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The Grey – A Perseguição


O que pode ser pior do que trabalhar em um local inóspito, gelado, cheio de neve por todos os lados e cercado por sujeitos durões, que curtem um bar e uma briga? E se na saída deste local, o avião em que você está cair, em local ainda mais inóspito? The Grey mostra que realidades complicadas podem sempre ficar ainda mais complicadas. No melhor estilo de “nada que está ruim não pode piorar”. Um filme angustiante, com um grande ator à frente do elenco, e que segura a tensão até o final. Belo trabalho do diretor Joe Carnahan, que tem um estilo seco e direto. Como uma história assim exige.

A HISTÓRIA: Cenário com montanhas geladas e trilha sonora composta de uivos. Instalações fumegantes, e a voz grave de Ottway (Liam Neeson) fala sobre um trabalho no fim do mundo. Ele se define como “um matador assalariado de uma grande companhia petrolífera”. No início, você pensa que ele está fazendo uma fina ironia mas, de fato, ele é um matador. De lobos. Ottway cuida da segurança dos funcionários da companhia, eliminando os animais ferozes quando eles se aproximam demais. Sujeito cheio de arrependimentos, Ottway segue o seu caminho meio que por inércia, até o dia em que eles tem que sair às pressas do local antes da chegada de uma tempestade de gelo. Eles embarcam em um avião, que sofre um acidente. A partir daí, Ottway e os sobreviventes terão que enfrentar as piores condições e perigos na busca pela sobrevivência.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a The Grey): Poucos tem a coragem do diretor e roteirista Joe Carnahan para fazer um filme como este. Porque, pela densidade e desesperança convicta desta produção, ela pode ser tudo, menos um projeto que renderá uma grande bilheteria. As pessoas não querem saber de filmes como este. Querem assistir a fantasias, ou comédias escrachadas e repetitivas. Tudo que lhes faça esquecer um pouco da dureza de suas próprias realidades. Prova disso são as últimas grandes bilheterias de Hollywood.

Então é preciso ter coragem para fazer um filme como The Grey. Porque ele não alivia. Pelo contrário. Vai ficando cada vez mais tenso e forte conforme a história se desenvolve. E a beleza desta produção é que ela não é apenas isso. Um filme sobre situações extremas e o choque entre o homem racional e a sua parte irracional e/ou primitiva.

O protagonista, por exemplo, não é apenas uma figura dura, mas também um homem adulto que é capaz de olhar para o passado e citar a poesia do pai, ter foco em saídas corajosas no presente enquanto ele lembra da voz doce da amada perdida. E não é apenas ele que tem a história destrinchada. Outros personagens que o acompanham também tem suas memórias, temores e momentos de valentia. Esses elementos fazem toda a diferença em The Grey.

O cenário do filme parece impossível para qualquer ser humano. E, ainda assim, aquelas pessoas insistem em buscar a vida por lá. Contra todas as adversidades. Essa teimosia mostra a valentia do espírito daquelas pessoas, ou apenas uma falta extrema de alternativas? As duas respostas são válidas.

Porque os personagens de The Grey mostram valentia e ao mesmo tempo desespero. Eles estão naquela parte do mundo porque o homem é ambicioso. Porque aqueles sujeitos “desprezados” em qualquer socidade “desenvolvida” acabam sendo convocados por uma companhia que quer faturar alto explorando o petróleo, esse líquido negro tão valioso. Claro que eles não são, apenas, vítimas. Muitos deles tem um passado de delitos, ou de equívocos. Ninguém para em um lugar como aquele se não tem algumas cicatrizes espalhadas pelo corpo e pela alma.

Até o nome do filme parece nos dar uma dica sobre a essência da história. Certo que, em certo momento, o “assado” de um lobo explica um pouco do “cinza” do título. Mas não acredito que seja apenas isto. The Grey revela que a vida não é preto no branco, ou simples de elucidar. Homens “brutos” também amam, já revelaria um clássico do cinema. Não apenas Ottway tem memórias calorosas e apaixonadas para revisitar. Cada um daqueles homens teve uma namorada, uma mulher ou filhos que lhes fazem resgatar forças para seguir, ainda que o caminho adiante pareça cada vez pior.

Os personagens desta história podem parecer renegados, brutos, sempre próximos de algum gesto descontrolado – especialmente após alguns tragos. Mas eles também são capazes dos melhores gestos de irmandade, de bravura – além daquele estágio de pura luta pela sobrevivência. Nem sempre, mais uma vez, é possível resumir as situações em preto ou branco. A vida, talvez em grande parte do tempo, esteja mais para tons de cinza.

Além destas questões filosóficas e de “fundo”, The Grey se revela um ótimo filme de ação. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Há cenas impressionantes, como aquela do acidente de avião, e outras de perseguição e ataque dos lobos. Claro que algumas sequências deixaram a desejar – especialmente algumas envolvendo efeitos especiais relacionados com as feras. Mas, na maior parte do tempo, Carnahan soube equilibar, junto com o roteirista Ian Mackenzie Jeffers, autor do conto Ghost Walker, no qual o filme é inspirado, os momentos de tensão, suspense, ação e de aprofundamento/proximidade em relação aos personagens.

Como argumentei lá no início, incrível como o pior dos cenários pode ficar ainda mais complicado. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Trabalhar e viver no ambiente mostrado no início de The Grey já é algo difícil. Para piorar, aqueles homens sofrem um acidente de avião. Estão perdidos no gelo, suscetíveis à tempestades, sem comida, sem perspectiva de serem resgatados. E ainda há a ameaça, não apenas pela noite, mas também durante o dia, de uma matilha de lobos furiosos. Caramba! Este aumento da tensão e as perdas que vão se acumulando, elevam a tensão. O filme acerta ao não aliviar.

Liam Neeson está matador. A voz dele, densa, encorpada, não poderia ser substituída por nenhuma outra. Seu olhar e atitude, que lembram a dos lobos que ele combate desde o início, dão o tom exato para o personagem – criando legitimidade e, ao mesmo tempo, ainda mais tensão para esta história. Brilhante. Os demais atores estão bem, ainda que nenhum tenha o mesmo destaque que Neeson.

O roteiro está muito bem escrito, mas para não dizer que ele é perfeito, ele demora um pouco para engrenar e tem algumas participações um tanto mal construídas. Por exemplo, o personagem de Flannery (Joe Anderson), que morre logo no início. Todos sentem muito a perda dele, mas isso não afeta aos espectadores, porque não sabemos nada a seu respeito. Faltaram umas linhas e/ou um pouco mais de tempo para mostrar a importância dele para aquele grupo. Algo similar acontece com Burke (Nonso Anozie). Um pouco mais de elementos sobre os personagens não faria mal para o filme.

Outros elementos importantes para o filme funcionar bem são a direção de fotografia de Masanobu Takayanagi, a trilha sonora marcante de Marc Streitenfeld e a edição da dupla Roger Barton e Jason Hellmann.

E algo que o filme faz pensar e que vale o ingresso: o que as pessoas normalmente pensariam após sobreviver a uma queda de avião como aquela? Que Deus tem um plano maior para elas, certo? (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). E eis uma das sacadas do roteiro. Lá pelas tantas, em desespero – e com razões para isso -, Ottway chega a pedir uma explicação sobre o que está acontecendo para Deus. Mas eis a questão, não existe nenhum plano superior. Aqueles homens não foram “poupados” porque vão ajudar a mudar o mundo. Mas no tempo que eles ganharam, eles tem a oportunidade de aprender algumas coisas.

De aprender com o sofrimento e com o medo. Com a dor e a proximidade de pessoas que eles não imaginariam conhecer mais de perto. Assim como com uma rápida olhada para o passado e para o amor que os une a pessoas que não estão ali. Mas Deus não fará um milagre e soltará raios para exterminar as ameaças. Os homens devem lutar por suas vidas, fazer a parte que lhes deve. Talvez essa seja uma das grandes reflexões da história. Viva ou morra hoje. Isto pode acontecer em um dia, para qualquer um de nós. Mas lutar até o fim é que nos faz maiores. The Grey mostra isso.

NOTA: 9,5.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: The Grey foi totalmente rodado no Canadá. Mais precisamente nas cidades de Edmonton, Smithers, Vancouver e Whistler. Em outras palavras, sim, na neve. Essa era uma dúvida que eu tinha. Se aquela equipe e atores tinha realmente penado no gelo ou a maioria das cenas tinham sido apenas simuladas em estúdio – o que parecia ser difícil de fazer, pela maioria dos cenários serem abertos. Mas nunca se sabe, com a alta tecnologia de efeitos especiais…

De fato, lendo sobre as notas da produção, vi que o ator Liam Neeson comentou que, na maioria das cenas, rodadas em Smithers, a sensação térmica era de – 40ºC. Sim, 40 graus NEGATIVOS. Honestamente, eu nem consigo imaginar como é caminhar, quanto mais trabalhar – leia-se atuar – nesta temperatura. Impressionante.

As cenas de tempestade de neve foram reais – nada forjado com equipamentos do cinema. Incrível. Mais alguns argumentos para que Neeson seja, finalmente, indicado e/ou vencedor de algum prêmio importante, como o Oscar. Interpretar com tanta convicção o personagem dele sob condições reais como aquelas não é para qualquer um. Eu diria que nem 10% dos astros de Hollywood encarariam algo assim.

Para se preparar para este papel, Neeson também consumiu carne de lobo – isso que eu chamo de “entrar” no personagem. 🙂

Há uma cena rápida, após os créditos finais. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Mas ela não ajuda muito a “matar a charada”. Nesta imagem final, o lobo alfa aparece ofegante, e a cabeça de Ottway está repousada sobre o estômago do lobo. Não fica claro quem venceu a disputa. Ou se houve vencedor. Claro que a imagem remete a uma cena mais no início do filme, em que Ottway repousa a mão sobre o estômago do lobo que ele abateu. Mas no final, não se sabe se, novamente, ele espera o último suspiro do lobo ou se ele também está dando o último suspiro. Nunca saberemos. E é bom assim. Cada um faz a sua aposta e tem a sua resposta – e todas são válidas.

The Grey teria custado US$ 25 milhões. Não é uma cifra desprezível, mas podemos dizer que os recursos foram bem gastos – levando em conta as condições e locais em que o filme foi rodado. Para a minha satisfação, esta produção não apenas se pagou, mas está dando lucro. Até o dia 25 de março, o filme tinha faturado pouco mais de US$ 51,3 milhões apenas nos Estados Unidos. Vida longa para ele, pois.

Os usuários do site IMDb gostaram do filme. Eles garantiram a nota 7,1 para The Grey – bela avaliação, para os padrões do site, e especialmente porque este não é um filme para “grandes públicos”. Os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes também aprovaram a produção, dedicando a ela 135 textos positivos e 37 negativos – o que lhe garante uma aprovação de 78% e uma nota média 6,8. Achei a nota dos críticos um pouco baixa, mas paciência.

The Grey estreou nos Estados Unidos em um circuito fechado no dia 11 de dezembro, mas entrou em cartaz pra valer em seis países no final de janeiro. Até o momento, o filme foi indicado apenas a um prêmio, o de melhor filme de terror/thriller na premiação da Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films dos Estados Unidos.

Este é o sétimo trabalho do diretor Joe Carnahan. Antes ele dirigiu a Narc, Smokin’ Aces e The A-Team.

CONCLUSÃO: Você tem as piores condições possíveis e imagináveis para seguir vivo e, ainda assim, você continua seguindo. Isso porque, não muito tempo antes, você tinha pensado em desistir de tudo. The Grey fala da força da natureza, e do esforço do homem em tentar controlá-la, superar os seus próprios limites e tudo o mais que vem ao seu encontro. O homem também é feito de instinto, e desta vontade incontrolável para seguir vivo. The Grey trata destas forças e desejos, assim como faz um resgate interessante de um grupo de homens que, normalmente, não aparece no centro de uma história de Hollywood. Mais um grande trabalho de Liam Neeson, e de um diretor que não pensa duas vezes em se arriscar em uma história selvagem e dura. Bela surpresa – especialmente se você gosta de filmes diretos e que não buscam uma solução simples para realidades complicadas.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

8 respostas em “The Grey – A Perseguição”

Liam Neeson continua sendo o cara, dos filmes (interessantes) de ação. Não fazia idéia dessa cena nos créditos finais, obrigado pelo dica!

abração Ale!

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Oi Mangabeira!

Liam Neeson é fantástico, não é mesmo? Pena que Hollywood não dê o devido valor para ele. É um ator muito bom e que consegue manter uma constância interessante.

Imagina… estou aqui pra essas coisas. Para dar dicas – quando elas existem – sobre extras dos filmes. 🙂

Abraços grandes e inté!

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Olá Alessandra,
Assisti ontem The Grey, e lendo sua crítica hoje, confesso que também gostei muito do filme e de Liam Neeson. Com certeza passa pela cabeça da gente (sempre uma explicação, não é?) que se eles foram poupados no acidente, pode até ser que nem todos sobrevivam, mas pelo menos uns 4 conseguirão. Mas, o final acaba surpreendendo e certamente sendo o melhor, ou seja, sem aquele gosto que em filme sempre terá um final feliz.
Eles lutaram sim, afinal é do homem, do bicho, a sobrevivência, mas a vida não é feita sempre de finais felizes.
Abraços,
Poliana

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Oi Poliana!

Pois então, bem verdade isso que você falou. Pela “lógica” normal dos filmes, no final deste poderíamos esperar alguns sobreviventes. E que nada… nem sempre as pessoas são poupadas para viver muito tempo.

Algo que gostei muito neste filme, também, é que mesmo o final dá várias interpretações. Afinal, qual daquelas duas feras sobreviveu? Fica a gosto do espectador.

E tem isso também. Do final feliz… qual seria? Algumas vezes morrer com dignidade ou lutando é melhor do que simplesmente ser resgatado, não é mesmo?

Obrigada por mais esta tua visita e comentário. E volte por aqui sempre, viu?

Abraços e inté!

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Oii Ale, quanto tempo hein menina! acho que vc nem vai lembrar mais de mim rsrsrsrrsrs
Muitas mudanças na minha vida, 3 anos trabalhando em navios de cruzeiro e agora mudei de cidade enfim nao tava tendo tempo pra nada, e pra completar perdi o teu site, e acabei achando agora sem querer nuns cookies perdidos no meu pc rsrsrsrsr ….então Amo Liam, mas esse filme ai odiei do começo ao fim!! não curti nao, a cada momento eu ficava com mais raiva!!! nota 5 pelo respeito q tenho com o ator.

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Oi Fellipe!

Essa tua experiência viajando em navios de cruzeiro deve ter sido beeeem bacana, hein? Fiquei curiosa para saber mais.

Pena que perdeste o blog de vista… mas que conseguiste reencontrá-lo outra vez.

Curioso que você não tenha gostado deste filme e que ele tenha te despertado ódio e tudo. Outra hora me conta o porquê. Fiquei curiosa para saber o que te deixou tão descontente.

Obrigada por mais esta visita e comentário. E volte por aqui mais vezes.

Abraços e inté!

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Oi vanderfilmb!

Fiquei feliz em ver que comentaste a alguns filmes de uma única vez. Legal. Obrigada.

Muito bom esse filme, não é mesmo? Uma grata surpresa.
Sim, o bacana desta produção é que ela trata das forças primárias, como elas são muito mais poderosas do que toda a nossa inteligência ou os avanços das nossas ciências e dos gestos da humanidade para domar a natureza.

O final é ótimo. Também gostei muito, até porque deixa dúvidas pairando. O que é bom.

Valeu! E nos vemos aqui em uma próxima. Abraços e inté!

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