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The Square – The Square: A Arte da Discórdia


Qual é o valor da arte hoje em dia? Em um mundo em que a desigualdade parece não ter fim, gastar com arte parece algo ético? O que a arte nos questiona, conseguimos levar para a nossa vida cotidiana ou a reflexão dura apenas alguns segundos, minutos, dias, mas não consegue sair do plano das ideias? The Square é um filme interessante, que nos desafia a pensar sobre o nosso contexto, sobre as sociedades que construímos e sobre as escolhas que fazemos. Trata de arte, é verdade, mas trata, sobretudo, de gente.

A HISTÓRIA: Som de festa. Um zumbido. Som de um sapato no piso. A secretária de Christian (Claes Bang) pergunta se ele precisa de algo, porque chegou a hora da próxima entrevista. Ele pede dois minutos para se preparar. Pouco depois, ele está pronto para falar com a jornalista Anne (Elisabeth Moss). A entrevista demora um pouco, porque as anotações dela caem, mas logo ela recomeça e pergunta para ele qual é o maior desafio para se gerenciar um museu. Christian diz que odeia dizer isso, mas que provavelmente é o dinheiro.

Ele diz que o museu, por ser de arte moderna e contemporânea, tem uma competição feroz, já que existem muitos compradores cheios de dinheiro no mundo que gastam mais em uma tarde do que eles em um ano. E assim começa essa produção, que mostra não apenas o que acontece dentro de um museu, mas em seu entorno, focando em aspectos que a arte moderna e contemporânea gosta de focar, ainda que nem sempre ela chegue em todos que deveria.

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a The Square): Eu não sabia muito bem o que esperar desse filme. Sim, eu já tinha ouvido falar que ele tratava sobre a arte, mas qual seria exatamente a proposta desta produção, só vendo mesmo. E aí que esse filme me surpreendeu por tratar os bastidores da arte sem firulas e por aproveitar o tema para abrir um pouco mais a discussão sobre a sociedade que cada um de nós ajuda a construir.

Logo no começo do filme dirigido e com roteiro de Ruben Östlund somos apresentados ao protagonista dessa produção. Curador-chefe de um museu de arte moderna e contemporânea, Christian é um sujeito interessante – e que representa vários homens da sua geração. Bem educado, com uma vida boa e com “poder” no meio artístico, ele tem o olhar crítico necessário para estar na posição em que ele está. Mas será que esse olhar crítico se sustenta a longo prazo e/ou em qualquer situação?

Algo interessante nesse filme, e que eu notei logo de cara, é que ele trata de situações bastante plausíveis. Em alguns momentos, inclusive, parece que The Square se desenvolve quase como um documentário. Me refiro às diferentes cenas das ruas de Estocolmo, à garota que pede dinheiro ou comida em um 7-Eleven do Centro, e tantas outras sequências que parecem povoar o cotidiano não apenas daquela cidade, mas de qualquer outra.

O início do filme, que se debruça sobre os bastidores de uma nova exposição que está sendo preparada para estrear no museu, também parece bastante “a vida como ela é”. Christian está em meio a uma série de entrevistas para falar sobre o museu e sobre o seu esforço de seguir existindo em um mundo em que a disputa por recursos é cada vez maior – e quem, hoje em dia, realmente é filantropo e generoso para doar dinheiro para a arte?

Assim, The Square já começa desmistificando um pouco a ideia romântica que muitos tem sobre o mundo da arte. De que ele é formado apenas por pessoas criativas, muito ligadas em tudo que os cerca e críticas do cotidiano. Ainda que tudo isso seja verdade, esse meio também vive em uma busca constante por dinheiro e por recursos. Colocar uma nova exposição de pé não é algo fácil ou simples, como The Square revela muito bem.

Várias pessoas são envolvidas no processo, e há uma “briga” grande por parte de cada museu para que a sua proposta seja ouvida e reverberada na imprensa – porque, assim, eles conseguem não apenas público, mas também possíveis apoiadores/patrocinadores. E aí esse filme entra em uma outra esfera que, particularmente, me pareceu especialmente interessante: em um mundo com excesso de informação e de pautas que chamam a atenção e são de interesse público, como se fazer notar com uma exposição de arte?

Francamente, a arte deveria chamar a atenção naturalmente. Pelo menos é isso que eu penso. Porque a arte, não importa em que época da nossa história, ajudou a nos contar mais sobre o que somos, sobre o que sonhamos, e ampliou as nossas fronteiras da imaginação e da compreensão. Então a arte, por si só, deveria interessar a todos – inclusive aos jornais.

Mas não. Parece que a cada dia mais pessoas estão achando a arte desinteressante – ou essa é apenas uma impressão minha? Nesse sentido, The Square joga algumas perguntas importantes no ventilador. Como, por exemplo, a quem a arte interessa? Quem se importa com a arte? Será que ela pode ser tão importante ou interessante para um mendigo quanto para uma pessoa que tem uma ótima condição de vida?

Pior que, para quem já frequentou alguns museus, sabe que arte parece ser realmente restrita a alguns perfis de pessoas. Quantos museus, por exemplo, estariam dispostos a abrir as portas para quem não pode pagar pela entrada e/ou para moradores de rua? Bem, muitos museus tem os seus dias de gratuidade. Em teoria, nesses dias, qualquer pessoa poderia entrar – inclusive alguém sem dinheiro algum. Mas você, que já foi em alguns museus, já viu em algum deles um mendigo? Eu, nunca.

Então será mesmo que os diferentes cenários artísticos – museus, galerias, cinemas, teatros, etc. – são democráticos e abertos para todos? Ou será que eles, com certa “naturalidade”, selecionam quem deve ou não frequentar os seus ambientes e a sua arte? Apesar de não ser vista por todos, a arte trata sobre todos. Todas as manifestações artísticas que vemos nesse filme – todas muito interessantes, aliás -, acabam falando sobre conceitos universais e sobre questões que competem a toda a sociedade (inclusive a marginalizada).

Uma das exposições, que mostra montes de “cinzas” e a frase “você não tem nada”, aborda a insignificância e a finitude do indivíduo – e o fato de que nada do que ele acredita ter de posses realmente seja algo. Outra intervenção artística, feita por Oleg (Terry Notary), em um jantar chique – para mim, o ponto alto da produção -, trata com bastante impacto a questão do “bicho humano” e a sociedade machista em que vivemos – na qual, muitas vezes, parte considerável dos homens parece não ter saído do tempo das cavernas.

Além destas exposições, temos aquela que movimenta a produção – além da vida pessoal do protagonista, é claro. A exposição The Square de Lola Arias, que dá nome a esse filme, trata sobre uma sociedade em que a confiança ou a desconfiança sobre os outros dita as nossas escolhas cotidianas – e, mais que isso, a nossa vida.

Em paralelo a todo o trabalho envolvendo a montagem e a divulgação dessa exposição, temos a vida real acontecendo, com o protagonista Christian tendo a sua própria tolerância e confiança/desconfiança do outro testada. (SPOILER – não leia se você não assistiu ainda ao filme). Primeiro, ao tentar ajudar uma garota desesperada, ele é enganado e roubado. E como ele reage a isso que lhe aconteceu? Esse é o ponto central da história.

Primeiro, Christian “acompanha” a trajetória do celular que foi roubado. Depois, em meio a vinho e um jantar, ele dá ouvidos para Michael (Christopher Laesso), que sugere que ele entregue uma carta ameaçadora para cada morador do prédio onde o celular dele foi parar. Até aí, o gesto dele parece ter sido inocente. Afinal, o criminoso pode ou não dar bola para a carta que ele escreveu. O problema é que nem toda cultura ou toda família funciona da mesma forma.

Então sim, Christian consegue os seus pertences de volta. Mas ele também consegue uma bela dor de cabeça com um garoto (Elijandro Edouard) ficando realmente indignado com a acusação que ele fez. Diferente de Christian, que provavelmente ignoraria uma carta daquela sendo deixada em sua porta, a família do garoto passou a desconfiar dele e a castigar. Claro que tudo isso se resolveria de uma maneira simples – se eles falassem com a vizinhança, por exemplo, facilmente eles saberiam que a acusação tinha sido generalizada.

Esse ponto do filme parece um tanto exagerado, não é mesmo? De fato ele é, um pouco. Porque vejamos a maior parte das pessoas… quem hoje em dia cumprimenta os vizinhos ou tem uma boa relação com eles? Sim, no Brasil ainda temos isso. Agora imagine um país da Europa onde os imigrantes são cada vez mais recebidos com receio e/ou indiferença… muitas pessoas realmente não se enturmam ou acabam se refugiando apenas dentro de casa – para evitar problemas maiores.

Nada fica totalmente claro em The Square, mas me parece que esse era o caso do garoto e de sua família. Parece que eles eram imigrantes – talvez até muçulmanos -, que não eram bem “inseridos” em sua comunidade e que, por isso, acabaram levando a acusação como algo tão grave.

Esse é um ponto não óbvio e importante do filme. Mostrar como hoje existem tantas pessoas marginalizadas nas nossas cidades – seja porque não tem dinheiro, seja porque vieram de outros países, atrás de uma oportunidade melhor de vida, e não falam direito o idioma ou encontram uma oportunidade de trabalho.

O problema é que nem eles se adaptam bem ao novo local, por causa do idioma e da cultura, e nem as pessoas locais conseguem perceber que a forma deles de pensar e de agir é diferente – e que todos nós, por isso mesmo, deveríamos ter mais cuidado e empatia no trato. Em resumo, mais consideração pelo ser humano, suas semelhanças e diferenças. Mas quem disse que isso é o que vemos acontecer?

Voltando para a questão da divulgação da nova exposição do museu. Esse é um ponto que me pareceu especialmente interessante. Christian, muito envolvido com as suas questões pessoais – além do resgate dos pertences roubados, a relação nova e um tanto conturbada com a jornalista Anne (Elisabeth Moss) e o retorno das filhas para casa (Lise Stephenson Engström e Lilianne Mardon) -, acaba sendo um bocado displicente com a divulgação da exposição The Square.

O resultado é que a agência de relações públicas e de marketing contratada para divulgar o evento acaba apostando na ideia maluca de dois “jovens talentos” (Daniel Hallberg e Martin Sööder) que conhecem bem a dinâmica das redes sociais e que vem com uma ideia literalmente “bombástica” para “causar” na internet. Para mim, esse é um dos pontos mais interessantes do filme.

Realmente muitas pessoas hoje em dia – vide inclusive políticos no Brasil – perdem a noção do ridículo ou do que pode ser aconselhável e se lançam com ideias malucas e/ou cretinas na internet para conseguirem a tão desejada exposição na mídia. Mas a que preço eles fazem isso? No caso do exemplo dado por The Square, os publicitários conseguiram “viralizar” o vídeo e chamar a atenção para a exposição, mas de uma forma totalmente errada.

Afinal, sim, a exposição queria chamar a atenção para a falta de cuidado e de afeto das pessoas com os outros de forma geral. Mostrar que o que deveria ser considerado básico no trato humano não acontece, muitas vezes. (SPOILER – não leia… bem, você já sabe). Mas daí a explodir uma garotinha loira se passando como mendiga é um pouco demais, não? Afinal, estamos falando de uma era em que extremistas realmente se explodem para matar “infiéis” e na qual esses mesmos grupos utilizam crianças como “bala de canhão”… então mostrar uma criança explodindo para falar de uma exposição parece banalizar demais a violência que já acontece na vida real, não?

Mas essa ideia cretina apresentada em The Square nos ajuda a refletir sobre algo que gostaram de falar bastante por aqui também na exposição com um homem nu e uma criança: a liberdade de expressão. Hoje em dia, na era em que as “massas” antes apenas receptoras de informação podem também dar a sua opinião sobre tudo, certas ideias não passam mais pelo crivo do “tribunal da internet”.

O povo pode até consumir em massa um determinado vídeo – e, como The Square bem revela, inclusive dar dinheiro para quem fez isso e para o Google como “participante” dos lucros -, mas nem por isso ele bate palma para o que viu. No caso do vídeo infeliz dos publicitários “brilhantes” que sabem tudo sobre internet, o tiro saiu pela culatra. A mensagem foi distorcida, foi exagerada, tudo para chocar e para viralizar, e a polêmica destruiu uma exposição que tinha um princípio interessante – e, por tabela, fez o protagonista dessa história perder o emprego.

Essas questões, assim como a desigualdade de oportunidades e de tratamentos conforme a classe social ou a origem das pessoas, são temas importantes nesse filme. Só me incomodou um pouco, devo admitir, que alguns personagens foram pouco desenvolvidos – como o de Anne, interpretado por uma Elisabeth Moss quase em participação especial -, e que algumas sequências foram pensadas mais do que para nos chocar do que para fazer sentido (como aquela do protagonista empurrando o garoto pela escada).

Além disso, achei a duração desse filme realmente longa. Para o que ele tinha que nos apresentar, tranquilamente ele poderia ter duas horas de duração ou até um pouco menos – mas The Square tem 2h22min! Também acho que algumas sequências da produção ficaram um tanto deslocadas, como toda aquela sequência de Christian no apartamento de Anne (que poderia ser bem mais curta e direta) ou o encontro do garoto indignado com o “emissário” de Christian, Michael. Um pouco menos de pretensão faria bem para esse filme.

NOTA: 9.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Os artistas são seres fabulosos. Eles pensam a realidade de uma forma que os “reles mortais”, tão ocupados em seus cotidianos de trabalho e demais afazeres, não são capazes de fazer. Além disso, eles tem a capacidade de ver o belo – ou o feio – de uma forma diferenciada, olhando além das aparências e sabendo provocar as audiências como poucos.

Ainda que tudo isso seja verdade, até que ponto um artista tem a liberdade para expressar a sua arte? Ele pode ter a liberdade completa, fazer o que realmente deseja sem ter que pensar em mais nada ou ninguém? Pergunto isso por causa de uma das sequências mais marcantes e fascinantes do filme, aquela em que Oleg faz a sua intervenção.

No início, achei impressionante o trabalho dele. De fato, aquela era uma alegoria sobre a nossa sociedade, na qual os que tem medo ou procuram escapar do “terror” apenas se tornam vítimas dele. Quem fica imóvel apenas para ver outro se tornar vítima, é quem sobrevive. Essa é um alegoria sobre diversos ambientes da nossa sociedade atual – inclusive o empresarial, não? E ainda que o trabalho do artista tenha sido impressionante, a sequência final dele, pegando aquela mulher pelos cabelos… realmente era necessária? Até que ponto o artista não estava extravasando a sua própria loucura? A liberdade de expressão tudo permite? Acho que não.

Acho sim que a liberdade de expressão deve ser defendida, desde que ela não afete os direitos básicos dos outros. Desde que a liberdade de expressão não fira leis e regras que foram estabelecidas pela sociedade. Não basta querer passar uma ideia. É preciso ter a responsabilidade de cuidar para que aquela ideia não provoque danos para pessoas inocentes e que não escolheram ser expostas a determinadas situações.

Entre os aspectos técnicos desse filme, gostei muito da trilha sonora, que geralmente utiliza o clássico para tornar as sequências mais “líricas”, e que tem Rasmus Thord como supervisor musical; assim como gostei da direção de fotografia de Fredrik Wenzel; da direção sempre atenta aos personagens e à cidade de Ruben Östlund; da edição de Jacob Secher Schulsinger e de Ruben Östlund; do design de produção de Josefin Asberg; e dos figurinos de Sofie Krunegard.

O grande nome desse filme é o de Claes Bang. Toda a produção está centrada no Christian que ele interpreta. Como o ator ganha uma evidência monumental nessa produção, outros nomes bem conhecidos, como Elisabeth Moss e Dominic West, aparecem em trabalhos bastante secundários. A verdade é que nenhum outro personagem, exceto o protagonista, tem o seu papel bem desenvolvido nessa produção. Esse é um dos pontos fracos do filme, aliás.

Além dos atores citados, vale destacar o trabalho de alguns outros coadjuvantes: Terry Notary rouba a cena como Oleg – sem dúvida um trabalho marcante e pelo qual esse filme ficará lembrado; Christopher Laesso está muito bem como Michael – ainda que, novamente, a exemplo dos demais, seu personagem seja pouco desenvolvido; Lise Stephenson Ergström e Lilianne Mardon estão ok como as filhas do protagonista; Marina Schiptjenko está bem como Elna, administradora do museu; Elijandro Edouard como o garoto indignado está bem, ainda que me pareceu um pouco exagerado; e Daniel Hallberg e Martin Sööder fazem muito bem os “jovens talentos” do meio de RP e publicitário – eles realmente se parecem com muitas figuras que encontramos hoje em dia em várias empresas.

The Square estreou em première no dia 20 de maio de 2017 no Festival de Cinema de Cannes. Depois, até janeiro de 2018, o filme participou de outros 37 festivais em diversos países pelo mundo. Realmente um filme com uma longa trajetória de festivais. Interessante. Nessa sua trajetória, The Square ganhou 22 prêmios e foi indicado a outros 33 – sendo uma destas indicações ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira.

Entre os prêmios que recebeu, destaque para a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes e para o Prêmio Vulcain para Artista Técnico dado para Josefin Asberg no mesmo evento; para os prêmios de Melhor Filme Europeu, Melhor Comédia Europeia, Melhor Diretor Europeu, Melhor Ator Europeu para Claes Bang, Melhor Roteirista Europeu e Melhor Designer de Produção Europeu para Josefin Asberg no European Film Awards; para o Goya de Melhor Filme Europeu; e para oito prêmios como Melhor Filme em Língua Estrangeira dados por diferentes associações de críticos dos Estados Unidos e do Canadá.

Agora, algumas curiosidades sobre The Square. O ator Terry Notary interpretou, nesse filme, ao “homem macaco” Oleg. O artista russo Oleg Kulik ficou famoso por, ao ser convidado para participar da exposição coletiva internacional Interpol, em Estocolmo, fazer, na abertura, uma performance como um cão. Ele correu, pulou, rolou no chão e até mordeu alguns convidados VIPs nas pernas. Kulik disse que estava representando o povo russo “intimidado”, que estava sendo atacado e que, agora, estava revidando. Os convidados da exposição ficaram indignados ao ponto de chamar a polícia. No filme, há uma cena semelhante na capacidade de chocar, mas na qual o artista se passa por macaco.

Uma das perguntas da exposição The Square é interessante: você é do tipo de pessoa que confia ou que desconfia das pessoas? O restante da exposição e da tua experiência nela é definida por isso. Na vida real, também definimos a nossa vida a partir do momento que respondemos essa pergunta. E afinal de contas, por que chegamos ao ponto de tanta gente, ao menos na prática, mais desconfiar do que confiar nos outros?

O incidente em que Christian tem o celular roubado foi baseado na própria experiência de um amigo do diretor Ruben Östlund. Ele passou por algo bastante similar.

O diretor de The Square disse que ele nunca mais quer filmar uma cena que esteja em um filme apenas para ajudar a contar a história. Ele quer reunir diversas cenas interessantes que ajudem a explicar o comportamento humano.

Em uma cena, um homem com síndrome de Tourette tira a concentração de uma repórter que estava entrevistado o artista Julian. Östlund se inspirou em uma situação semelhante que aconteceu em um teatro da Suécia. E a verdade é que uma cena assim pode acontecer em qualquer parte. Como as pessoas lidam com essas diferenças extremas? Acho que isso e o descontrole de alguns participantes do jantar em que o homem macaco ataca, ajuda a demonstrar bem qual caminho as nossas sociedades cada vez mais sem paciência estão seguindo.

The Square faturou US$ 1,4 milhão nos Estados Unidos. Não é um sucesso, para os padrões americanos, mas é um resultado melhor que o de Una Mujer Fantástica – que praticamente não foi visto no país do Tio Sam. Olhando por isso e pelos prêmios que conquistou em votações de críticos americanos, The Square parece levar vantagem na disputa pela estatueta dourada.

Esse filme é uma coprodução da Suécia, da Alemanha, da França e da Dinamarca.

Os usuários do site IMDb deram a nota 7,6 para esta produção, enquanto que os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes dedicaram 112 críticas positivas e 25 negativas para o filme, o que lhe garante um aprovação de 82% e uma nota média de 7,3.

O diretor Ruben Östlund é realmente ousado. Prestes a completar 44 anos de idade em abril, esse sueco da cidade Styrsö tem 12 títulos no currículo como diretor, sendo seis deles curtas, um documentário e cinco longas. De sua filmografia, lembro de ter assistido a apenas um filme antes: De Ofrivilliga. Um filme bastante diferenciado e até mais controverso que esse The Square. A crítica sobre De Ofrivilliga vocês encontram por aqui. Realmente Östlund parece ser um sujeito que faz cinema para surpreender.

CONCLUSÃO: Um filme que trata dos bastidores de um museu de arte tinha tudo para ser chato, não é mesmo? Ou, talvez, “intelectual” demais para os padrões do grande público. E ainda que seja verdade que The Square é longo demais – facilmente ele poderia ter meia hora ou pouco mais de “corte” -, ele não se mostra enfadonho. Isso porque ainda que ele trate de arte e do valor que ela tem nos dias de hoje, assim como para quem ela é dirigida, esse filme trata de outros assuntos muito atuais, como a desigualdade de oportunidades, a marginalização social e os efeitos daninhos da busca por “causar” na internet – especialmente quando você é uma entidade com responsabilidades.

Para mim, aliás, essa parte sobre a noção do que é público e do que é privado e a questão do “tribunal” da opinião pública propiciado pela internet são alguns dos aspectos mais interessantes desse filme. Assim como a reflexão que uma pessoa ser bem educada, ter ótima posição social e tudo o mais não lhe torna realmente mais consciente sobre o mundo que ela não conhece. Um filme interessante e instigante. Só uma pena que ele seja longo demais e que peque um pouco por deixar alguns personagens um tanto “perdidos” na história e por se esforçar tanto em nos “chocar”/surpreender em algumas sequências. Mas, no geral, The Square é um bom filme.

PALPITES PARA O OSCAR 2018: The Square é um forte candidato à estatueta dourada nesse ano. Especialmente sem o filme In the Fade, de Fatih Akin, na disputa. Segundo as bolsas de apostas do Oscar, ele é o segundo filme mais cotado nesse ano – ele fica atrás apenas de Una Mujer Fantástica (comentado aqui).

Difícil saber o que os votantes da Academia vão decidir. Mas eu, se tivesse que votar, certamente escolheria Una Mujer Fantástica. Primeiro, porque acho o filme mais impactante e comovente. Ambos tem boas sacadas, é verdade, mas acho que o filme chileno tem um desenvolvimento mais satisfatório da história e dos personagens.

A produção também me agradou mais, me pareceu mais “humana” e com uma mensagem mais significativa que The Square. Mas, volto a dizer, esta é uma questão de gosto pessoal. Olhando tecnicamente para as duas produções, ambas tem muitos méritos, bons atores e um roteiros que tocam em temas contemporâneos. Então teremos que ver, mais que nada, qual é o gosto da Academia para premiar um ou outro – ou, quem sabe, o russo Loveless (com crítica neste link). Me parece que esses três são, realmente, os títulos que estão na disputa.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 20 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing e, atualmente, atuo como professora do curso de Jornalismo da FURB (Universidade Regional de Blumenau).

3 respostas em “The Square – The Square: A Arte da Discórdia”

Bem que esses 22min sem necessidade no longa poderiam ter sido acrescentados ao filme “Três anúncios para um crime” (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri), justamente o tempo que, para mim, seria suficiente para deixar o filme ainda melhor do que já foi.

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