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Sui Yuet San Tau – Echoes of the Rainbow


Tempos difíceis são sucedidos por tempos bons e, depois, mais uma vez, por tempos difíceis. Falar sobre estes períodos cíclicos da vida de forma suave, quase pueril, é a característica principal de Sui Yuet San Tau, representante de Hong Kong no próximo Oscar. Com direção e roteiro de Alex Law, este filme se caracteriza por um cinema inocente, que pode irritar a alguns por sua simplicidade. Mas esta suavidade esconde uma reflexão interessante sobre a realidade cheia de contrastes do país asiático. Pelos olhos de um garoto – como em tantas outras produções – o espectador conhece um pouco mais sobre a vida e a história de Hong Kong.

A HISTÓRIA: Flores coloridas dão lugar a peixes laranjas. Um aquário cheio deles aparece em primeiro plano. Surge, ao fundo, um garoto curioso. Ele olha com atenção o movimento dos peixes no aquário. Este menino, conhecido como Orelhas Grandes (Buzz Chung) será o narrador desta história. Após observar a vários tipos de peixes e tartarugas pequenas, ele rouba uma delas, coloca no bolso, e leva um aquário pequeno com ele, utilizando-o como um capacete que lhe projeta no tempo e no espaço. Caminhando pelas ruas da cidade, o menino nos conta um pouco sobre a realidade histórica do país. Com este garoto vamos conhecer as diferenças sociais de Hong Kong e as dificuldades de uma família comum do país.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Sui Yuet San Tau): Não existem segredos ou diferentes camadas de interpretação neste filme. Ele é simples, direto e, pela forma de narrativa, chega a ser até um pouco pueril. Os diálogos foram desenhados para que até uma criança pequena entenda o que está acontecendo. O romance que aparece em cena não tem nada de picardia e as relações passam longe da ironia ou do cinismo de algumas reflexões europeias (especialmente do cinema francês) sobre as entranhas das famílias tradicionais.

Não. Nada complicado integra Sui Yuet San Tau. A produção que representa Hong Kong no Oscar 2011 pode ser assistida por todos os públicos. Não tem contra-indicações porque não mostra cenas de violência ou mesmo um linguajar pesado. Talvez esta simplicidade e esta “candura” afaste parte do grande público, mais habituado a filmes com sangue, tiros, ironia e sensualidade. Sui Yuet San Tau caminha em sentido contrário.

O excesso de inocência da história, algumas vezes, chega a cansar. Admito. Especialmente porque o menino que nos conduz na história, interpretado por Buzz Chung, tem algumas reações que, aos olhos ocidentais, podem parecer de pura manha. Na verdade, o choro escandaloso dele em algumas cenas revela um tipo de reação bastante comum entre as crianças de seu país. Meninos e meninas que não tem a “etiqueta” de um choro contido, de sentimentos que não devem ser extravasados publicamente com “exagero” como, talvez, nós ocidentais tenhamos.

Para gostar desta produção é preciso, antes de mais nada, ter esta percepção de lente. Entender que há diferenças grandes entre as culturas dos distintos países – especialmente quando olhamos com “olhos ocidentais” para realidades do oriente. Dito isso, também é preciso um pouco de paciência para perceber que a influência da cultura inglesa está por todos os lados desta produção. Além das músicas cantadas – e compostas pelo personagem de Desmond (Aarif Lee), irmão do Orelhas Grandes -, ela está presente também na forma de romance que é explorado pela história e nas observações sobre o quanto a Inglaterra “explorou” e influenciou o país por uma longa temporada.

Especialmente interessante essa reflexão do diretor e roteirista Alex Law. Ele consegue, com certo equilíbrio, revelar uma cultura única, típica de Hong Kong, mostrando a forma dos pais lidarem com os filhos, a tentativa deles em sobreviver em uma sociedade com poucos recursos – e com grandes diferenças sociais -, a maneira com que as pessoas se ajudam e socializam na hora de comer nas periferias, ao mesmo tempo em que reflete sobre o forte domínio/influência cultural da Inglaterra no país.

Vale lembrar que Hong Kong, que pertencia à China, passou a ser uma colônia da Inglaterra em 1842, após a Guerra do Ópio. O domínio inglês sobre o país terminou apenas em 1997, quando Hong Kong passou a ser uma “região administrativa especial” da República Popular da China. Em outras palavras, Hong Kong é um país com um grande grau de autonomia, mas não decide a sua própria política em duas áreas: defesa e política externa, que dependem do crivo chinês.

Sui Yuet San Tau critica, mas com muita suavidade, a forma com que as autoridades inglesas atuaram no país no período em que eles gestionaram Hong Kong. Policiais cobravam propina de comerciantes e aceitavam presentes para deixá-los trabalhar. Evidente a crítica de Law para os ingleses – desmontando um dos grandes argumentos da Inglaterra, considerado um país “correto”, e que estaria lutando contra a “corrupção chinesa”. Neste filme o diretor defende a ideia de que os ingleses também foram corruptos e, se olharmos para o que se ensinava em salas de aula, impuseram a sua cultura e língua para um país que tinha outras carências e valores a serem difundidos.

Enquanto o espectador vai acompanhando as estrepulias do curioso e nada aplicado Orelhas Grandes, conhecemos um pouco mais sobre os seus pais, o trabalhador e pouco “estudado” Sr. Law (o veterano Simon Yam) e sua esposa (Sandra Ng Kwan Yue), perita em saídas criativas para os problemas cotidianos. Com este casal aprendemos que a vida é feita de altos e baixos e que, ainda assim, é preciso enxergar a beleza que resta após as perdas e danos.

Junto com a reflexão sobre o “legado inglês” deixado no país e a forma de vida diferenciada da gente comum de Hong Kong, talvez esta seja a grande mensagem e sentido do filme: que após tempos difíceis, sempre virão tempos bons. Até que um novo ciclo recomece e outras dificuldades apareçam. Disso é feita a vida – o ciclo de pessoas e de países. E nós, que vivemos estas mudanças, devemos encarar cada desafio da melhor forma, mantendo a esperança para o que virá de bom e a percepção/atenção despertas para as pequenas surpresas/belezas que esta mesma vida nos dá no caminho – como os peixes coloridos, os arco-íris raros e relações idem.

NOTA: 8,2.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Chega a ser emocionante a interpretação naturalista do patriarca da família Law. O ator Simon Yam se destaca por sua forma contida e ao mesmo tempo equilibrada de agir – seja mergulhado no trabalho, na relação amorosa com a esposa ou na forma de educar aos filhos. Exigente e ao mesmo tempo generoso – dentro de suas possibilidades -, o Sr. Law é um exemplo interessante sobre a figura masculina na sociedade de Hong Kong. O mesmo se pode dizer da atriz Sandra Ng Kwan Yue que, diferente do parceiro de cena, aposta em uma interpretação calculadamente extravagante, revelando a força e malícia da mulher daquele país asiático.

Falando em malícia, a corrupção e as carências de um país dominado por uma cultura tão diferente como a inglesa por tanto tempo estão evidentes não apenas na “propina” paga para o policial estrangeiro. Elas estão presentes também nos cuidados de médicos e enfermeiras nos hospitais. Interessante como perceber que, apesar das peculariedades culturais de cada lugar, países tão diferentes quanto podem ser Hong Kong e Cuba, só para dar dois exemplos, podem ter tantas carências e “economias paralelas” em comum. Quando não existe um sistema adequado de assistência jurídica, médica, de direitos e que chegue a tantas outras áreas, há distorções na vida cotidiana como aquelas vistas nesta produção.

O romance entre Desmond e Flora (Evelyn Choi) reforça e intensifica o tom pueril de Sui Yuet San Tau. A levada da história destes dois, ele sonhador, ela riquinha, lembra os romances juvenis dos anos 1950/60 de Hollywood que, de certa forma, foram resgatados na onda “juventude comportada” explorada pelo mesmo cinema recentemente.

A história de Sui Yuet San Tau se concentra no núcleo familiar liderado pelo sapateiro Sr. Law, sua esposa e os dois filhos. Ainda assim, alguns personagens secundários valem ser citados. Como o barbeiro irmão do Sr. Law, interpretado por Paul Chun; a avó dos garotos, interpretada por Ping Ha; o vendedor de peixes vivido pelo ator Lawrence Ah Mon; e a professora da escola de Orelhas Grandes, interpretada por Chank-Ming Chan.

Na parte técnica, o destaque principal é a direção de fotografia de Charlie Lam. Ele utiliza lentes diferenciadas para cada ambiente – mais “quentes” e aconchegantes para a rua da família Law, mais “frias” e/ou neutras para os demais cenários, incluída a casa de Flora. Merece menção também a edição feita pela dupla experiente Chi Wai Chan e Chi-Leung Kwong.

A direção de Alex Law é correta, com alguns momentos inspirados, especialmente quando ele se “solta” para acompanhar a imaginação e os momentos mágicos do protagonista. Mas o roteiro dele é bastante irregular. Acerta quando mostra um pouco da realidade de Hong Kong, mas exagera a mão nas estrepulias do narrador e no romance que chega a ser artificial em alguns momentos. Entendo que a forma de fazer cinema em Hong Kong é diferenciada, mas justamente a falta de um toque mais original de seu criador é o que torna esta produção menos interessante.

Sui Yuet San Tau estreou no Festival de Berlim em fevereiro deste ano. Ele ganhou, por lá, o Urso de Cristal como melhor filme no Generation Kplus, um segmento do festival. Além do festival na Alemanha, a produção de Hong Kong participou do festival de cinema de seu próprio país, de onde saiu com as mãos abanando.

O filme de Alex Law foi todo filmado em Hong Kong e é falado em cinco idiomas: cantonês, mandarim, inglês, francês e um dialeto típico de Shangai. Vale comentar que os idiomas oficiais do país são o chinês e o inglês.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,4 para o filme, uma média bastante boa entre os pré-concorrentes deste ano para uma vaga no próximo Oscar. O site Rotten Tomatoes, até este momento, não tinha nenhuma crítica linkada sobre o filme – o que revela que ele precisa de uma divulgação muito maior para começar a aparecer e, consequentemente, ter alguma chance de chegar ao Oscar, já que a premiação depende muito do bom e velho lobby.

De forma singela, Sui Yuet San Tau apresenta alguns ensinamentos importantes. O mais evidente é que a vida é feita de ciclos, de altos e baixos, e que devemos estar preparados para os tempos bons e os ruins sem nos desesperarmos ou iludirmos com uns e outros. O outro, subentendido neste primeiro, faz referência a necessidade de vivermos a vida em sua plenitude porque, afinal, ninguém sabe até quando estará por aqui. Sem evitar a dor e a perda, Sui Yuet San Tau acaba revelando-se um filme cheio de esperança e uma aposta no “saber viver” que passa pela fraternidade, pelo amor e pelas relações familiares fundamentadas na união e na compreensão. Apenas por isso, ele vale a nota que recebeu.

CONCLUSÃO: Uma produção singela que reflete, de forma suave e sem complexidade, sobre o domínio da Inglaterra sobre Hong Kong e os efeitos que isto teve sobre a vida cotidiana das pessoas daquele país. Misturando drama, comédia e romance com um certo equilíbrio, Sui Yuet San Tau conta parte da trajetória de uma família comum do subúrbio de Hong Kong. Narrada pela ótica de uma criança, que percebe as dificuldades e as perdas de forma gradativa e diferenciada, esta história busca revelar as agruras e, ao mesmo tempo, a determinação e a honestidade de pessoas comuns em contraste com a corrupção e a cobrança de serviços básicos como parte de uma sociedade doente. Com algumas sequências muito bem dirigidas e que primam pela plasticidade, este filme só perde pontos por seguir a mesma influência inglesa que ele tenta criticar. Sui Yuet San Tau acaba revelando-se pouco original ou, em outras palavras, ele não apresenta a força necessária para mostrar um caminho ou direção para o cinema genuinamente de Hong Kong. No fim, esta produção parece uma cópia com alguma pitada de identidade própria dos filmes ingleses e/ou estadunidenses de algumas décadas atrás. Está deslocado, assim, de seu próprio território e tempo.

PALPITE PARA O OSCAR 2011: Faltam muitos filmes ainda da lista de pré-indicados para serem assistidos. Mas me arrisco a dizer que Sui Yuet San Tau tem pouquíssimas chances de chegar entre os cinco finalistas para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2011. Primeiro, pela falta de tradição de Hong Kong na disputa. Depois porque falta para o filme mais originalidade – de roteiro e narrativa – e identidade própria. Infelizmente ele copia demais do modelo de cinema que a sua própria história tenta criticar. Não parece muito lógico questionar os efeitos malévolos de uma invasão cultural, militar e política e, ao mesmo tempo, render homenagem ao estilo desta mesma cultura em contar histórias de amor e dramas familiares. Falta a Sui Yuet San Tau elementos próprios do cinema de seu país para que a produção possa ser digna de uma disputa entre finalistas do Oscar em uma categoria que exige produções com certa singularidade. Por mais gracioso, otimista e curioso que o filme possa ser, ele não deve ter chances de chegar até a reta final desta disputa.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

2 respostas em “Sui Yuet San Tau – Echoes of the Rainbow”

Lendo as tuas críticas corri atrás, e tive a oportunidade de assistir a muitos filmes interessantes (a maioria é não é dos estados unidos, claro!).

Sobre a enquete que pergunta qual filme será o grande vencedor do oscar no próximo ano, eu tenho uma dúvida. A cerimônia de premiação é em fevereiro e filmes como THE TREE OF LIFE só estréia em maio. Como seria isso? Eles podem premiar antes do filme dar as caras no cinema?

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Oi Wellyson!!

Que bom! Fico feliz em saber que encontraste vários filmes bons através do blog. Esta é uma das grandes intenções deste espaço, indicar, comentar e compartilhar filmes interessantes com as pessoas.

Sobre o The Tree of Life, você tem razão. Li um texto que apontava o filme como um dos favoritos no próximo Oscar mas, agora que falaste, confirmei que ele deve estrear só em maio de 2011. Ou seja: está fora da disputa. Muito, muito bem observado. Vou tirá-lo da lista neste minuto. Obrigada!

Aliás, obrigada pela visita e comentário. Espero que voltes por aqui sempre. Não apenas para me dar boas dicas, como esta, mas também para falar dos filmes que gostaste.

Abraços!

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