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Nightmare Alley – O Beco do Pesadelo


Um filme sobre ambição, encantamento, horror e alguns bastidores do espetáculo. Nightmare Alley nos apresenta uma história interessante, com um elenco estelar, mas que carece um pouco do elemento surpresa. O filme poderia ser um pouco mais curto para nos contar uma história que acaba sendo previsível do meio da narrativa em diante. Ainda assim, é uma produção bem conduzida, bem feita, e que reforça a leitura que tivemos um ano morno no Oscar.

A HISTÓRIA

Em uma casa com cara de abandonada, um homem puxa um saco pesado. O formato que temos é de um corpo embrulhado. Depois, vestido para sair, com um chapéu na cabeça, Stanton Carlisle (Bradley Cooper) acende um fósforo na parede, começa a fumar e coloca fogo na casa. O imóvel pega fogo totalmente enquanto ele se afasta caminhando da propriedade. Em um ônibus, ele olha as horas e guarda um lenço bordado no chapéu antes de descansar. No ponto final do ônibus, ele chega em um local com um café e, perto dali, um parque de diversões. Naquele local, a história de Stanton começa a mudar e ganhar uma nova direção.

VOLTANDO À CRÍTICA

(SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Nightmare Alley): Não vou mentir para vocês. A cada novo filme que eu assisto desta última temporada do Oscar, mais eu me convenço que esta temporada foi uma das mais fracas dos últimos tempos. Talvez uma das cinco mais fracas das últimas duas décadas.

Não por acaso, acabo demorando um pouco para escrever por aqui. Como está difícil de um filme me empolgar, com raras exceções, acaba me dando uma certa “preguiça” de escrever sobre as produções que eu assisti. Mas, como vocês sabem, tenho esse compromisso de falar de todos os filmes que eu assisto aqui no blog, então vamos seguir esta toada!

Bem, tanto pela introdução desta crítica quanto por estes comentários aqui, pela nota logo abaixo e pela conclusão deste texto, vocês já imaginam que este Nightmare Alley não fez a minha cabeça, não é mesmo? Não acho que este é um filme ruim. Apenas ele não me surpreendeu em nada, muito menos me encantou.

Como quem me acompanha há tempos por aqui sabe, gosto de filmes que contem histórias realmente interessantes ou que, ao menos, me surpreendam. Nightmare Alley não faz nem uma coisa, nem outra. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). A história desta produção é meio que “conhecida”. Vejamos: um sujeito com algo pesado do passado para esconder acaba chegando em um novo local e se “disfarça” de bom moço para conseguir o que quer. No fim, descobrimos que ele é ambicioso, acima de tudo, e que não sairá impune pelo que fez.

Em linhas gerais, essas linhas resumem Nightmare Alley. Claro que a produção é muito bem feita. Afinal, estamos falando de um filme dirigido e com roteiro escrito por Guilhermo del Toro. Nem sempre o diretor faz uma obra-prima, mas algo que nunca podemos acusar del Toro é dele não entender de cinema. Ele entende muito bem de seu ofício.

Com a carreira que construiu até aqui, inclusive pela consagração que obteve com The Shape of Water (comentado por aqui) em 2018, quando recebeu dois Oscar – por Melhor Direção e por ser produtor da produção, que ganhou como Melhor Filme naquele ano -, del Toro tem bala na agulha, prestígio e grana para fazer um filme impecável tecnicamente. E com grande elenco, o que é um dos diferenciais desta produção.

Então sim, Nightmare Alley é um filme super bem acabado, tecnicamente irretocável e com um ótimo elenco. O ponto fraco da produção, a meu ver, é o roteiro – justamente uma das partes, se não a mais, importante de um filme. O roteiro escrito por del Toro juntamente com Kim Morgan é inspirado no livro de William Lindsay Gresham.

Além de ser uma história sobre ambição e sobre os caminhos tortos escolhidos pelo protagonista, este filme acaba abordando algumas questões típicas daquela época – final dos anos 1930 e início dos anos 1940. Temos uma ou outra citação sobre a ascensão de Hitler e do nazismo na Europa, o que ajuda a pintar um contexto obscuro para o filme – algo visto não apenas naquele que seria o cenário central da Segunda Guerra Mundial, mas também em locais como Estados Unidos e outros países.

O filme é propositalmente obscuro, tanto na fotografia quanto na história. Algo bem ao estilo de del Toro. Temos então aquele ambiente de certo “mal-estar” no ar, algo que parece não cheirar bem, ao mesmo tempo que temos um certo “encantamento” do ambiente circense. Como outros filmes já mostraram, naquela época, quanto mais “esquisito” ou diferente era alguém, mais fácil esta pessoa poderia virar “atração de circo”.

Os Estados Unidos viveram algumas décadas com este tipo de espetáculo que apostava no “sinistro” e nas “bizarrices”. Isso não é exatamente novo – mesmo em filmes. Naquele cenário, claro, muito era exagerado para o público, enquanto os bastidores eram muito mais “tranquilos”. Mas havia também abuso e violência nos bastidores – assim como alcoolismo, trapaça e alguns outros problemas que servem de pano-de-fundo para esta história.

Depois de virar as costas para suas origens e para o próprio passado, o protagonista desta história encontra no ambiente circense um local interessante para “se esconder” e tentar recomeçar. Com uma certa vocação para dar golpes e para aproveitar-se das situações, nosso “anti-herói” acaba tirando proveito de uma situação para roubar os segredos de um sujeito que sabia enganar plateias com um truque realmente bem bolado.

Antes de morrer, Pete (David Strathairn) alerta o protagonista sobre o risco dele acreditar demais no truque e deixar-se levar pela ambição. Mas, claro, nosso “anti-herói” não dá ouvidos para o “mentor” – se deu ouvidos, foi só no início – e acaba trocando os pés pelas mãos. Mas, para todo golpista e vigarista, sempre existe alguém “mais esperto” para levar a melhor e dar o último golpe – geralmente certeiro.

(SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Cego pela possibilidade de ficar cada vez mais rico, Stanton ignora todos os perigos, embarca em um golpe contra o ricaço excêntrico Ezra Grindle (Richard Jenkins) que tem tudo para dar errado e, claro, perde tudo que tem. Além de perder seu “grande amor”, Molly Cahill (Rooney Mara), por pouco Stanton não perde a vida.

A partir do momento em que Stanton resolve dar o “grande golpe” em Ezra, o filme acaba ficando muito, muito previsível. Esse é um problema para a produção. Outro problema é realmente acreditarmos que o “esperto” Stanton achava que Ezra iria ver a antiga paixão apenas de longe e que não iria se aproximar de Molly. Sério mesmo? Difícil de acreditar nisso. Também vamos combinar que não era nada difícil imaginar e concluir, muito antes da hora, qual seria o final do protagonista. Essa falta de surpresa e esta previsibilidade atrapalha bastante a experiência do filme.

Para mim, além do prazer de ver grandes atores em cena, as melhores partes de Nightmare Alley envolvem o cenário “mágico” com talentos diversos reunidos por Clem Hoatley (Willem Dafoe). As diferentes atrações que ele apresenta naquele “parque de diversões” itinerante e os bastidores daquele local é o que mais atraem nosso olhar e atenção.

Até porque aquele cenário é bastante demonstrativo sobre uma parte do espírito humano. Aquela parte baseada na exploração dos outros e da pouca oportunidade que os diferentes tem de se colocar na sociedade. Que outros espaços aquelas pessoas teriam na sociedade que vemos em cena? Quão cruel é uma pessoa diferente ter que se submeter a preconceito, escárnio e um trabalho que lhe dá apenas alguns trocados? O filme permite algumas reflexões nesse sentido.

O trabalho dos atores está ok, sem nenhum grande destaque. E o roteiro, como comentei, é um tanto previsível demais. Assim pelo conjunto da obra, este filme se revela mediano. Mais uma produção sobre os estragos que a ambição e pessoas com ego inflamado podem causar. Um filme bem produzido, com elenco estelar e bem feito, mas que não vai perdurar na nossa lembrança ou figurar nas lista dos melhores.

NOTA

8,2.

OBS DE PÉ DE PÁGINA

Produção com narrativa linear, mas com alguns “flashbacks” incluídos e pincelados aqui e ali, Nightmare Alley apresenta um roteiro que segue a “cartilha” e um padrão conhecido. Não há muito espaço para surpresa, apenas para algumas doses de fascínio na parte das atrações do parque de diversões que acaba sendo uma parte importante da história.

Algo interessante do filme é que ele “circula” por diferentes esferas e realidades dos Estados Unidos no final dos anos 1930 e início dos anos 1940. Temos uma parte importante da narrativa centrada no interior do país, com tudo que isso traz de característico, e uma parte relevante também focada em outro ambiente, das cidades e dos “endinheirados” da época. Esta diversidade social e as características destes diferentes ambientes talvez sejam dois dos elementos mais interessantes da produção.

A história de Nightmare Alley tem muitos personagens secundários. Mas a trama, essencialmente, está focada em poucos personagens. Neste sentido, vale destacar, além do protagonista Stanton Carlisle, interpretado por Bradley Cooper, o trabalho de Rooney Mara como Molly Cahill, a garota mais bonita do parque de diversões e que vira a paixão do protagonista; Toni Collette como Zeena, e David Strathairn como Pete, o casal de ilusionistas que fornece toda a metodologia para Stanton seguir e aprimorar o método de enganar plateias; Richard Jenkins como o ricaço excêntrico e com tendência psicopata Ezra Grindle; e Cate Blanchett como a psiquiatra Dra. Lilith Ritter, que não engole o “charme” do protagonista e suas “ofensas” – ou estocadas na ferida.

Estes são os atores com papéis mais relevantes na histórias. Mas há outros nomes com papéis que são secundários, mas que também merecem ser citados porque tem sua importância na narrativa. Vale citar, neste sentido, Willem Dafoe como Clem Hoatley; Ron Perlman como Bruno; Peter MacNeill como o juiz Kimball, que vira cliente do protagonista e leva ele para outro caminho; Holt McCallany como Anderson, o braço direito e segurança de Ezra Grindle; Mary Steenburgen como a esposa do juiz Kimball; e Mark Povinelli como The Major, grande amigo e protetor de Molly junto com Bruno.

Entre os aspectos técnicos da produção, sem dúvida alguma o destaque vai para a direção de fotografia de Dan Laustsen; para o design de produção de Tamara Deverell; para a direção de arte de Brandt Gordon; para a decoração de set de Shane Vieau; para os figurinos de Luis Sequeira; e para a equipe de 64 profissionais responsáveis pelo Departamento de Arte da produção. Todas essas pessoas são fundamentais para que sejamos transportados para a época na qual esta história se passa, assim como para os ambientes diversos que fazem parte de Nightmare Alley.

A ambientação de Nightmare Alley e a forma como o filme nos transporta para aquela época e para aqueles cenários é um dos pontos altos do filme.

Outros aspectos técnicos do filme que merecem ser citados: Nathan Johnson na trilha sonora; Cam McLauchlin na edição; a maquiagem produzida por 45 profissionais envolvidos na produção e os efeitos visuais que envolveu o trabalho de 58 profissionais desta área.

Nightmare Alley teve sua première em Nova York no dia 1º de dezembro de 2021. O filme participou apenas de uma mostra de cinema, a do MoMA, em janeiro deste ano. Achei interessante que no dia 17 de janeiro deste ano o filme estreou em alguns cinemas de Los Angeles em uma versão em preto e branco. Curioso. Coisas do “maluco” del Toro.

Vale citar algumas curiosidades relacionadas com esta produção. A parte inicial do filme foi rodada na volta da pausa que a produção teve que fazer por causa da pandemia de Covid-19. O ator Bradley Cooper aproveitou essa “pausa” causada pela pandemia para emagrecer 15 quilos e parecer mais “jovem” na parte inicial de Nightmare Alley.

Falando em Bradley Cooper, o ator aprendeu algumas técnicas de boxe a pedido do diretor Guillermo del Toro, que queria que o protagonista do filme demonstrasse, através da sua linguagem corporal, que tinha um “passado violento”.

A atriz Rooney Mara estava grávida quando as filmagens de Nightmare Alley começaram. Como a produção foi suspensa por causa da Covid-19, ela teve o filho durante esta pausa.

Uma curiosidade sobre este filme achei especialmente interessante. Em uma entrevista para Terry Gross no programa de rádio Fresh Air, Guillermo del Toro explicou porque ele se interessa pelo tema dos vigaristas e dos “médiuns falsos” que são trabalhados neste filme. Segundo o diretor, em 1998, quando o pai de del Toro foi sequestrado no México e mantido como refém, a família do diretor logo foi procurada por vigaristas que se diziam médiuns. Segundo o diretor, os médiuns que procuraram a mãe dele na época usavam um discurso muito próximo do protagonista deste filme, comentando que podiam sentir o pai dele, que ele amava muito a esposa e que ele sabia que ela iria ajudá-lo. Enfim… essas pessoas realmente estão entre as piores que alguém pode encontrar pela frente.

Martin Scorsese escreveu uma carta aberta no Los Angeles Times elogiando Nightmare Alley. Para o diretor, o filme fala sobre “a urgência e o desespero de agora de uma maneira bastante perturbadora”, apesar do filme se passar “no passado”. De fato, se paramos para pensar na história, ela aborda diversas questões que se repetem atualmente, como pessoas que se passam pelo que elas não são para enganar os outros e a exploração humana por causa da miséria e do preconceito, da falta de oportunidades. São temas muito atuais. Mais do que nunca, infelizmente.

Inicialmente, o ator Leonardo DiCaprio foi convidado para viver o protagonista de Nightmare Alley. Mas o ator acabou optando por outras produções e, por isso, o papel foi interpretado por Bradley Cooper. Antes de convidarem Rooney Mara para o papel de Molly, as atrizes Jennifer Lawrence e Lady Gaga foram cogitadas para esse trabalho.

Em um artigo publicado em 2006 por Alan Prendergast sobre o autor do livro que inspirou del Toro, ele comenta que William Lindsay Gresham buscou resposta em praticamente todas as partes, incluindo o comunismo, a psicanálise freudiana e junguiana, o judaísmo, o espiritualismo, a Cientologia e o Cristianismo. Em seu romance, Gresham deixa evidente o desejo de “desmascarar o espiritualismo” através do personagem de Stanton ao mesmo tempo em que critica algumas práticas antiéticas de alguns psicanalistas através da personagem da Dra. Lilith Ritter. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Isso pode ser visto quando ela gravar sessões de análise sem os pacientes saberem e por, dependendo do caso, utilizar essas gravações contra os pacientes – algumas práticas que podem ser comparadas com métodos da Cientologia.

Nightmare Alley ganhou 20 prêmios e foi indicado a outros 104. Entre os prêmios que recebeu, destaque para os nove prêmios de Melhor Design de Produção. Nos principais prêmios da indústria, contudo, Nightmare Alley saiu de mãos vazias. No Oscar, por exemplo, o filme foi indicado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Design de Produção, Melhor Figurino e Melhor Fotografia. Não ganhou nenhuma estatueta. No Prêmio BAFTA ele foi indicado três vezes e também não levou nada para casa.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,1 para Nightmare Alley, enquanto que os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 268 textos positivos e 67 negativos para a produção, o que garante para o filme uma aprovação de 80% e a nota média de 7,4.

O site Metacritic apresenta um “metascore” 70 para Nightmare Alley, fruto da publicação de 38 críticas positivas e de 17 medianas. Segundo o site IMDb, esta produção teria custado cerca de US$ 60 milhões e, conforme o site Box Office Mojo, faturado pouco mais de US$ 39,6 milhões nos cinemas – sendo US$ 11,3 milhões apenas nos Estados Unidos. Claro que, atualmente, os filmes faturam em diversas frentes, inclusive e especialmente no streaming durante a pandemia de Covid-19. Ainda assim, convenhamos, o filme deu prejuízo.

Nightmare Alley é uma coprodução dos Estados Unidos, do México e do Canadá.

CONCLUSÃO

O espetáculo, a magia e o deslumbramento do que não conhecemos faz parte deste filme. Na mesma medida, o lado sombrio do ser humano é uma parte fundamental desta história. Nightmare Alley está ambientado em uma época complicada e em cenários diversos que, apesar de terem características diferentes, revelam o mesmo tipo de fascínio e exploração. Um filme interessante, bem conduzido, mas que carece de um pouco mais de surpresas para realmente nos convencer. No final, faltou um pouco de magia para a produção que trata bastante sobre este tema.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

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