Alguns filmes não conseguem fugir do óbvio. E pela proposta que eles têm, isso é meio que previsto. Esse é o caso de Tomb Raider, o novo filme sobre a personagem conhecida dos games e que retoma a origem de Lara Croft. Como um filme com esse perfil não terá exageros e “cenas impossíveis”? Como alguém que conhece a história da personagem não sentirá que está vendo, muitas vezes, trechos dos games na sua frente? Sim, Tom Raider é óbvio. Mas nem por isso ele deixa de ser um bom entretenimento.
A HISTÓRIA: Dia 17 de maio de 2009. Lord Richard Croft (Dominic West) conta a história de Himiko, uma “divindade” do Japão que ficou conhecida por usar magia negra e por matar exércitos com apenas um toque. Ela provocou muita desgraça, até que o seu próprio Exército a levou para uma ilha no Mar do Diabo para que ela fosse aprisionada lá. Mas Croft está obcecado em encontrá-la, e apenas lamenta ter que deixar a sua Lara para trás. Fim da animação que introduziu a lenda.
Em um ringue, Lara (Alicia Vikander) está dando o melhor de sim em um treinamento feroz. No fim, ela acaba sendo vencida. Falando com uma amiga, que diz que ela foi derrotada – ou massacrada -, Lara responde que não foi nada disso. O treinador lembra ela que ela está devendo, e que ninguém treina se não pagar. Saindo dali, Lara vai trabalhar como entregadora. Em uma entrega, fica sabendo de uma corrida de bikes. Como “lebre”, se ela escapar da perseguição, vai ganhar um dinheiro que lhe faz falta. Depois de se acidentar, ela é levada pela polícia, onde Ana Miller (Kristin Scott Thomas) lhe encontra. Em breve, a discussão sobre o pai de Lara a levará para locais distantes.
VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Tomb Raider): Inicialmente, esse filme não teria muitos atrativos para me chamar a atenção. Mas, entre os filmes que estavam em cartaz na semana passada, esse me pareceu o segundo mais atrativo – o primeiro foi o recentemente comentado por aqui Aus Dem Nichts. Depois, veio Tomb Raider.
Eu conheço e já joguei alguma das aventuras da senhorita Lara Croft. Então sim, conheço a personagem na sua versão original, dos games. Depois, assisti ao primeiro – e possivelmente ao segundo, mas não tenho certeza – filme da personagem estrelado por Angelina Jolie. Então sim, a história de Croft não é uma novidade para mim.
Esse filme, acredito, pode ser analisado sob duas óticas distintas: de pessoas com eu, que já conhecem a história da personagem tanto nos games quanto nos filmes anteriores; e a de pessoas que não tem esse conhecimento. Para o primeiro grupo, o filme é de uma obviedade gritante. Sim, não há nada realmente novo em cena.
O que temos, então, para destacar da produção? A competência nos efeitos especiais, o começo da história realmente bem feito e os ótimos atores em cena – com destaque especial para Alicia Vikander, uma Lara Croft bem mais interessante que Angelina Jolie. Gostei da pegada inicial da produção, em especial. O roteiro de Geneva Robertson-Dworet e Alastair Siddons e a direção de Roar Uthaug rejuvenesceram a personagem.
Assim, especialmente a Lara Croft que vemos em cena no início da história, parece conversar muito bem com os jovens da atualidade. Ela procura fazer o seu “caminho por sua própria conta”, trabalha como entregadora, participa de um “racha” de bikes, treina em uma academia e tem todos os predicados para ser uma jovem mulher com opinião forte e a clareza do que deseja ou não para si. Ou seja, o perfil de garota tão em alta nos nossos dias.
Por isso, aquele começo de Tomb Raider me pareceu bastante interessante. Especialmente a direção ágil e atenta aos detalhes de Uthaug. Depois, o filme mergulha um pouco demais no estilo Indiana Jones. Em vários momentos eu me senti assistindo a um filme estrelado por Harrison Ford no papel do arqueologista mais famoso do cinema. Além disso, claro, há cenas de ação “absurdas”, mas que são bastante típicas da personagem nos games.
Agora, o filme também pode ser assistido sob aquela segunda ótica, de quem não está familiarizado com a personagem. Para esse grupo, Tomb Raider é um filme atraente, movimentado, que apresenta algumas ideias já conhecidas de “aventura com requintes de arqueologia” e, principalmente, a velha busca da autoafirmação e das “pazes” com os pais – nesse caso, com o pai, porque nunca ouvimos falar da mãe de Lara Croft.
Então sim, assistimos a uma velha fórmula da menina que busca a admiração do pai – que, não por acaso, é uma figura ausente mas que vive no imaginário da “eterna criança” como alguém sempre marcante. Essa busca de Lara pela figura paterna, é um dos motes principais da história. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). No fim, ela encontra algumas respostas para as perguntas que tem, conhece um pouco mais de suas origens para, em seguida, e de forma muito rápida, ela logo romper o cordão umbilical.
Existe uma razão para isso acontecer. A personagem precisa ter aquela ausência do pai como uma motivação para os passos seguintes, assim como o compromisso de manter e preservar o legado do pai ausente. Tomb Raider foca na origem da personagem ao mesmo tempo que deixa claro que esta é apenas a primeira das muitas aventuras de Lara Croft.
O filme também apresenta uma “organização secreta” e que está espalhada por diversas partes do mundo. Ou seja, o típico elemento de “teoria da conspiração” que será importante para essa história despertar certo interesse no futuro. Tomb Raider, assim, cumpre bem o seu papel, seja por apresentar bem a personagem e as suas motivações originais como “aventureira”, seja por preservar boa parte da essência dos games.
Pena que Robertson-Dworet, Siddons e Uthaug tenham optado apenas por caminhos seguros e por referências que já conhecemos bem. Desta forma, eles tornaram Tomb Raider um filme seguro mas, ao mesmo tempo, nada ousado. Eles poderiam ter inovado mais, seja na forma, seja no conteúdo, para nos surpreender. Mas não.
Nada do que vemos em cena nos surpreende de fato. Apenas, talvez, a confirmação de algo que já suspeitávamos: que Alicia Vikander tem muito mais a ver com o papel do que outras atrizes que poderiam ter encarnado Lara Croft. Esse, ao menos, foi um belo acerto. Agora, é esperar os próximos filmes da grife para saber se alguém nos apresentará ao menos algo além do óbvio ou se seguiremos tendo “mais do mesmo” pela frente.
NOTA: 7,8.
OBS DE PÉ DE PÁGINA: Pelas características desta produção, um elemento que Tomb Raider deveria ter de destaque são os efeitos especiais e visuais. E, de fato, o filme atende bem as expectativas nesses quesitos. Como em praticamente todos os outros quesitos desta produção, os profissionais envolvidos nesses aspectos fazem um bom trabalho, mas nada além do esperado – e nada próximo de algo excepcional. Assisti ao filme na versão 3D e, como tantas outras produções recentes nesse formato, Tomb Raider não aproveita ao máximo esse recurso. Ou seja, você não perderá grande coisa se assistir ao filme em 2D mesmo.
Entre os aspectos técnicos dessa produção, vale então destacar os efeitos especiais que envolveram nove profissionais; a lista gigantesca que – chuto – deve ter contado com mais de 300 profissionais responsáveis pelos efeitos visuais de Tomb Raider. Sem esses efeitos, certamente não teríamos um filme frente aos nossos olhos – grande parte da produção depende dos efeitos visuais e especiais.
Além desses elementos, vale destacar a direção de fotografia de George Richmond; a edição de Stuart Baird, Tom Harrison-Read e Michael Tronick; a trilha sonora de Junkie XL; o design de produção de Gary Freeman; a direção de arte de Tom Brown, Anthony Caron-Delion, Claire Fleming, Simon Lamont, Tamara Marini, Tom Still e Alessandro TRoso; e os figurinos de Colleen Atwood e Timothy A. Wonsik; e a decoração de set de Raffaella Giovannetti e Maria Labuschagne.
Do elenco, o nome a destacar é realmente da atriz Alicia Vikander. Ela cai como uma luva para a personagem. Ela tem o estilo, o físico e a atitude perfeita para viver Lara Croft. Está muito bem em cena. Além dela, os destaques, pela importância dos personagens na história, são Dominic West como Lord Richard Croft, pai de Lara; Walton Goggins como Mathias Vogel, o chefe da missão escalada para encontrar a tumba de Himiko; Daniel Wu como Lu Ren, o piloto da embarcação que leva Lara para o seu desejado destino – e que acaba virando também o braço direito dela nessa missão; e Kristin Scott Thomas como uma esquisita Ana Miller, tipo de “gerentona” dos negócios do pai Croft.
Além deles, o veterano Derek Jacobi faz uma ponta como Mr. Yaffe, advogado da família Croft. Também vale citar a participação de Maisy De Freitas como a Lara Croft aos 7 anos de idade e de Emily Carey como a Lara aos 14 anos.
Tomb Raider estreou em première no dia 2 de março de 2018 em Berlim. No Brasil, assim como em grande parte do mundo, o filme estreou no dia 15 de março.
Agora, algumas curiosidades sobre essa produção. Tomb Raider é baseado na “reinicialização” da saga de Lara Croft feita nos jogos e lançada em 2013.
A atriz Alicia Vikander fez um grande esforço físico nessa produção porque ela queria que a sua interpretação fosse a mais realista possível da personagem. Entre outros detalhes, ela realmente estrela todas as cenas de ação e que exigem esforço físico. A atriz também era fã da história de Lara Croft nos games.
Especialmente a crítica não gostou muito de Tomb Raider. Os usuários do site IMDb deram a nota 6,9 para esta produção. O que, para os padrões do site, não está ruim. Mas os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 110 críticas positivas e 110 negativas para o filme, o que lhe garante uma aprovação de apenas 50% e uma nota média de 5,4. Os dois critérios são bastante baixos.
O site Metacritic, por sua vez, apresenta o “metascore” de 48 para Tomb Raider, utilizando 53 críticas para chegar nessa média. O “user score” do site está um pouco melhor, registrando 6,7 de média.
De acordo com o site Box Office Mojo, Tomb Raider teria custado cerca de US$ 94 milhões e faturado, nas bilheterias dos Estados Unidos, pouco mais de US$ 41,7 milhões até o dia 16 de março. Nos outros mercados em que o filme já estreou, ele teria feito outros US$ 170 milhões. Ou seja, até o momento, teria faturado cerca de US$ 211,7 milhões. Está conseguindo pagar as contas, tanto de produção quanto de distribuição, mas não está conseguindo aquele resultado maravilhoso que os realizadores idealizaram, certamente.
Tomb Raider é uma coprodução do Reino Unido com os Estados Unidos.
CONCLUSÃO: A história do surgimento da aventureira Lara Croft contada com alguns requintes de “modernidade”. Nesse filme, você não vai encontrar nada de original. Encontrará a essência da personagem, a sua origem, e lembrará, se tiver “bagagem” para isso, bastante dos filmes de Indiana Jones.
Se você conhece os games da personagem, também se sentirá em um deles, algumas vezes. No mais, tudo aquilo que já esperamos de um filme do gênero, mas com uma atriz que combina muito mais com o papel do que a anterior que encarnou o personagem. Um bom entretenimento, que só poderia ter aproveitado melhor o 3D para ficar um pouco melhor.