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Disturbia – Paranóia


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Imagine um sujeito que é obrigado, por alguma razão, a não sair de casa por um longo tempo. Sem nada de muito interessante para fazer, ele resolve, com um binóculo, espionar os vizinhos. Assim, ele acaba sabendo de quase tudo que se passa nas vidas alheias, até o momento em que ele começa a acreditar que um de seus vizinhos é um assassino. Você lembrou de Janela Indiscreta (Rear Window) clássico de Alfred Hitchcock lançado há 55 anos? Pois quase… esta premissa, adaptada para os anos 2000 substituindo o jornalista de meia idade de Hitchcock por um adolescente entendiado é a mola propulsora de Disturbia. Dirigido por D.J. Caruso, Disturbia lançou para o estrelato Shia LaBeouf, que só depois desta produção estrelaria Transformers, Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull e que voltaria, em Eagle Eye, a trabalhar com Caruso.

A HISTÓRIA: O jovem Kale (Shia LaBeouf) passa uma tarde relaxante com o pai, o escritor Daniel Brecht (Matt Craven). Longe da civilização, eles se divertem fazendo um programa que parece “típico de pai e filho estadunidense”: percar em um rio. Na volta para casa, Kale é fechado por um veículo em alta velocidade e, dirigindo distraído, acaba se envolvendo em um grave acidente. Um ano depois, ele agride o professor de espanhol da escola, o Señor Gutierrez (Rene Rivera) e, como penalidade, acaba sendo condenado a ficar três meses em regime de prisão domiciliar. A detetive Parker (Viola Davis, antes de ser indicada ao Oscar por Doubt) explica que o jovem será monitorado 24 horas por dia através de um sensor preso na perna. Com sua conta do videogame, do iTunes e da TV à cabo no quarto bloqueadas pela mãe, Julie (Carrie-Anne Moss), e sem poder sair de casa, Kale acaba dedicando seus dias a espionar os vizinhos – especialmente uma garota que se mudou recentemente, Ashley (Sarah Roemer). Mas sua rotina divertina muda de figura quando ele passa a desconfiar do Mr. Turner (David Morse), que tem um perfil parecido com o de um assassino em série que está sendo procurado pela polícia.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a Disturbia): Francamente, não acho um problema este filme “beber” tanto da fonte do clássico Rear Window. Na verdade, acho até bacana a idéia do roteirista Christopher B. Landon em “adaptar”, por assim dizer, aquela premissa original para os dias atuais. Sim, porque idéia original mesmo, ele não teve – impossível alguém que vive no ramo do cinema não conhecer o clássico de Hitchcock. Mas acho bacana esse tipo de “homenagem” aos clássicos – acho melhores do que uma simples (e normalmente mal feita) refilmagem.

Dito isso, quero salientar também que Disturbia apenas utiliza o conceito de “voyeurismo” dos vizinhos visto anteriormente em Rear Window. O restante do filme é original, traz idéias novas para a história. Começando, por exemplo, por colocar um adolescente estadunidense como protagonista. Uma das partes mais interessantes do filme é ver como todas as ações de Kale são perfeitamente justificadas pelo fato dele ter 17 anos e ter perdido o pai recentemente – em um acidente do qual, o filme não deixa claro, mas provavelmente ele se sente um pouco culpado. Um bocado “revoltado”, crianção e com os hormônios nas alturas, Kale avacalha com a rotina de casa e, claro, acaba desta maneira transformando a sua própria vida em um “pequeno inferno” – entendendo isso como ficar sem o Xbox 360, sem acesso ao iTunes ou aos canais pornôs da TV à cabo.

Entediado e com um limite para se locomover que termina no jardim de casa, Kale agradece aos céus quando tem o colírio de uma nova vizinha para observar. Todo esse enredo de “azaração” e esta coleção de “gostos juvenis” deve ter caído como uma luva entre o público jovem. E todos nós sabemos que a identificação entre público e personagens é meio caminho andado para um êxito de bilheteria. Pois bingo! Um grande acerto dos roteiristas Landon e Carl Ellsworth em explorar este filão. E a verdade é que este enredo, somada a direção bastante ágil e acertada de D.J. Caruso, fazem o filme ter o ritmo certo.

Outra característica interessante de Disturbia, em relação ao clássico de Hitchcock, é que no filme de 2007 as novas tecnologias acabam tendo um papel fundamental na história. Kale e seu melhor amigo – e ajudante de espionagem – Ronnie (Aaron Yoo) não utilizam apenas diferentes binóculos para espionar. Desta vez eles fazem uso de câmeras de vídeo e celulares conectados a distância. Até mesmo Ashley acaba aderindo à brincadeira e, em uma das melhores sequências do filme, espiona Turner em uma loja de conveniências. Muito interessante a maneira com que Caruso trabalhou a conexão através de celulares, computador e câmeras de vídeo entre Kale, Ashley e Ronnie naquele momento.

(SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). O único “porém” de Disturbia, para o meu gosto – além de alguns momentos em que o crianção do protagonista chega a irrita com sua imaturidade – é que ele acaba sendo previsível demais. Certo que lá pelas tantas, como qualquer filme de suspense, o roteiro tenta nos convencer de que tudo não passa de uma neurose da cabeça do entediado Kale – velha artimanha empregada por produções do gênero. Mas esta “reviravolta” do roteiro é tão previsível que, quando ela acontece, já sabemos o que virá depois. Sim, Disturbia tem que ter o seu herói e seu psicopata de plantão. Do contrário, o que seria do filme? Bem, poderia ser outra coisa… surpresas são raras em Hollywood, mas as exceções estão aí para comprovar que elas são possíveis. O que não é o caso de Disturbia. Ele é um bom filme, mas não surpreende.

NOTA: 8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Não sei vocês, mas eu achei o Shia LaBeouf “grandinho” demais para encarnar um garoto imaturo de 17 anos. Certo que ele tem aquela cara de “bom moço” e um pouco de “neném”, mas tive que me esforçar para pensar que estava vendo um estudante de segundo grau na minha frente. Lembrando que em 2007, quando o filme foi lançado, LaBeouf tinha 21 anos. Agora, alto lá! Espero que ninguém me entenda mal. Achei a interpretação dele muito, muito boa. Carismático, talentoso, ele dá o tom exato para o personagem. Foi por mérito que ele conseguiu a projeção que teve depois deste filme.

E falando em carisma… gostei muito da “química” entre LaBeouf e a atriz Sarah Roemer. Os dois acabam dando um “tempero” importante para a história – e, como em um filme de Hitchcock, parece que o contato físico entre eles tem que ser adiado quase até o final, em uma sucessão de interrupções que, Freud explica, adia o prazer e cria tensão suficiente para que a platéia torça pelo casal e se identifique com eles.

Outra característica que faz Disturbia ser diferente do clássico de Hitchcock é que o filme de Caruso é muito mais “direto” nas cenas de violência. Que ninguém se engane: há momentos de tensão, socos, sangue e gente morta.

Disturbia reflete menos que Rear Window a questão da paranóia urbana. Mas o tema está ali, presente. Especialmente nas vezes em que o policial Gutierrez (Jose Pablo Cantillo) se vê obrigado a atender aos alarmes falsos do protagonista. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Chega aquele momento da história em que todos desacreditam a Kale, acreditando que ele está exagerando, que ele virou paranóico e que está vendo um assassino em uma pessoa comum. Como o cartaz do filme sugere, é fato que todos os psicopatas são vizinhos de alguém. Mas é igualmente verdadeiro que se começamos a vigiar os demais, nos tormamos paranóicos e, provavelmente, veremos cabelo em ovo na maioria das vezes. Bom senso, como sempre, é a melhor pedida. Ou, em outras palavras, o ideal é você não fechar os olhos para comportamentos sinistros na mesma medida em que aposta em preservar a privacidade dos demais.

Tecnicamente, Disturbia é muito bem dirigido por Caruso, como comentei antes, e tem uma direção de fotografia bastante correta de Rogier Stoffers. O diretor de fotografia garante que as cenas noturnas, que ocupam uma parte considerável do filme, sejam ao mesmo tempo convincentes e claras o suficiente para dar protagonismo aos atores. A trilha sonora de Geoff Zanelli, como em 99% dos filmes de suspense, está planejada para nos “assustar” nos momentos cruciais da história. Por ser voltado para o público jovem, Disturbia também conta com um trilha voltada para este público, com a escolha de System of a Down, Kings of Leon, Countdown, entre outros, para o repertório. Completando a equipe técnica principal, merece uma menção o trabalho do editor Jim Page, o grande responsável, junto com Caruso, pelo ritmo acertado do filme.

Disturbia foi um sucesso de bilheteria. A produção, que teria custado aproximadamente US$ 20 milhões, faturou, apenas nos Estados Unidos, pouco mais de US$ 80 milhões. Um belo lucro, não? Eu gostaria de ser uma das produtoras do filme para levar o meu “quinhão” nesta bolada. 😉

Para completar o quadro perfeito de qualquer produtora em Hollywood, Disturbia ainda abocanhou alguns prêmios pelo caminho. No total, o filme ganhou quatro prêmios e foi indicado a outros três. Dos que levou para casa, destaque para os prêmios de Melhor Filme de Terror/Thriller e outros dois para o ator Shia LaBeouf no Teen Choice Awards de 2007 – premiação em que o público jovem escolhe os melhores do ano.

No site IMDb o filme registra uma respeitável nota 7. Na média, os críticos que tem seus textos linkados no Rotten Tomatoes também aprovaram Disturbia: pelo site é possível acessar a 112 críticas positivas e 54 negativas para o filme – o que lhe garante uma aprovação de 67%.

CONCLUSÃO: Um filme de suspense envolvente que moderniza a idéia da paranóia/voyeurismo do clássico de Hitchcock lançado há 55 anos. Estrelado por um Shia LaBeouf sedento por mostrar trabalho – o que ele efetivamente consegue -, Disturbia acaba sendo uma interessante reflexão sobre o comportamento juvenil e das famílias que vivem nos espaços urbanos atuais. Se bem que a última intenção do filme é a de fazer refletir – o que Disturbia busca, realmente, é entreter. A tecnologia e os gostos juvenis ganham certo protagonismo no filme, assim como a capacidade das pessoas em manterem-se normalmente isoladas – a idéia é que em suas propriedades pode acontecer quase de tudo. Bem dirigido, com um ritmo adequado, o filme apenas peca por seguir em um caminho bastante conhecido pelos fãs do gênero – ou seja, conta com reviravoltas e um desenlace previsíveis. Mas como entretenimento, vale a pena. Agora, se você ainda não assistiu ao clássico de Hitchcock, Rear Window, está é a hora!

SUGESTÕES DE LEITORES: Como ocorreu antes e vai acontecer muitas vezes ainda, dou uma pausa na minha lista de filmes mais “novinhos” a serem assistido para me lançar a alguma produção que todos ou quase todos já assistiram – menos eu. Isso para atender às dicas – sempre muito boas – dos leitores deste blog. Desta vez, a minha motivação para assistir a Disturbia partiu de um comentário feito pela Isa em novembro de 2008. Bem bacaninha este filme, viu, Isa? Gostei!! E tenho outros filmes que você comentou na lista para assistir… pouco a pouco, vou colocando a minha “tarefa de casa” em dia. 😉 Obrigada pela sugestão e vê se aparece, para comentar sobre este e outros filmes!

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

7 respostas em “Disturbia – Paranóia”

Ah, parece que gostasse mais do filme que eu, afinal ehehehe
Achei que o filme não se perdeu e o Shia LaBeouf segurou bem o personagem principal. Só que já vi tantos clones de Janela Indiscreta que não tem mais nem graça. heheeh Apesar de tudo, vale pelo entretenimento! 🙂

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Olá O Cara da Locadora!!

Pois sim… Disturbia é um filme divertido. Francamente, eu também esperava menos – na verdade, esperava uma cópia meio tosca de Rear Window. Mas até que não… descontados alguns “detalhezinhos” forçados, especialmente na parte final do filme, ele acaba se mostrando bem interessante.

Um abraço!

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Oi Isa!!

Sério mesmo? hahahahahahahahaha
Que bom, né? Que eu gostei do filme… 😉

Olha, sei que rolaram já várias “cópias” do Janela Indiscreta, mas como fazia tempo que eu não assistia a uma proposta nova neste sentido, até que gostei do que vi. Mas, quem sabe, se eu tivesse visto muitos filmes do gênero recentemente, também estivesse meio “sacuda”, como você.

Como entretenimento, como bem diseste, o filme vale.

Um abração!

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kkk…
esse filme em especial foi bem marcante pra mim…
pq. meio de “Bob” participei de uma promocao da DreamWorks e respondi uma pergunta “o que vc faria se seu vizinho fosse um assassino”…Eu respondi que nunca mais reclamaria dos latidos do seu cao e pensaria duas vezes antes de pedir uma xicara de acucar…
Ganhei dois convites pra premier e uma camiseta….kkkk…
Achei legalzinho!….aind mais na faixa!

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Oi Vicky!!

hahahahahaha

Boa!

Essas promoções dos estúdios e distribuidoras são bem bacanas. Achei ótima a tua resposta. Muito merecido o teu prêmio.

O filme é bacaninha sim… perto de tantos outros do gênero, que se “levam a sério demais” e são tão mais chatos, eu diria que Disturbia é uma boa surpresa.

Obrigada por mais este comentário e visita. E volte mais vezes! Abraços!!

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Bom filme.
Quem nunca teve um momento paranóico?
Eu até hoje tenho minhas teorias da conspiração.
A melhor parte do filme, é quando Kale “descobre” Ashley, dizendo que ela é uma garota de conteúdo, que questiona o mundo em que vive, e não fica se olhando no espelho admirando a sua própria beleza.
Filme adolescente, mas quem já foi um dia, pode até se identificar com certas passagens desses filmes, apesar de 28, eu ainda assisto esses filmes.
Parabéns pelo blog,um dos raros que resistiu a tanto tempo.

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