Um gesto simples, que para alguns pode parecer corriqueiro, mas para outros pode parecer um exemplo de honestidade que não encontramos mais. Ghahreman nos conta uma história simples na aparência mas muito interessante e importante abaixo da superfície. Um filme que nos faz refletir sobre os dias atuais, nos quais reputações são criadas e destruídas em segundos e através de muito compartilhamento nas redes sociais.
A HISTÓRIA
Um homem está sentado em uma cadeira no corredor. Ele é chamado pelo nome: Rahim Soltani (Amir Jadidi). Ele sai do presídio e corre para pegar um ônibus, mas o veículo sai antes dele chegar. Ele tenta pegar um táxi, sem sucesso. Depois, vemos ele chegando até um local ermo de táxi. Ele carrega uma bolsa grande. Soltani sobe muitos lances de escada, em um local histórico que está sendo reformado, para encontrar o cunhado, Hossein (Alireza Jahandideh). Soltani está em uma saída temporária da prisão e quer voltar a negociar a dívida que fez com que ele parasse lá.
VOLTANDO À CRÍTICA
(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Ghahreman): Antes de mais nada, eu preciso dizer: eu gosto muito do diretor e roteirista Asghar Farhadi. Para mim, ele é um dos grandes nomes da sua geração. Não lembro de ter visto a um filme dele que eu não tenha gostado. Farhadi tem um trabalho diferenciado, sempre inteligente, delicado e atento aos detalhes. Nos conta histórias humanas, demasiadas humanas.
Esse é o caso deste Ghahreman. Um filme muito interessante sobre temas bastante presentes no nosso dia a dia, quando algumas pessoas “comuns” são alçadas ao posto de “heróis” com a mesma facilidade que outras pessoas são detonadas e massacradas “virtualmente”. Em 2022 e antes, quem poderia ser considerado um “herói”, alguém digno de admiração?
Precisamos, realmente, de heróis? Precisamos, realmente, de “Judas” e de pessoas para serem “malhadas”? Acho que estas são algumas questões que este filme nos coloca. Além de várias outras. O enredo é, aparentemente, simples. Mas apenas na aparência. Ao redor da história do nosso protagonista, temos vários interesses e situações acontecendo. Cada uma delas, interessante para analisarmos.
Mas antes de falar do enredo, quero destacar o trabalho de Farhadi na direção e no roteiro. Ghahreman tem uma narrativa linear que é interessante do início ao fim, nos envolvendo nesta trama que vai do “céu ao inferno” de forma natural, sem nenhuma “forçada de barra”. Como isso é importante e faz diferença nestes dias de diversos exageros narrativos no cinema!
Como sempre, Farhadi nos apresenta uma história que, sabemos, poderia ter acontecido de fato. Seja no país de origem do filme, seja aqui – descontadas, claro, algumas diferenças culturais. Farhadi tem esse estilo e essa vocação, de nos contar histórias de “pessoas comuns” mas com um olhar diferenciado, uma profundidade que eleva o “ordinário” a outro patamar e nos faz refletir sobre nosso próprio entorno.
Bem, dito isso, deixo claro que o roteiro de Ghahreman é um de seus grandes trunfos. Assim como o elenco. Amir Jadidi é um ator que nos conduz pela narrativa com muito carisma e com a profundidade de interpretação que precisamos para acreditar em cada fato que acontece com ele. Outros atores também se destacam na produção – falei deles mais abaixo. Cada um desempenha seu papel com precisão e com naturalidade, nos convencendo a cada cena. Algo muito importante para o filme.
Agora, falemos da história de Ghahreman. (SPOILER – não leia a partir daqui se você ainda não assistiu ao filme). Para começar, queria chamar a atenção de um detalhe do filme que mostra muito do zelo e do olhar atento de Farhadi para cada detalhe da produção. Logo no início do filme, vemos a Rahim subindo uma porrada de lances de escadas para chegar até o cunhado e dizer que vê uma luz no final do túnel para a situação difícil que ele está vivendo. Depois, na sequência, vemos a Farkhondeh (Sahar Goldust) fazendo o caminho oposto, descendo várias escadas – e de forma muito mais rápida e menos “penosa” do que a subida de Rahim.
Para mim, esse é o tipo de exemplo da genialidade de Farhadi. Existe muita simbologia nestas cenas – e em várias outras. Nada está ali por acaso. Para mim, com estas sequências, Farhadi quis já sinalizar para quem está vendo o filme que o protagonista desta história não se importa de fazer o caminho difícil, de sofrer para chegar a um lugar “mais elevado” (no caso, sair da prisão). Por outro lado, Farkhondeh não se importa de seguir o “caminho fácil” (simbolizado pela descida da escada e pela ideia dela de usar as moedas de ouro para pagar parte da dívida do namorado) e de acelerar o passo até encontrar a “felicidade” (de estar junto com Rahim).
Enquanto a subida dele é pesada, íngreme e não significa, necessariamente, a solução para os problemas que ele tem, a descida dela é acelerada, encurtada pela edição, como a saída que ela pretende dar para o problema do namorado. Claro que em Ghahreman não temos alusões bíblicas, nem nada parecido, mas é como se Farkhondeh simbolizasse a Eva que faz Adão (no caso, o protagonista) cair em tentação e errar, tentar se valer de algo que não é dele e, depois, ganhar mérito de algo que não fez (o uso do dinheiro da caridade).
Não deixa de ser curioso esse paralelo. Não acho que Farhadi “demoniza” Farkhondeh, mas ele mostra como a “tentação” pode surgir de qualquer lado, em qualquer dia, em uma conversa trivial com alguém que amamos. A “tentação” sempre vai aparecer, mas o que fazemos com ela é o que pode determinar boa parte do que virá ou da gente mesmo.
Bem, dito isso, sobre como cada detalhe do filme conta, vamos para a história finalmente. 😉 Ghahreman fala sobre honra, família, amor, recomeços, retrocessos, dívidas, pagamento de dívidas e sobre até que ponto alguém pode ir ou topa ir para se ver livre de algo terrível.
Mas, mais que isso, esse filme trata sobre a construção do herói, como ela é acelerada e “facilitada” atualmente pela mídia e, principalmente, pelas redes sociais. Rapidamente alguém ganha os holofotes e vira herói. Mas, tão rápido quanto a pessoa subiu neste lugar acima dos demais, a pessoa é derrubada de lá com mil teorias e críticas – algumas verdadeiras, outras mentirosas. Mas, atualmente, quem se importa com a verdade?
Claro que Ghahreman não é um filme inocente. Ele mostra claramente um cara bom, que acabou sendo preso porque fez escolhas erradas – falido, pediu dinheiro para um agiota, não conseguiu pagar a dívida e acabou prejudicando de forma decisiva o fiador e sua família – e que, depois de sentir na pele os efeitos dessas escolhas erradas, volta a fazer escolhas ruins. Claro que ele não prejudica mais ninguém de forma tão decisiva, mas acaba prejudicando de vez a própria imagem.
O filme acaba entrando naquela velha história sobre o quanto Rahim escolheu e o quanto escolheram por ele. Alguém que está ferrado e que tem a chance de se sair bem de uma situação realmente acaba acertando em todas as escolhas e em todos os passos ou a pessoa tem grandes chances de ser manipulado e jogado para determinadas direções para atender ao interesse de quem está em uma posição de poder?
Enfim, as temáticas levantadas por Ghahreman poderiam render umas três críticas. Mas vou me restringir a comentar apenas as questões centrais. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Verdade que Rahim teria vendido as moedas de ouro que Farkhondeh encontrou se tudo tivesse “dado certo” logo de primeira – por exemplo, se a cotação do ouro estivesse no valor que eles tinham consultado pouco antes. Mas essa primeira tentativa dá errado, porque o valor do ouro estava cerca de 2 milhões de “tomans” a menos do que Rahim e Farkhondeh.
Ainda assim, a ideia de Rahim era fazer nova tentativa no dia seguinte – afinal, ele tinha dois dias de saída temporária da prisão. Mas é a irmã dele, Radmehr (Fereshteh Sadre Orafaiy), que coloca Rahim contra a parede ao encontrar a bolsa com as moedas de ouro. Ela sabe que aquilo não deve ter uma origem correta e questiona o irmã, pedindo para ele não desonrar mais a família. A partir daí ele muda de atitude e decide devolver o que não lhe pertence.
Não acho que ele fez uma escolha errada ou buscando autopromoção ao colocar cartazes divulgando o número da prisão para quem quisesse reclamar as moedas. Sem poder revelar que estava se envolvendo com Farkhondeh, mais que nada porque ele ainda não tinha a aprovação da família dela, Rahim quis falar com a pessoa que se dizia proprietária das moedas para fazer perguntas que apenas esta pessoa pudesse responder.
Ele é honesto, é o que Farhadi quer nos dizer. Mas, como tantas pessoas honestas, o protagonista deste filme também pode errar. Ele erra ao pedir dinheiro para um agiota, é claro. Mas o desespero, a gente sabe, faz coisas… depois, ele erra ao embarcar em “pequenas mentiras” aqui e ali. Com o “tribunal da internet” que temos atualmente, o mínimo deslize e embarcar em qualquer mentira pode ser fatal – especialmente para a reputação de alguém.
Quais são os erros do protagonista? (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Primeiro, não perceber que ele foi usado por dois grupos: pelos responsáveis pela prisão e pela entidade filantrópica que atuava no local. Ao ser manipulado pelo primeiro grupo, ele aceitou contar a história de forma parcial – sem dizer, nas entrevistas, por exemplo, que não foi ele quem encontrou a bolsa, e sem contar que eles já estavam com a bolsa desde antes da saída temporária na qual ele tentou vender as moedas.
Se ele tivesse contado a história da forma correta, sem dar detalhes ou o nome da namorada, mas falando como tudo aconteceu de fato, ele não teria ficado tão exposto a ter as contradições da história reveladas e usadas contra ele. Depois, claro que ele errou ao embarcar na ideia do taxista (Ali Ranjbari), também ex-presidiário, de que se Rahim não estava conseguindo encontrar a mulher que foi pegar a bolsa com as moedas, ele poderia levar uma outra pessoa para se passar por ela. Péssima ideia.
Conforme a história foi piorando, mais manipulação foi acontecendo. Especialmente dos diretores do presídio. Tudo piora, claro, quando Rahim vai enfrentar o homem para quem ele deve e que não quer saber de receber menos do que a dívida integral, Bahram (Mohsen Tanabandeh). Magoado com a falta de “perdão” ou de “empatia” de Bahram, e acreditando que ele está lhe prejudicando novamente, agora para conseguir um novo emprego, Rahim parte para a violência e perde a razão. Novamente, acaba se prejudicando ainda mais.
Se alguém está errado, mas está tentando acertar, algumas pessoas até podem “pagar pra ver”. Os descrentes vão esperar um bom tempo para ver se a promessa não é “fogo de palha”. Agora, se alguém que já errou volta a pisar na bola, quem já não tinha muita paciência com essa pessoa acaba tendo paciência nenhuma. E é o que acontece com a família de Bahram. Exposto novamente, Rahim fica sem margem para se defender.
Praticamente sem saída, desesperado, vendo que voltará a ser preso, Rahim acaba cedendo, pelo menos por um tempo, à nova manipulação dos responsáveis pelo presídio. Até que ele perde a cabeça novamente ao ver que o abuso estava chegando no filho, Siavash (Saleh Karimaei). Antes, porém, outra mentira acaba colocando uma pá de cal na reputação dele. Farkhondeh erra, mais uma vez, pedindo para a doação feita pela ONG seja divulgada como tendo sido uma iniciativa de Rahim.
Assim, Rahim acaba se perdendo. Primeiro, por embarcar em ideias ruins (empréstimo com agiota e tentativa de vender o ouro que não era dele) e, depois, por ser manipulado e faltar com a verdade sobre fatos que acabaram virando contra ele. No fim, quem pagará por todos esses erros será apenas ele. O que não é justo, especialmente por aqueles que tentaram se favorecer sobre a história de alguém desesperado – especialmente os diretores do presídio e a entidade que faz doações e caridade.
Ghahreman acaba nos fazendo pensar tanto sobre esta capacidade de mídia e redes sociais de criar e destruir heróis com um estalar de dedos quanto sobre como autoridades e organizações filantrópicas podem ter atitudes de pura exploração sobre quem já está em uma posição difícil. Ou seja, dá muito pano pra manga. E o melhor de tudo: nos contando uma história interessante, com um ótimo ritmo e com ótimas interpretações. Irretocável.
E sim, talvez o protagonista desta história não deveria ser considerado um herói. Mas quem, então, poderia ser classificado desta forma? Provavelmente ninguém, e é sobre isso que Farhadi quer falar. Sociedades problemáticas, formadas por pessoas que estão “corrompidas” ou que mais se equivocam do que acertam, precisam de “heróis”, de “exemplos”. Sociedades maduras, evoluídas, que pensam e vivem de forma mais coletiva, não precisam disso porque todos agem da forma correta.
Chama a atenção neste filme também sobre como a sociedade encara os presos. Eles são vistos sempre com desconfiança, com descrença, colocados aparentemente em uma categoria inferior de cidadão. Isso está certo? Claro que não. Eles são, como qualquer um de nós, capazes de grandes gestos, de acertos e de erros, de sonhar e de ir atrás. O difícil é terem oportunidade para saírem do lugar e abandonarem o estigma.
Por tudo isso e por muito mais que este filme trata, considero uma das grandes produções – ou até a melhor, até este momento – desta temporada. Assista, preferencialmente sem saber muito sobre o filme antes de começar a assisti-lo. Ser surpreendido por ele é algo importante para a experiência oferecida por Farhadi.
NOTA
10.
OBS DE PÉ DE PÁGINA
Pessoal, como os indicados ao Oscar 2022 será divulgados na manhã desta terça-feira, dia 08/02, vou publicar este texto de análise sem esta parte aqui finalizada, ok? Porque acho importante registrar e publicar o que eu pensei sobre Ghahreman antes mesmo de sabermos se o filme será indicado em uma ou em mais de uma categoria do Oscar.
Desta forma, peço desculpas para vocês, mas vou publicar o texto até aqui, na manhã desta terça-feira, antes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood divulgar os indicados no Oscar, deixando para terminar de escrever esta parte após essa divulgação – e logo que possível.
Interessante que a história de Rahim poderia ter sido muito diferente por um detalhe. Ele e a namorada, Farkhondeh, esperavam conseguir 75 milhões de tomans vendendo as 17 moedas que ela achou no ponto de ônibus perto de um banco. Mas, no dia em que foram vender as moedas, eles conseguiram a cotação de 4,3 milhões por moeda.
Ou seja, conseguiriam vender todas as moedas por 73,1 milhões de tomans. Rahim acaba não topando essa cotação porque ele já tinha feito a oferta para Bahram de forma direta, através dos celulares de colegas presidiários, e através do cunhado Hossein. Como ele quis manter a palavra e não ser desacreditado novamente por Bahram, tudo acaba acontecendo como aconteceu. Por detalhes.
Há quem veja Ghahreman e dê razão para Bahram, eu tenho certeza. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Especialmente quando ele diz que Rahim não é herói coisa alguma, porque ele apenas fez o que é certo, e que pessoas “comuns” que fazem o certo todos os dias não recebem um prêmio por causa disso. Ainda que a fala dele não esteja toda errada, ela também não está certa. Essa fala é de alguém ressentido, que não consegue ver que é diferente alguém ser correto “ralando” todos os dias, mas tendo trabalho e condições de ir para a frente, e alguém estar ferrado e, mesmo assim, devolver um dinheiro quando precisava tanto dele.
Quantas histórias vocês já viram de pessoas que devolveram um montão de dinheiro que acharam mesmo precisando tanto daquela grana? Elas realmente não fizeram algo incrível? Na minha opinião, sim. Porque é tentador achar algo e usar a seu favor, especialmente quando você está ferrado. Mas estas pessoas tem uma noção de honra e do que é certo que ultrapassa a necessidade, a fome e a dor que elas possam estar passando na vida delas. Merecem sim ser valorizadas por esses gestos.
Mas Bahram está tão ressentido e com o coração “tão duro” que não é capaz de ver um gesto bonito do seu devedor. Ele está apegado ao dinheiro, à dívida, e apenas quer o que “lhe foi tirado” de volta, custe o que custar. E se Rahim não consegue pagar, que ele fique preso, não importa o custo disso para ele e sua família – especialmente o filho pequeno. Enfim, muito complicado. E mais um toque genial de Farhadi, que acaba falando, ao retratar Bahram e sua “dureza” e seu materialismo, muito sobre o nosso tempo e parte das nossas sociedades doentes e doentias.
Agora sim, retomo esta parte do texto, após a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood divulgar os indicados nas 23 categorias do Oscar 2022. Depois falarei sobre isso, mais abaixo.
Como sempre ocorre nos filmes de Farhadi, a direção dele e o roteiro são dois pontos de destaque nesta produção. Como comentei antes, cada cena do filme é cuidadosamente planejada. Como nos outros filmes do diretor comentados aqui no blog, em Ghahreman o diretor valoriza muito o trabalho dos seus atores. A câmera dele está quase sempre próxima dos personagens. Quando o cenário faz parte da narrativa, há sempre uma razão para esta escolha.
Sobre o roteiro de Ghahreman, como geralmente vemos nos trabalhos de Farhadi, neste filme temos uma narrativa direta, franca, linear e que valoriza os diálogos e as ações dos personagens. Cada ação leva a uma reação, e as escolhas dos personagens são decisivas para o desenrolar da história. Gosto do estilo de roteiro de Farhadi, onde nada sobra, tudo faz sentido e o foco da narrativa são as pessoas, suas ações, sentimentos e, nesta análise cuidadosa dos personagens, entendemos um pouco mais sobre aquela sociedade – e a nossa também.
Asghar Farhadi é um gigante, um dos diretores mais interessantes dos anos 2000. Ele começou na direção com a série de TV Chashm Be Rah em 1998. Entre os anos 2000 e 2001, ele ficou conhecido por dirigir outra série de TV: Dastane Yek Shahr. Em 2003 ele estreou na direção de longas com o filme Raghs Dar Ghobar. Aqui no blog, comentei alguns de seus últimos filmes. Vocês podem conferir as críticas de Jodaeiye Nader az Simin (ou A Separation/A Separação), Le Passé (ou The Past/O Passado) e Forushande (ou The Salesman/O Apartamento).
Conferindo a filmografia de Farhadi, percebi que eu perdi um de seus filmes recentes, Todos Lo Saben. Produção lançada em 2018 e estrelada por Penélope Cruz e Javier Bardem, casal indicado em duas categorias do Oscar neste ano, este filme acaba de entrar na minha lista de filmes que eu preciso ver para fazer o dever de casa e recuperar boas produções que eu perdi recentemente. Aceito outras dicas para fazer meu dever de casa. 😉
Além da direção e do roteiro de Farhadi, o trabalho do elenco é outro destaque de Ghahreman. O grande nome do filme é o de Amir Jadidi, o protagonista desta história. Ele é carismático e faz um trabalho de interpretação realista, com reações condizentes com o texto conforme a trama se desenvolve.
Além de Jadidi, que nos conduz pela história, vale citar o trabalho de alguns outros atores, como Mohsen Tanabandeh como Bahram, o credor de Rahim que tem dificuldade de superar a história dessa dívida e de acreditar que o protagonista pode ser um sujeito confiável; de Sahar Goldust como Farkhondeh, a namorada de Rahim que também é carismática e que faz uma interpretação bem natural e condizente com o perfil da sua personagem; Fereshteh Sadre Orafaiy como Mrs. Radmehr, irmã do protagonista e uma pessoa que contribui bastante com a história; Ehsan Goodarzi como Nadeali, um dos responsáveis pela prisão; Alireza Jahandideh como Hossein, cunhado de Bahram e uma das pessoas que mais ajuda o protagonista a tentar sair da prisão; Farrokh Nourbakht como Salehi, outro responsável pelo presídio e responsável pela iniciativa de fazer um vídeo com o filho de Rahim para tentar “beneficiá-lo”; Saleh Karimaei como Siavash Soltani, o filho do protagonista; Ali Ranjbari como o taxista que leva a dona da bolsa até a casa da irmã de Rahim e que tenta ajudá-lo na busca pela mulher depois; e Sarina Farhadi como Nazanin, filha de Bahram.
Entre os aspectos técnicos desta produção, destaque para a direção de fotografia de Ali Ghazi e de Arash Ramezani; para a edição de Hayedeh Safiyari; para os figurinos de Negar Nemati; e para o trabalho do departamento de arte comandado por Medhi Moosavi.
Ghahreman estreou em julho de 2021 no Festival de Cinema de Cannes. Depois de participar do principal festival de cinema da França e um dos principais da Europa, o filme participaria, ainda, de outros 27 festivais de cinema em diferentes partes do mundo.
Nessa trajetória do filme, Ghahreman ganhou 11 prêmios e foi indicado a outros 36. Entre os prêmios que o filme recebeu, destaque para o de Melhor Direção para Asghar Farhadi no Asia Pacific Screen Awards; para o Grande Prêmio e para o François Chalais Award no Festival de Cinema de Cannes; para o de Melhor Ator para Amir Jadidi no Hafez Cerimony; e para os prêmios de Melhor Filme em Língua Estrangeira e o de Melhor Roteiro Original pelo National Board of Review.
O cineasta Asghar Farhadi e a equipe do filme foram aplaudidos de pé por cinco minutos pelo público que assistiu a Ghahreman na estreia do filme no Festival de Cinema de Cannes.
Ghahreman era o representante do Irã no Oscar 2022. O filme ficou entre as 15 produções que avançaram na disputa e fizeram parte da “short list” (lista curta) da Academia. Mas, ontem, dia 08/02, o filme ficou de fora da lista das produções indicadas ao prêmio máximo de Hollywood.
Os usuários do site IMDb deram a nota 7,5 para esta produção, enquanto que os críticos que tem os seus textos linkados no site Rotten Tomatoes dedicaram 143 críticas positivas e seis negativas para o filme, o que garante para Ghahreman o nível de aprovação de 96% e uma nota média de 8,1.
O site Metacritic apresenta o “metascore” 82 para esta produção, assim como o selo “Metacritic Must-see”. O nível de aprovação do site é composto por 36 críticas positivas e por três críticas mistas sobre o filme.
Segundo o site Box Office Mojo, Ghahreman teria arrecadado cerca de US$ 2 milhões nas bilheterias a nível global, sendo a maior parte desta bilheteria obtida na França, onde Ghahreman arrecadou quase US$ 1,5 milhão. Não há informações sobre o resultado do filme nos Estados Unidos.
Ghahreman é uma coprodução do Irã com a França.
CONCLUSÃO
Gosto de filmes objetivos, diretos e que nos apresentam uma história bem contada e que provoca reflexão. Ghahreman é um belo exemplo deste estilo de produção. Um filme com poucos personagens e com muita margem para interpretação. Ele trata sobre nossos dias, nossa forma de lidar com alguns valores e realidades. Quem precisa de heróis? E de que tipo de heróis estamos falando? Além disso, quem define quem é herói ou vilão? Várias questões que esta produção aborda, discute e nos apresenta em uma história bem contada, com ótimos atores e envolvente do início ao fim. Uma bela pedida desta temporada.
PALPITES PARA O OSCAR 2022
Francamente, acho que seria muito injusto se Ghahreman não avançar na “short list” (lista curta) do Oscar 2022 e chegar entre os cinco finalistas na categoria Melhor Filme Internacional.
Esta produção não tem o “refinamento” e a “veia artística” do japonês Doraibu Mai Kâ (com crítica neste link), verdade. Mas, a exemplo do alemão Ich Bin Dein Mensch (filme comentado por aqui), Ghahreman trata destes dias, desta era, desta geração de uma forma muito interessante. Como comentei antes, este filme fala de valores, de cultura e de uma era em que “heróis” são criados e destruídos com o estalar dos dedos.
Honestamente, acho que Ghahreman chega até a lista dos finalistas. Além dele, coloco as minhas fichas em Ich Bin Dein Mensch e em Doraibu Mai Kâ. Os outros dois finalistas na categoria, sempre disputada, ainda são uma incógnita.
Dos filmes que eu assisti e que vocês podem conferir aqui no blog, acho que todos os demais correm por fora, com poucas chances de avançar. Veremos logo mais, ainda hoje, nesta manhã de 8 de fevereiro, quando a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood divulga a lista dos indicados no Oscar 2022.
ATUALIZAÇÃO (09/02)
Como comentei acima, infelizmente Ghahreman ficou de fora do Oscar 2022. No lugar dele, foi indicado Lunana (com crítica neste link) e o italiano È Stata La Mano di Dio (comentado por aqui).
Como vocês já sabiam, eu torcia pela indicação de Lunana, apesar de achar improvável que o filme chegasse tão longe. Então acho que ele mereceu chegar lá sim. Mas o filme italiano… sinceramente, não achei ele tão bom quanto Ghahreman ou mesmo o alemão Ich Bin Dein Mensch. Mas, não sou em quem vota no Oscar… hahahaha. Então tudo certo.
Pelas indicações de ontem, não tenho dúvidas que o vencedor na categoria Melhor Filme Internacional será o japonês Doraibu Mai Kâ. Mesmo Flee tendo sido bem indicado, vejo esse filme ganhando em Melhor Documentário e o Oscar de Filme Internacional indo para a produção japonesa. Veremos.