única certeza que temos na vida. Mas encarar a morte de um familiar querido nunca é fácil. Dizer adeus e deixar a pessoa partir é complicado, mas necessário. Achei muito interessante e importante o tema de Extremis, produção que tem 24 minutos de duração.
Antes de dirigir este curta, Dan Krauss tinha apenas um outro curta documentário no currículo, The Life of Kevin Carter, de 2004, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar em 2006. Depois ele fez dois documentários para a TV e mais o documentário The Kill Team. Por aqui, por enquanto, há uma versão do curta na íntegra.
Depois de assistir ao trailer, consegui ver a produção na íntegra. Realmente é um curta muito bem feito. O diretor se debruça em um punhado de histórias, como as de Donna, Selena, um morador de rua que não tem ninguém próximo para ajudar a tomar decisões, e outros pacientes que acabam não sendo identificados por créditos no curta.
Acompanhamos médicos e enfermeiros, alguns deles questionando o quanto estão ajudando ou apenas prolongando a dor de pacientes que vão morrer de qualquer forma. Na parte das famílias, vemos pessoas mais preparadas para darem o melhor “final” possível para os seus familiares e aqueles que estão esperando por um milagre.
A trilha sonora de Justin Melland é bastante pontual, mas entra em uma parte fundamental do curta, com muitas história se intercalando. Delicado e muito bem feito, Extremis merece estar no Oscar.
2. 4.1 Miles
Este curta com 26 minutos de duração e dirigido por Daphne Matziaraki conta a história de um capitão da guarda costeira grega que trabalha em uma pequena ilha e que acaba tendo a vida mudada quando se depara com centenas de refugiados que caíram no mar. A produção americana mostra como ele atua para salvar o máximo de pessoas que ele consegue.
A temática é mais do que atual, porque o mundo vive este drama humano sem precedentes. Enquanto escrevo estas linhas, milhões de refugiados estão tentando sobreviver em diversas partes do mundo, obrigados a sair de suas terras natais para buscar uma alternativa longe de casa. Muitos morrem nesta busca.
Assistindo ao trailer de 4.1 Miles, achei forte tanto as imagens quanto a premissa. A trilha sonora de William Ryan Fritch é vigorosa, e o ritmo do filme parece ser bastante interessante, mostrando tanto a vida do vilarejo quanto das pessoas que, da noite para o dia, se vêem frente a um drama humano sem paralelo.
Também consegui assistir ao curta completo. O filme tem uma direção primorosa de Daphne Matziaraki. Ela tem um olhar diferenciado sobre tudo o que acontece ao redor dela. Depois de um resgate de refugiados, o protagonista desta história fala sobre o primeiro resgate que eles fizeram, em 2001, e como aquilo marcou uma mudança definitiva na história dele e de todos daquela ilha grega.
Ele comenta como, em 2015, quando o curta é rodado, a realidade deles é muito diferente. Chama a atenção a grande quantidade de mulheres e crianças entre os refugiados tirados da água. De forma muito sensível, a diretora mostra como a vida daqueles pessoas é tranquila, mas que 10 deles trabalham para resgatar 200. Algo impressionante, realmente.
No segundo resgate mostrado no curta, é de cortar o coração o desespero das pessoas, a maioria com filhos pequenos. Um dos socorristas, mesmo não tendo conhecimento médico, batalha para salvar pessoas que caíram no mar e que precisam de primeiros socorros. A diretora mostra ele fazendo isso com duas crianças. É angustiante.
Acho bacana que um filme como este, diferenciado e mais que necessário, chegue até o Oscar. Mas apesar dele ter sido indicado, os especialistas e as bolsas de apostam colocam 4.1 Miles como a zebra na disputa. Ele estaria correndo totalmente por fora para conquistar a estatueta. Uma pena.
No final do curta, a diretora nos informa que entre 2015 e 2016 nada menos que 600 mil imigrantes cruzaram as 4,1 milhas (daí o nome do curta), equivalente a 6,6 quilômetros, de mar que separam a Turquia da ilha grega de Lesbos.
3. Joe’s Violin
O curta americano Joe’s Violin tem 24 minutos de duração e conta a história de um sobrevivente do Holocausto que aos 91 anos de idade resolve doar o seu violino para uma escola de música do Bronx. Esta doação acaba mudando a vida de uma estudante e, de forma inesperada, a do próprio Joseph Feingold.
A produção é dirigida por Kahane Cooperman, praticamente uma estreante. Antes deste curta ela tinha dirigido apenas Making ‘Dazed”, um documentário em vídeo de 50 minutos sobre os bastidores de Dazed and Confused. Ou seja, ela estreia na direção de Joe’s Violin sendo, segundo especialistas e bolsas de apostas, a favorita para o Oscar de Melhor Curta Documentário.
Assistindo ao trailer, realmente achei muito interessante a produção. Ela mistura a história sempre forte do Holocausto, tema caro para os votantes da Academia e fundamental na vida do protagonista do curta, com a realidade da garota que acaba recebendo a doação do violino e que tem, por sua própria conta, outros desafios.
Depois do trailer, consegui assistir também ao curta. Foi aí que eu vi a bela direção e as grandes sacadas de Kahane Cooperman neste curta. Ela conta a história do sobrevivente do Holocausto mas, também, da cidade em que ele mora atualmente, Nova York, fazendo paralelo com as suas origens e trajetória. A edição de Amira Dughri e Andrew Saunderson é ótima.
E a trilha sonora, claro, é um dos destaques de Joe’s Violin. Aplausos para o trabalho de Gary Meister, nessa trilha, e também para o diretor de fotografia Robert Richman. Joe’s Violin realmente tem um ritmo exemplar, e a história de Joseph, com ele contando sobre como a música era importante para a sua família, é de arrepiar.
Ele comenta que tocou violino até a Segunda Guerra Mundial começar. E depois segue a narrativa do que aconteceu com ele e a família durante o conflito. Junto com o pai, Joseph fugiu para a área ocupada pelos russos e, ao lado de outros jovens, foi enviado por trem para a Sibéria. Nesta parte, o resgate histórico do curta é muito preciso e bem feito.
Mas ele não leva muito tempo. Logo Joe’s Violin parte para contar a história de como o violino doado por Joseph teve um destino especial. Ele foi para uma escola só de meninas que são filhas de imigrantes. Como bem define uma das entrevistadas da produção, todas aquelas meninas são sobreviventes, assim como o próprio Joseph.
O violino dele acaba sendo doado para Brianna, uma menina que tem a história contada neste curta. De forma inteligente a diretora mescla as duas histórias e promove, como esperado, o encontro dos dois. Um dos grandes ganhos de Joe’s Violin, para mim, não foi apenas apresentar a história de dois sobreviventes, mas mostrar como um gesto simples quanto doar algo que você não está usando mais pode modificar para melhor a vida de outra pessoa.
E, o que é mais bonito em tudo isso, doar algo ou a si mesmo não muda apenas a vida de quem ganha/recebe o que se está oferecendo, mas também muda a vida de quem faz este gesto. Uma bela mensagem, sem dúvida. E um belo curta. Mais uma boa escolha dos votantes da Academia.
4. Watani: My Homeland
Este curta inglês dirigido por Marcel Mettelsiefen tem 40 minutos de duração e conta a história da luta de uma família para sobreviver em meio à guerra na Síria. Após perder o marido, a mãe de família acaba decidindo deixar o seu lar para tentar, com este gesto doloroso, buscar um local melhor e mais seguro para os seus filhos.
Filmado no decorrer de três anos, Watani: My Homeland segue a trajetória desta família desde Aleppo e até uma pequena cidade na Alemanha. De acordo com as notas da produção, “escapar do caos e do terror de sua pátria destruída pela guerra acaba sendo um catalisador para um outro tipo de luta, aquela de compreender o próprio passado e de aceitar o presente, elementos fundamentais para a adaptação a uma nova vida, para manter a esperança e a ideia de pertencer a um lugar”.
Vamos combinar que apenas essa sinopse já dá arrepios, não? Afinal, a guerra na Síria e os milhares (ou milhões?) de refugiados que ela já provocou é o grande tema dos nossos tempos. Achei fundamental o diretor ter dedicado três anos de sua vida para contar essa história. Afinal, se queremos conhecer a fundo o que passa uma família de imigrantes que tem que deixar a sua terra e buscar oportunidades muito longe de casa, é preciso tempo, calma, e acompanhá-los de perto por um bom período.
O trailer de Watani: My Homeland mostra Faraha, uma das componentes da família que busca uma oportunidade de sobreviver longe de casa caminhando pelas ruas de Goslar, na Alemanha. Vemos ela no colégio, claramente tentando se adaptar ao local. Daquela sequência tranquila em terra alemã, voltamos para um cenário de caos, tiros e destruição. É impactante ver as crianças com fuzis nas mãos caminhando com eles como se fosse algo normal.
Eu gostaria de assistir ao curta inteiro, mas apenas o trailer me deixou arrepiada. Para mim, entre as produções na disputa que eu vi até agora, este parece ser o curta mais impactante. Antes de filmar este curta, Marcel Mettelsiefen tinha dirigido a cinco filmes e episódios de séries documentários para a TV. Quase todos “subprodutos” desta produção.
O primeiro documentário para a TV que ele lançou foi Syria: Children on the Frontline, que foi ao ar em 2014. Depois ele lançou Dancing in the Danger Zone, episódio da série de TV Unreported World, também em 2014; Children of Syria e Syria’s Second Front/Children of Aleppo, dois episódios da série de TV Frontline; o filme para a TV Children on the Frontline: The Escape, lançado em 2016, e Slum Britain: 50 Years On, documentário para a TV que foi lançado também em 2016. Com Watani: My Homeland ele recebe a primeira indicação da carreira em um Oscar.
5. The White Helmets
O curta inglês com direção de Orlando von Einsiedel tem 41 minutos de duração e conta a história do grupo de socorristas “indomável” que todos os dias arriscam as suas vidas para tentar salvar civis nos escombros dos ataques aéreos que destroem a Síria.
The White Helmets é mais uma produção na disputa neste ano com o selo do Netflix. Assisti a duas matérias que falam sobre o curta. Esta questiona a produção e também o trabalho dos “white helmets”. Mas, por se tratar de uma reportagem russa, é preciso ter um pezinho atrás com ela, não?
Por exemplo, neste material um participante do grupo diz que ele se inscreveu para ajudar civis mas que, ultimamente, está trabalhando como “ator” para o grupo em sequências fake. Mas quem nos garante que este depoimento dele é legítimo, dado por espontânea vontade e não sob tortura e cheio de mentiras? Guardo o meu direito de sempre desconfiar dos russos.
Também há uma confusão envolvendo outro curta, que se chama Syria’s White Helmets, dirigido por Nagieb Khaja. Acho que é deste curta que a matéria russa está falando. O curta de Khaja realmente parece um tanto fake. Mas não é este curta que está concorrendo ao Oscar, e sim o filme de Orlando von Einsiedel. Esta é a segunda indicação dele ao Oscar. Com 15 produções no currículo como diretor, von Einsiedel concorreu, em 2015, ao Oscar com o documentário Virunga.
Ele é um documentarista. Tem no currículo sete curtas documentário, três documentários feitos para a TV e dois documentários feitos para o cinema, além de dois episódios de uma série de TV e um curta de ficção. Assistindo ao trailer do curta, gostei do estilo do diretor, do cuidado dele com os detalhes, assim como gostei da trilha sonora de Patrick Jonsson. A direção de fotografia de Franklin Dow, Fadi Al Halabi, Hassan Kattan e Khaled Khateeb também é um ponto fundamental da produção.
Não assisti ao curta, então não é o mesmo que falar de um dos outros que eu assisti inteiro. Mas me parece que esta produção trata de um tema fundamental e teve muito risco para ser feita. Apenas por isso The White Helmets já merece os parabéns e a indicação ao Oscar. É mais uma história fundamental sobre toda esta tragédia humanitária envolvendo a Síria que precisava ser contada.
PALPITES PARA O OSCAR 2017: Grande safra de curtas documentário em disputa. Fiquei impressionada. Nenhuma das histórias acima parece forçada ou deslocada do lugar. Três das cinco produções eu consegui assistir na íntegra, e mesmo as duas que eu não consegui ver me impressionaram com os seus trailers.
As bolsas de apostas apontam para um favoritismo de Joe’s Violin. Na sequência aparece The White Helmets. A primeira história, é verdade, toca em um tema que a Academia costuma amar, que é a dos sobreviventes do Holocausto. O segundo curta narra a história de “heróis modernos” e reais, algo que o Oscar também ama. Então, de fato, parece que estes dois curtas levam vantagem na disputa.
Ainda que eu entenda as razões deles serem favoritos e de eu achar que as duas produções tem diversos méritos para ganhar, admito que eu fiquei especialmente impressionada com Watani: My Homeland, pela força das imagens e da história e pela dificuldade do curta ser feito; e por 4.1 Miles e a delicadeza de sua narrativa e o olhar diferenciado de sua diretora.
Não assisti a todos os concorrentes na íntegra mas, até o momento, admito que a minha torcida seria por Watani: My Homeland. Acho que a narrativa desta produção é fundamental e lança uma luz diferenciada para um tema urgente e muito, muito atual. De qualquer forma, esta me parece ser uma categoria que não importa quem ganhar, qualquer vencedor entre os cinco na disputa vai levar o Oscar para casa com justiça. Grande safra.
Uma resposta em “Curtas Documentário Indicados ao Oscar 2017 – Avaliação”
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