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The Conspirator – Conspiração Americana


Uma nação forte pode ser consolidada sobre uma mentira? A justiça pode ser massacrada em momentos de conflito com a justificativa de que isso será feito para um “bem maior”? Robert Redford segue a sua jornada em busca de uma visão crítica dos Estados Unidos ao retomar uma história pouco conhecida de seu país neste The Conspirator. O filme mistura crime, drama, política e conflitos de tribunal. É uma história interessante, curiosa, e que ajuda a fazer uma revisão histórica das origens dos EUA.

A HISTÓRIA: Soldados mortos, caídos no chão. Um sobrevivente daquele campo de batalhas conta para um outro sobre a história de dois homens que chegaram às portas do Paraíso. O capitão Frederick Aiken (James McAvoy) está ferido, mas tenta distrair o amigo Nicholas Baker (Justin Long), que está tendo convulsões. Quando o socorro chega, Frederick ordena que Nicholas seja levado primeiro. Dois anos depois, no dia 14 de abril de 1865, os amigos estão juntos para comemorar a vitória dos estados do Norte dos Estados Unidos na Guerra Civil Americana. William Hamilton (James Badge Dale) questiona se o grupo não está comemorando antes do tempo, mas Nicholas afirma que o general Lee rendeu-se ao general Grant, e que isso deveria ser comemorado. Naquela noite, no Teatro Ford, o presidente Abraham Lincoln (Gerald Bestrom) sofreria um atentado. Mais tarde, Frederick, que é advogado, seria chamado pelo senador Johnson (Tom Wilkinson) a defender uma das acusadas pela conspiração contra o presidente, a dona de um albergue Mary Surratt (Robin Wright).

VOLTANDO À CRÍTICA (SPOILER – aviso aos navegantes que boa parte do texto à seguir conta momentos importantes do filme, por isso recomendo que só continue a ler quem já assistiu a The Conspirator): Robert Redford é conhecido pelo olhar crítico. Ele não apenas fez alguns filmes com esta levada, como também criou um festival – o Sundance – para fomentar olhares múltiplos sobre a realidade dos Estados Unidos e de outros países. Tentando fugir um pouco das “cartas marcadas” de Hollywood.

Em The Conspirator o diretor narra, junto com os roteiristas, um episódio pouco conhecido da história dos Estados Unidos. Ele mostra como as leis, constituições e valores defendidos por um país podem ser modificados e deturpados dependendo da interpretação de quem está no comando.

Situações de guerra e conflito são diferentes daquelas vividas em um ambiente de paz, é verdade. Mas The Conspirator sugere – e c0m razão – que estes argumentos não são suficientes para legitimar injustiças. (SPOILER – não leia se você ainda não assistiu ao filme). A mensagem mais bacana do filme, além de uma revisão histórica rara, é de que o caso de uma mulher, apenas, pode ser suficiente para que mudanças importantes aconteçam. Algumas vezes alguns justos precisam ser sacrificados para que paradigmas equivocados que foram estabelecidos sejam modificados.

The Conspirator acerta no início, ao ir direto ao que interessava. Mas não deixa de ser um pouco curioso o corte seco que Redford faz do campo de batalha para a noite do atentado ao presidente dos EUA. (SPOILER – não leia… bem você já sabe). Parece que ele não quer perder tempo com o conflito. Talvez para não dar pano pra manga. Para que não haja espaço para justificar o absurdo que vamos assistir, que é o julgamento forjado de uma mulher que, efetivamente, não contribuiu para o assassinato do presidente.

Normalmente, Redford é mais cuidado no contexto histórico. Isso é algo em que The Conspirator falha. O roteiro de James D. Solomon, inspirado em uma história escrita por ele e por Gregory Bernstein, ignora o clima tenso e de divisão entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos. Sabemos que há um conflito, que o Norte está ganhando e que há insatisfeitos no Sul, mas a insatisfação ou o apoio das ruas para Lincoln, por exemplo, não é mostrado neste filme.

A história gasta mais tempo no desinteressante relacionamento do protagonista com Sarah Weston (Alexis Bledel) do que mostrando o ambiente que cercava aquela decisão judicial. Ok, entendo que os roteiristas queriam mostrar todas as “pressões” e oportunidades que Frederick poderia perder ao insistir em defender Mary Surratt, mas a escolha deste foco não ajuda o filme. Pelo contrário, acaba tornando ele mais raso do que ele poderia ser.

O espectador também fica um pouco confuso sobre o atentado ao presidente e tem dificuldade de identificar os seus culpados. Eles aparecem apenas no momento da ação e, depois, não tem as suas histórias contextualizadas. O “vilão” principal, por exemplo, o ator responsável por atirar em Lincoln, John Wilkes Booth (Toby Kebbell) aparece poucas vezes e, normalmente, de forma tão obscura que até fica difícil identificá-lo depois, quando ele está sendo perseguido.

O mesmo acontece com os outros acusados pela conspiração, David Herold (Marcus Hester), Lewis Payne (Norman Reedus), George Atzerodt (John Michael Weatherly), Michael O’Laughlen, Edman Spangler (James Kirk Sparks), Samuel Mudd e Samuel Arnold (Jeremy Tuttle). Não percebemos qual foi a participação deles nos crimes porque tudo acontece muito rápido, e sem explicar a origem do plano ou o desenvolvimento dele. Algo que não ajuda o filme.

Claro que um bom embate de tribunal é sempre interessante. O duelo entre Frederick, que acaba assumindo o caso quando o senador percebe que será pior se ele continuar defendendo a dona da pensão, e o promotor Joseph Holt (Danny Huston) tem alguns bons momentos, mas o melhor deles – e que realmente vale todo aquele jogo de cena – só acontece na argumentação final. Até lá, o filme parece um pouco arrastado.

A ideia de resgatar um episódio importante para os Estados Unidos e pouco conhecido tem o seu mérito. Assim como os cuidados com a reprodução daquela época, tanto nos figurinos como na direção de arte e tudo o mais. Mas o problema de The Conspirator é que ele fica mais no discurso morno do que na ação ou no drama que provoquem o espectador, que façam ele reagir à história que está assistindo.

O resultado é que ficamos perplexos em saber que os Estados Unidos, que orgulha-se tanto de sua Constituição e da preservação dos direitos dos cidadãos, começou a sua história como nação unida contradizendo tudo isso. Mas isso é tudo. E essa perplexidade ganha força na parte final do filme. Antes, há confusão, um repasse rápido da conspiração que não ajuda a contar a história, e muitas sequências de tribunal – e seus bastidores.

Um elemento que deveria ajudar na tensão do filme é a de Frederick estar “dividido”. Afinal, ele é um herói de guerra, que defendia, justamente, aquela ideia de nação perfeita, mas também um advogado que é chamado a honrar o juramento que fez. Aos poucos, e ao defender Mary Surratt, ele percebe o que todos nós aprendemos com o passar dos anos: que a vida não é tão preto & branco como imaginávamos quando éramos crianças, ou adolescentes.

Ele percebe, isso sim, que há muitos nuances de cinza. E que há graus decisórios que estão além do nosso alcance. Ainda assim, não devemos desistir. E mesmo que tudo mostre que a derrota é inevitável, é preciso continuar defendendo os valores que nos ensinaram e que são justos, corretos.

Por isso, e pelo resgate histórico de um episódio pouco conhecido, é que dedico a nota abaixo. Como filme, The Conspirator mereceria uma avaliação mais baixa. Mas pelas intenções dele… sejamos um pouco “generosos”. Sempre vale assistir a um diretor e seu trabalho feitos para provocar reflexão nas pessoas. Este é um caso destes.

NOTA: 7,8.

OBS DE PÉ DE PÁGINA: Os atores estão bem, mas nenhum deles merece uma reverência. Algumas vezes, James McAvoy parece um pouco deslocado, assim como Justin Long. Kevin Kline, figura importante no filme e para a história, porque ele interpreta ao secretário de guerra Edwin Stanton, aparece pouco, e parece sempre estar desconfortável. Desempenho abaixo do desejável, para resumir. Robin Wright tem uma interpretação linear, conseguindo destacar-se da média geral apenas algumas vezes. Outros que estão bem são Evan Rachel Wood, que interpreta a Anna Surratt, filha de Mary; Tom Wilkinson, acima da média; e o veterano John Cullum como o juiz Wylie, em uma superponta.

A produção de The Conspirator é uma das maiores qualidades do filme. Um ótimo trabalho de pesquisa de figurinos de Louise Frogley, da direção de arte de Mark Garner e do design de produção de Kalina Ivanov. Ajuda a “climatizar” a história a direção de fotografia “terral” que dá a impressão de “envelhecida” de Newton Thomas Sigel. Um estilo previsível, é verdade, mas, ainda assim, eficaz.

O veterano Mark Isham faz mais um bom trabalho na trilha sonora, que segue uma linha clássica, reforçando o drama e alguns momentos de “suspense”. Mas o melhor do filme, em termos de música, está reservado para os créditos finais: Empty, canção de Ray Lamontagne. Bela escolha. E, para mim, uma bela descoberta. O refrão dela resume bastante do que Redford quer expressar com este filme: “Will I always feel this way/ so empty, so estranged”. Aqui, um vídeo com a canção.

Segundo este texto, a Guerra da Secessão, como ficou conhecida a guerra civil entre “nortistas e sulistas” nos Estados Unidos entre 1861 e 1865, teria provocado pelo menos 600 mil mortes. Um número impressionante – especialmente para um conflito civil do século 19. Ainda de acordo com o texto, esta teria sido a primeira guerra moderna da história, na qual foram utilizados fuzis de repetição e trincheiras, recursos que marcariam, depois, a Primeira Guerra Mundial.

Quem tem interesse de saber mais sobre o episódio contra Lincoln, este é um texto interessante para começar a pesquisa. Curto, direto e com algumas curiosidades. (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme). Lincoln foi o primeiro presidente dos EUA morto enquanto exercia a sua função como maior mandatário do país. Depois dele, seriam assassinados os presidentes James Garfield (por Charles Guiteau, em 1881), William McKinley (por Leon Czolgosz, em 1901) e John Kennedy (por Lee Harvey Oswald, em 1963).

Vale dar uma conferida nesta página da Veja com informações e fotos históricas da Guerra Civil Americana. E neste link, um resumo sobre alguns personagens importantes daquele momento histórico.

The Conspirator estreou em setembro de 2010 no Festival de Toronto. Depois, o filme passou por outros cinco festivais. Nesta trajetória, foi indicado a dois prêmios, mas não levou nenhum deles para casa.

O filme foi mal nas bilheterias. Para uma produção que custou cerca de US$ 25 milhões, faturar pouco mais de US$ 11,5 milhões nos Estados Unidos é muito pouco. Redford fracassou, desta vez, apesar das boas intenções.

E uma curiosidade sobre esta produção: ela é a primeira da The American Film Company. A produtora foi criada com o objetivo de viabilizar filmes que façam um resgate crítico do passado dos Estados Unidos. Agora, outro detalhe histórico (SPOILER – não leia se você não assistiu ao filme): Mary Suratt foi a primeira mulher da história a ser executada pelo governo dos EUA.

Os usuários do site IMDb deram a nota 6,9 para The Conspirator. Uma boa avaliação, levando em conta o histórico do site. Mas os críticos que tem os seus textos linkados no Rotten Tomatoes não gostaram tanto da produção. Eles dedicaram 92 críticas positivas e 73 negativas para The Conspirator, o que lhe garante uma aprovação de 56% e uma nota média de 6,1.

CONCLUSÃO: Algo que o cinema dos Estados Unidos tem, como qualidade, é a coragem de focar episódios polêmicos de sua história sem puritanismo. O diretor Robert Redford contribui para a saudável revisão histórica do cinemão de seu país com este The Conspirator. Faz um filme bem dirigido e narrado, mas The Conspirator perde um pouco de força conforme avança porque as dúvidas sobre a protagonista não duram muito tempo. Logo o público sabe o que está acontecendo, e a tensão resume-se apenas à disputa de tribunal. E daí surge o segundo problema: fica evidente, e muito cedo, qual será o resultado daquela queda de braços com cartas marcadas. O resgate histórico crítico é bacana, mas faltou alimentar um pouco mais de dúvidas e tensão durante a história. Um bom filme, ainda que pouco vigoroso. Mas que vai agradar aos que gostam de saber um pouco mais sobre episódios históricos pouco conhecidos.

Por Alessandra

Jornalista com doutorado pelo curso de Comunicación, Cambio Social y Desarrollo da Universidad Complutense de Madrid, sou uma apaixonada pelo cinema e "série maníaca". Em outras palavras, uma cinéfila inveterada e uma consumidora de séries voraz - quando o tempo me permite, é claro.

Também tenho Twitter, conta no Facebook, Polldaddy, YouTube, entre outros sites e recursos online. Tenho mais de 25 anos de experiência como jornalista. Trabalhei também com inbound marketing, professora universitária (cursos de graduação e pós-graduação) e, atualmente, atuo como empreendedora após criar a minha própria empresa na área da comunicação.

3 respostas em “The Conspirator – Conspiração Americana”

Muito Bom post!

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Abraço!

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Olá John!

Antes de mais nada, seja bem-vindo por aqui.

Que bom que você gostou do post. Mas fiquei na dúvida se você gostou do filme… afinal, acabaste falando mais sobre a procura e venda de antiguidades, inclusive indicando o teu blog, e não comentaste nada sobre The Conspirator.

Em uma próxima visita, vamos falar mais de cinema, dos filmes, que tal?

Um abraço e até a próxima!

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